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Clóvis Rossi

Israel e o paradoxo democrático

Ascensão de partidos islamitas tira o Estado judeu da sua zona de conforto com ditaduras

JERUSALÉM - Com uma única frase, o deputado israelense Shai Hermesh (Kadima, partido centrista) expõe o paradoxo que as revoltas no mundo árabe criaram para Israel: "A ditadura síria é tremendamente cruel, mas era o mais cômodo para Israel. Desde a guerra de 1973, a fronteira está tranquila".

Vale para a Síria, vale para o Egito, que está decidindo o substituto de outro ditador, ainda mais cômodo para Israel, como o era Mubarak.

A rigor, vale para todo o mundo árabe, o que é um enorme paradoxo: Israel enche a boca para proclamar-se a única democracia do Oriente Médio, o que até muito recentemente não deixava de ser verdade, mas passa a sentir um crescente incômodo quando os vizinhos juntam-se a esse clube exclusivo.

O motivo da inquietação é óbvio: a ascensão dos partidos islâmicos, todos eles braços locais da Irmandade Muçulmana egípcia, velha de 84 anos.

É difícil encontrar em Israel quem acredite na conversão desse grupo ao modelo turco do Partido da Justiça e Desenvolvimento, do primeiro-ministro Recep Tayyp Erdogan, islamita porém democrático. Em Israel, há até quem desconfie de Erdogan, mas não cabe discutir agora esse ponto.

O momento é para falar do Egito e de sua eleição, acompanhada em Israel com lupa. Nem o candidato oficial da Irmandade, Mohamad Mursi, nem o dissidente Abdel Aboul Fotouh são tidos como realmente moderados. Aliás, até Amr Moussa, o ex-secretário-geral da Liga Árabe, laico e ocidentalizado (é um dos frequentadores assíduos dos fóruns de Davos), é lembrado mais por suas posições críticas em relação a Israel do que por seu laicismo.

Paranoia israelense? Pode ser, mas pode ser também consequência da inexorável mudança a ocorrer no Egito, ganhe quem ganhe. Mudança assim vista por Steven Cook, pesquisador de Oriente Médio para o Council on Foreign Relations:

"O novo presidente do Egito estará provavelmente sujeito a um novo tipo de política na qual as demandas de baixo não poderão mais ser desconhecidas, compradas ou reduzidas ao silêncio pela força".

Tradução: a rua árabe terá que ser levada em conta na democracia, e é razoável supor que ela seja mais hostil a Israel do que as ditaduras que a ignoraram (daí a frase do deputado Hermesh).

O novo Egito, se vier mesmo a nascer, não esgota a lista de problemas que Israel enxerga: há virtual consenso de que o que ocorrer no Egito, o mais populoso país do mundo árabe e histórico centro de referência, terá repercussões inevitáveis em toda a região.

Hermesh até teme uma supostamente iminente mudança política na Jordânia, em que um rei beduíno governa uma maioria palestina.

Se se considerar que Egito e Jordânia são os dois únicos vizinhos com os quais Israel não está tecnicamente em guerra (os outros são Síria e Líbano), até dá para entender o desconforto de Israel, o que não significa justificá-lo. O fato é que o Estado judeu terá que aprender a dialogar com governos de partidos islamitas, o que, de repente, pode até levar a encaminhar a questão palestina, na qual Israel faz o papel de opressor.

crossi@uol.com.br

AMANHÃ EM MUNDO
Moisés Naím

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