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Olímpica, Londres ainda teme reedição de onda de revoltas

Análise do episódio, que completou um ano, mostra que a participação de gangues foi menor do que se supunha

Para especialistas, crise e cortes na segurança, além de ressentimento com a polícia, elevam risco de novos conflitos

Dylan Martinez/Reuters
Tropa de choque passa por prédios incendiados em Croydon, na zona sul de Londres, durante as revoltas de agosto de 2011; um ano depois, temor de reedição dos conflitos persiste
Tropa de choque passa por prédios incendiados em Croydon, na zona sul de Londres, durante as revoltas de agosto de 2011; um ano depois, temor de reedição dos conflitos persiste

GABRIELA MANZINI
EM LONDRES

Há um ano, a Londres que hoje celebra com tranquilidade a Olimpíada era uma cidade em convulsão. Durante quatro dias e cinco noites, multidões de encapuzados tomaram a capital do Reino Unido com uma onda de depredações e saques que fez dos seus moradores reféns.

Em pouco tempo, os crimes chegaram a várias cidades vizinhas, como Birmingham, Liverpool e Manchester.

Os números dão a dimensão do medo. De 6 a 10 de agosto do ano passado, foram cometidos mais de 5.000 crimes, principalmente o de furto, e mais de 3.000 pessoas foram presas.

Levou pelo menos dois dias para que a polícia se organizasse e inundasse as ruas com milhares de homens.

"Está na hora de declarar guerra às gangues", dizia o primeiro-ministro britânico, David Cameron, que as via como mentoras do episódio.

"Essas pessoas não se importam com certo e errado, têm um código moral distorcido e nenhum autocontrole", afirmou o premiê.

Mas, passado o caos, já parece claro que as gangues pouco ou nada tiveram que ver com o episódio.

Inicialmente, o governo apontou 28% dos suspeitos presos como membros de gangues, mas, com a análise detalhada dos casos, esse percentual caiu para 13% (19% em Londres).

Entrevistas com envolvidos conduzidas durante um estudo feito pelo jornal "The Guardian" em parceria com a LSE (London School of Economics) também revelam que, naqueles dias, a atitude que as gangues preferiram foi a inação.

"Os protestos interromperam as atividades das gangues, principalmente no que diz respeito ao tráfico de drogas e outros crimes", avalia Martin Glynn, criminologista da Universidade de Birmingham. "O que as gangues querem é proteger os seus mercados."

"O que houve foi que a sociedade precisava de um bode expiatório, e culpar as gangues se encaixava no pânico, na política, na estratégia policial", acrescenta.

O também criminologista James Densley, doutor em sociologia pela Universidade de Oxford, diz que a maioria das pessoas agiu só porque teve a oportunidade.

Segundo o governo, nada menos do que 76% dos presos tinham passagens pela polícia -e eram, em média, 11 delas.

"O Estado de Direito tinha deixado de ser importante. Havia mulheres de meia-idade entrando em shoppings e levando produtos das prateleiras, porque não havia ninguém que as impedisse", afirmou Densley.

Em relatório publicado em fevereiro, o Ministério do Interior britânico admite que precisa rever o conceito de gangue e que a "única primordial razão pela qual a desordem se espalhou foi a percepção, confirmada pela TV e pelas mídias sociais, de que em algumas áreas a polícia havia perdido o controle".

RISCO DE REPETIÇÃO

Nos bairros londrinos há hoje poucas cicatrizes do episódio. Esqueletos de prédios incendiados que serviram de ícones dos confrontos já deram lugar a tapumes.

Mas, com a crise econômica e os consequentes cortes nos gastos com policiamento, cresce o risco de o problema se repetir. Desde março de 2010, mais de 5.000 policiais -equivalentes a 20% da tropa- foram dispensados.

"O caldeirão continua fervendo", diz Glynn. "Toda aquela raiva permanece."

Densley lembra que o estopim dos protestos foi o assassinato de Mark Duggan, 29, negro, aparentemente por policiais, em um bairro ao norte de Londres, em 4 de agosto. Para ele, "a menos que se tomem medidas para melhorar a relação da polícia com algumas comunidades, persistirá o ressentimento".

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