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Leonardo Padura

Os nacionalismos

Me causa indignação ver como o sentimento nacional é usado no mundo para dominar e manipular

Enquanto escrevia minha novela "Herejes", em que aparecem vários personagens judeus, eu me esforcei muito para entender o senso de pertencimento nacional que conservam há séculos pessoas que professam essa religião, que se confunde (pois em ocasiões o é, ou se pretende que seja) com uma etnia e uma cultura.

Minhas leituras me levaram ao inquietante estudo "A invenção do povo judeu", de Shlomo Sand, professor de história da Universidade de Tel Aviv, em que o autor questiona muitos dos elementos históricos que embasam o conceito de "povo" judaico escolhido e predestinado.

Uma das revelações do livro vem de seu estudo de como, no processo de definição de seu povo, os judeus criaram uma série de estratégias e motivos sobre os quais se apoiariam outros muitos "povos" para estabelecer sua existência e origem, como foi o caso do próprio "volk" alemão, que, animado pela filosofia nacional-socialista, empenhou-se em fazer os judeus desaparecer.

Tenha ele ou não razão em suas conclusões, Sand nos permite entender uma realidade histórica: a existência de um povo, base dos nacionalismos, vem servindo desde o século 19 como elemento de fusão dos aglomerados humanos e funcionou como ideologia heroica a partir da qual foi fomentada a criação dos Estados nacionais.

O nacionalismo, como fundamento do patriotismo, serviu para criar as histórias mais belas e épicas dos povos na criação de sua própria imagem e na definição de seu caráter independente.

Mas as páginas mais lamentáveis dos nacionalismos foram escritas quando eles foram manipulados como elemento mobilizador das massas, com finalidades políticas que, na realidade, são as finalidades e os interesses dos grupos de poder.

Se, por motivos religiosos, os homens matam de forma entusiástica, os nacionalismos podem levá-los a agir de modo entusiástico e heroico, pois o fazem pela pátria.

Me causa indignação ver como o fervor patriótico e o sentimento nacional são usados no mundo para dominar e manipular as pessoas.

Por ocasiões, sob a bandeira de uma ideologia ou de um destino manifesto, povos e homens inteligentes e cultos se deixam levar para além dos limites do absurdo, perdendo a capacidade de ver como são manipulados em nome da pátria ameaçada ou oprimida.

Esses homens podem chegar à guerra, ou simplesmente converter um torneio esportivo em tribuna para levantar as bandeiras nacionais e em pedestal para fomentar discursos nacionalistas.

A pátria é humanidade, disse José Martí, o homem que, ao iniciar a guerra de independência cubana, advertiu que era uma guerra necessária, mas sem ódios.

Que direito têm os líderes predestinados de utilizar os sentimentos nacionais como forças carregadas de ódio que, no fundo, é seu próprio ódio, o interesse político da preeminência, o afã imperial travestido de patriotismo e, em primeira instância, a preservação ou o acréscimo do poder?


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