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Colômbia apoia Dilma contra países ricos

"Tsunami monetário" das nações desenvolvidas dilui suas dívidas à custa dos emergentes, diz presidente Santos

Líder colombiano acredita que ainda existe espaço para incrementar o comércio com o Brasil

SYLVIA COLOMBO
ENVIADA ESPECIAL A CARTAGENA

Sorridente, expansivo, o presidente colombiano Juan Manuel Santos, 60, começa a entrevista com a Folha contando animadamente como foi seu passeio com o par chileno Sebastián Piñera. "Levei-o para conhecer os Koguis, que vivem numa zona muito linda." A tribo, com quem Santos tem uma relação próxima, habita a Serra Nevada de Santa Marta, região montanhosa próxima à costa caribenha da Colômbia.

Após a programação da Cúpula das Américas -que começa hoje, com 33 chefes de Estado-, Santos se reúne amanhã com a presidente Dilma Rousseff.

Ele apoia a tese da brasileira, que tem reiterado suas críticas ao que denomina "tsunami monetário" -desvalorização da moeda promovida pelos países ricos para exportar mais e sair da crise.

A seguir, trechos da entrevista que o colombiano concedeu à Folha, no hotel Santa Clara, um antigo convento que serviu de ambiente para uma das obras de Gabriel García Márquez, em Cartagena.

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Folha - Entre 2000 e 2010, tanto o comércio bilateral entre Brasil e Colômbia como a presença de empresas brasileiras em seu país aumentou muito. Como o sr. vê a relação entre os dois países?
Juan Manuel Santos - Sim, houve uma melhora significativa na relação comercial. A presença das empresas brasileiras é muito positiva, mas ainda considero que é possível incrementar as relações comerciais e econômicas.

O que falta?
É possível facilitar ainda mais o comércio, criar mais infraestrutura para esse intercâmbio.
Digo sempre à presidente Dilma que, se entre os países da América Latina pudéssemos atingir o grau de integração dos países asiáticos, teríamos muito mais colchão para enfrentar as crises internacionais.

Esse será o principal assunto da reunião bilateral?
Será um tema importante. Eu e a presidente Dilma compartilhamos a ideia de que temos de tentar levar uma posição comum de toda a América Latina a fóruns internacionais.
Concordo com a preocupação de Dilma com relação ao que está acontecendo num nível internacional. Os países desenvolvidos estão adotando uma política monetária na qual diluem suas dívidas à nossa custa.
A reunião do G20, no México, em junho, será uma ocasião em que a América Latina poderá dizer ao resto dos países como se fazem as coisas.

O que o sr. acha das medidas protecionistas que estão sendo adotadas de forma rigorosa por alguns países, principalmente a Argentina?
Responder a certo tipo de problemas com protecionismo é sempre o pior caminho. Esse tipo de medida tem consequências que é preciso considerar, e corre-se o risco de sofrer retaliações. Às vezes, reconstruir os laços comerciais depois de adotar medidas assim pode ser muito difícil. Não vale a pena.

A Colômbia vive uma nova fase de relações com a América Latina? Acabou o isolamento político e ideológico?
Sim, a situação é outra. Construímos pontes com a Venezuela e o Equador. Melhoramos a relação com o Brasil, que hoje está mais próximo do que na época de Lula e Uribe. E também estendemos uma ponte para a Argentina.
Antes, estávamos isolados. Éramos a ovelha negra do continente. Creio que dialogando, respeitando as diferenças, todos ganhamos.

Alguns temas têm chamado mais a atenção da mídia com relação à cúpula, mas não são os temas que o sr. escolheu como prioridade, não? Como será a discussão sobre Cuba, drogas e Malvinas?
Eu não gostaria que se transformassem nos grandes assuntos da cúpula. Há coisas mais importantes para a América Latina, a luta contra a pobreza, o acesso à tecnologia, a discussão sobre como combater desastres naturais em tempos de mudança climática e a interconexão.
Mas é claro que esses temas que você mencionou são mais atrativos para os meios de comunicação, porque são controvertidos e dão título. Nós vamos discuti-los, mas não devem se tornar os temas que devem importar.

Os países centro-americanos, encabeçados pela Guatemala, devem trazer a questão da liberação das drogas. Como o sr. vê o possível debate?
O que gostaria é que se iniciasse uma discussão, séria, objetiva e rigorosa sobre as diferentes alternativas que temos com relação à luta contra as drogas.
Na Colômbia, tivemos sucesso porque nos dedicamos a cada ponto da cadeia. Às vezes, é certo, parecia que estávamos numa bicicleta estática. Mas o fato é que avançamos.

O sr. considera as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) uma questão quase resolvida?
Ainda falta. Mas espero que a guerrilha entenda que pela via das armas e da violência não pode chegar a nenhum objetivo. Quando perceber que há vontade real deles para terminar o conflito, suspendemos a ação militar.
Mas, nesse caso, eu sou como São Tomé, tenho que ver para crer.
Os colombianos temos experiência suficiente para saber que as Farc já fizeram isso antes, pareciam que iam retroceder, depois avançaram. Portanto, até que eu não veja uma verdadeira e real convicção deles para terminar a luta armada, seguiremos com a ação militar.

A recente liberação dos reféns foi um sinal importante?
Seguramente, e eu valorizei muito. Foi um passo importante e agradeci muito ao Brasil pela ajuda. Mas ainda não considero suficiente. É preciso um sinal mais contundente sobre o que eles realmente querem.

O Brasil pode ajudar mais?
Pode ajudar muito por seu peso, sua credibilidade. Mas esse é um processo que tem de se dar primeiro entre os colombianos. Depois, quando for conveniente, podemos convidar alguns países para participar da discussão sobre o que fazer.

O sr. teve um perfil publicado na sofisticada revista britânica "Monocle" e foi capa da "Time". Como tem lidado com um nível de popularidade que supera os 70%?
Na política a popularidade tem importância porque as pessoas pensam que aquele que é popular tem mais capacidade de manobra para tomar decisões.
Porém, deixar-se levar pela popularidade nos induz a erros. [O presidente norte-americano] Abraham Lincoln (1809-1865) dizia que era preciso não se deixar levar pela opinião pública, mas sim liderar a opinião pública. Essa é a fórmula. Encontrar o momento certo para gastar ou investir essa popularidade na hora de tomar decisões difíceis.

Como está sua relação com o ex-presidente Álvaro Uribe?
A minha com ele é boa. A dele comigo é que é ruim (risos). Não estou brigado com ele, mas ele sim comigo. Sempre digo que estou construindo em cima do que foi construído por ele. Uribe foi importante para esse país e tem minha admiração e respeito. Mas estou pensando no futuro, não posso me fixar no passado. E o presidente Uribe, hoje, é o passado.

Mas o sr. esperava essa reação e essas críticas?
Não, de jeito nenhum. Até hoje não entendo porque ele está agindo dessa maneira.

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