São Paulo, quinta-feira, 25 de outubro de 2007

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celebridades

Heróis em apuros

Deslizes e amores das celebridades ajudam a construir padrões de comportamento e seduzem multidões de leitores e espectadores

por VIVIAN WHITEMAN

Em meio a guerras, catástrofes e crises pessoais e sociais dos mais variados pesos, milhões de pessoas em todo o mundo encontram tempo e interesse para acompanhar os dramas e impasses vividos por famosos com problemas e celebridades ascendentes.

Graças a essa demanda, Paris Hilton, a top Kate Moss, a cantora Britney Spears, a apresentadora Adriane Galisteu e a jornalista Mônica Veloso já estamparam milhares de páginas de revistas, sites e jornais. A primeira foi parar na cadeia por dirigir repetidamente sob efeito de drogas e álcool, e a modelo apareceu na capa dos tablóides ingleses cheirando cocaína com seu namorado, o músico Pete Doherty.

Britney, a celebridade mais comentada do momento, perdeu a guarda dos filhos depois de uma sucessão de escândalos. Adriane, que recentemente causou furor ao deixar um seio à mostra durante um evento em São Paulo, tem sua vida acompanhada como a uma novela. Já Mônica, neofamosa de ocasião, foi pivô do caso que levou ao afastamento do líder do Senado Renan Calheiros.

Ao contrário do que dizem muitos críticos, tanto barulho não é apenas resultado da rentável indústria da mídia de fofoca nem só mais um efeito colateral da cultura do consumo exacerbado _ embora esses fatores não possam ser desconsiderados. "As celebridades ocupam hoje o papel que os heróis míticos tiveram um dia", afirma o historiador Micael Herschmann, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Um dos organizadores e autores da coletânea de artigos "Mídia, Memória e Celebridades", lançada em 2003, Herschmann aponta, porém, diferenças essenciais entre os exemplos daquele e deste tempo.

"Ao contrário dos antigos heróis, lembrados por seus grandes feitos e vitórias, as celebridades contemporâneas conquistam atenção por sua habilidade de conduzir suas aparições públicas", diz.

Efêmeros e espetacularizados, os novos heróis são, acima de tudo, humanos. Entre os diversos teóricos que tentaram explicar o fenômeno dos famosos, o escritor Umberto Eco fez observações esclarecedoras.

Ele notou que, nos mitos, os heróis são previsíveis, porque estão num contexto sobrenatural e universal que pretende, de certa forma, explicar o mundo. Já os heróis da cultura de massas, segundo Eco, incorporam características romanceadas e determinadas aspirações coletivas para aproximar-se mais dos seres humanos comuns.

Esse vínculo os transforma em referências de comportamento. "As pessoas querem ver o lado humano, querem fazer contato com a intimidade do outro", comenta a psicanalista Ana Verônica Mautner. "Quando o príncipe Charles foi flagrado dizendo que queria ser o absorvente de sua amante Camila, essa pequena bobagem ganhou muito mais atenção do que a própria questão da sucessão do trono inglês", diz.

Sem máscara (ou quase)

Para Mautner, a cultura multimídia acabou com o ar intocável dos famosos. A psicanalista afirma que, nesse sentido, a morte de Marilyn Monroe por overdose em 1962 foi um marco. A partir da tragédia, a máscara do glamour que envolvia os famosos, especialmente os atores de Hollywood, nunca mais seria a mesma. "Foi um choque, derrubou a idéia de que fama era sinônimo de vitória, felicidade."

Nas décadas seguintes, informações nada elogiosas se tornaram mais frequentes na mídia. Mas o "boom" desse tipo de cobertura veio mesmo com a internet. "Não há como alimentar um site somente com informações oficiais, precisamos de coisas de bastidores. A questão é manter um filtro ético na escolha das notícias que serão publicadas", diz a jornalista Joyce Pascowitch, dona do site Glamurama e da revista que leva o seu nome, ambos focados no mundo das celebridades e socialites.

Um certo padrão jornalístico também ajuda a separar os fatos de interesse das fofocas dispensáveis, na opinião da colunista. "Procuro falar de pessoas queridas, que já demonstraram talento em suas áreas de atuação, e não levanto a bola de escândalos oportunistas", conta Joyce.

Mas nem todos têm esse cuidado. Atualmente, uma das personalidades mais comentadas nos EUA é o blogueiro Mario Lavandeira, do site Perez Hilton, mestre na arte de gongar e expor celebridades.

Da campanha para que Jennifer Lopez assuma a sua gravidez à revelação da homossexualidade do ídolo teen Lance Bass, muitos foram os barracos online armados por ele. E o sucesso é inegável: média de oito milhões de visitas diárias.

Suas críticas são às vezes julgamentos cruéis, temperados com xingamentos. As fotos dos desafetos de "Perez" são cobertas com palavrões e desenhos nada simpáticos. "O famoso é a tela onde projetamos nossa curiosidade por histórias com intrigas, bruxas e cinderelas. Não nos preocupamos muito com a dor interna que eles possam sentir, queremos saber dos detalhes íntimos", diz Mautner.

No Brasil, a galera do programa "Pânico", que já sofreu processos e teve um de seus integrantes atacado pelo ator Vitor Fasano, é o exemplo que mais se aproxima desse tipo de cobertura, embora não sejam tão agressivos nem tão explícitos.

Porém, nem tudo é assimilado pelo público com aceitação passiva. Segundo Herschmann, a celebridade também pode gerar um comportamento de negação. "São movimentos de atração e repulsa, um jogo de espelhos que vai construindo padrões", aponta. "Além disso, o famoso não cria valores ou a falta deles, é só a ponta do iceberg. Geralmente, ele reflete a sociedade", completa.

Marketing do real

No meio do furacão, como ficam as pessoas por trás da fama Kate Moss, depois de ser pega consumindo cocaína, perdeu alguns contratos publicitários. Porém, passados alguns meses, voltou com força total e trabalhou tanto quanto nos seus anos áureos.

Já Britney e a atriz Lindsay Lohan, uma das adeptas do novo "hype" das clínicas de reabilitação para viciados famosos, passaram de perseguidas a amiguinhas dos paparazzi. Mas, ao contrário do que se pensa, isso tem se tornado bastante comum. A Folha conversou com um paparazzo que vende material para algumas das maiores revistas de fofoca do país (ele preferiu não se identificar), e confirmou a tendência. "Hoje é supercomum o famoso procurar o fotógrafo ou até marcar um suposto flagrante. Nós ganhamos em dinheiro, e eles, em divulgação", conta o profissional.

O comportamento faz parte de uma estratégia de marketing às vezes polêmica, mas que se mostra efetiva. Empresários e agentes lucram com diversos tipos de popularidade, assim como o artista. "O marketing do real dá muito trabalho, envolve um staff invisível imenso. Construir uma certa imagem, certinha ou polêmica, é caro, mas dá retorno", comenta Herschmann.

As estratégias vão dos contratos de publicidade e aparições remuneradas em eventos aos "inocentes" presentes. A cantora Wanessa Camargo, uma das celebridades com maior facilidade de orbitar entre diversos públicos, do popular ao hype, tem alguns produtos de moda licenciados e é alvo constante do bombardeio de brindes de diversas marcas. "É bom saber que sou vista como uma referência de estilo e como uma pessoa que passa credibilidade. Porém, só uso o que eu gosto", afirma.

Sobre a relação com mídia e fotógrafos, ela se mostra paciente. "Em São Paulo a coisa não é tão feia, existem limites. Agora, no Rio e em Nova York é mais pesado, agressivo até."

Cada vez mais celebridades, no entanto, aderem ao jogo de esconde-esconde da fama. "Não é o meu caso, mas, para se manter no topo, muita gente pode aderir ao fale mal, mas fale de mim. Existe um preço a ser pago por isso, e parte dele é perder totalmente a privacidade", diz Wanessa.

Nesta pág., Britney Spears, sem calcinha sai do carro de Paris Hilton (ao fundo); abaixo, estátua de cera retrata a Hilton como presidiária; na pág. ao lado, carro de Britney é perseguido por paparazzi

Jennifer Lopez em uma das imagens usadas pelo site Perez Hilton para expor sua gravidez; abaixo, Mônica Veloso é abordada por um dos repórteres do programa "Pânico"

Kate Moss e seu agora ex-namorado, o cantor Pete Doherty; abaixo à esq., Wanessa Camargo na festa de seu casamento com Marcos Buaiz; à dir., Adriane Galisteu e o tomara-que-caia que deixou seu seio à mostra

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