São Paulo, quinta-feira, 25 de outubro de 2007

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editorial

O verão das Polegarzinhas

ALCINO LEITE NETO

"_ O inverno muito frio está chegando _ disse a andorinha _, vou voar para longe, rumo aos países quentes. Você quer vir comigo? Nós voaremos para bem distante dessa toupeira perversa e de sua casa sombria, por cima das montanhas, até os países quentes, onde o sol brilha mais forte e mais belo do que aqui, onde é sempre verão com lindas flores nos campos."

Este é um trecho do conto de fadas "A Polegarzinha", do genial escritor Hans Christian Andersen (1805-1875).

Trata-se da história de uma menina minúscula que nasce dentro de uma flor. Uma noite, ela é raptada por uma rã feiosa que deseja casá-la com seu filho. A Polegarzinha inicia, então, uma série de desventuras, entre os seres miúdos e esquisitos que pululam na Terra, como os besouros, que, ao encontrarem a minigarota, exclamam, espantados:

"_ Ela tem apenas duas patas, é uma miserável, e não tem antenas! É muito magra e parecedíssima com a espécie humana. Nossa, como ela é feia!".

As agruras da Polegarzinha só acabarão quando a andorinha conduzi-la até um reino de flores, onde vive dentro de cada uma delas um pequeno ser, inclusive um príncipe charmoso, "um anjo da flor", com quem ela se casará. Entre os presentes de casamento, Polegarzinha receberá "um par de belas asas de uma grande mosca branca", que permitirão que ela voe livremente entre as flores.

"_ Você não se chamará mais Polegarzinha _ disse o anjo da flor. É um nome feio, e você é tão bonita... Nós te chamaremos Maia."

E assim termina este conto esplêndido, uma das belas narrativas do Ocidente, por sua força de impregnação mítica, por seus desdobramentos inconscientes, por seu imaginário limítrofe, que faz conviver, dialogar e confundir a idéia do humano com a natureza do inseto e do vegetal.

Agora, repare na foto maior desta página, do desfile da Prada, com pequenas mulheres dormitando na flor. Foi assim que a estilista Miuccia Prada explicitou de maneira pós-freudiana (em outras imagens, as flores viravam úteros) o desejo da temporada européia do verão-2008 por flores e mais flores nas roupas.

Em cada mulher dormita sempre a aventura da Polegarzinha e o desejo da flor. Não apenas por vontade de embelezamento ou por nostalgia infantil. Mas porque as flores são uma espécie de alegoria do elo das mulheres com a natureza. Elas servem para nos contar, sempre e mais uma vez, as fábulas do gozo feminino _ que Lacan comparava com o dos místicos.

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