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Periferia nervosa

Nos bolsões de pobreza da França, a renda per capita é inferior a € 9.000 por ano (menos da metade da média nacional) e o desemprego atinge um em cada quatro trabalhadores; índice é similar ao existente na Espanha

GRACILIANO ROCHA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
EM AMIENS-NORD E AULNAY-SOUS-BOIS

As "banlieues", periferias pobres das cidades francesas onde se concentra o grosso da imigração no país, são a face mais visível da crise econômica e viraram um desafio político para o presidente socialista François Hollande.

Nestes bolsões de pobreza, a renda per capita é inferior a € 9.000 por ano, ou R$ 23 mil (menos da metade da média nacional), e o desemprego atinge um em cada quatro trabalhadores.

O índice é similar ao da Espanha, país com os piores indicadores de emprego na União Europeia. O governo identifica nessas áreas os principais focos de criminalidade do país, principalmente tráfico de drogas.

Em Amiens-Nord, 120 km ao norte de Paris, os rastros das duas noites de vandalismo que varreram a cidade em agosto ainda estão por toda parte: uma escola e uma sala de musculação parcialmente incendiadas, lixeiras e telefones públicos calcinados; 16 policiais feridos.

Os distúrbios ocorreram depois de uma briga de moradores com policiais que perseguiam um motociclista na contramão, mas o pano de fundo da onda de violência -que resultou em 16 policiais feridos e cinco suspeitos presos- é a crise econômica.

"Aqui é o deserto da República. A polícia só aparece quando há um problema grande, a educação não funciona e o desemprego é muito maior do que dizem porque muita gente sem papel não entra na estatística", diz Nasri Guergous, dono de bar.

A segunda maior economia da zona do euro é castigada por uma espécie de "pane seca". Nos últimos três trimestres, a taxa de crescimento do PIB foi igual zero e a produção industrial encolheu 3,1% desde junho de 2011.

A PSA (fabricante dos carros Citröen e Peugeot) anunciou que vai fechar uma fábrica que emprega 8.000 pessoas até 2014 em Aulnay-sous-Bois (19 km de Paris).

Na campanha, Hollande prometeu um plano de reestruturação urbana e investimentos em educação das banlieues, mas a situação das contas públicas do país limita sua margem de manobra.

O endividamento representa 90% do PIB e o país precisará cortar € 33 bilhões no próximo ano para conter o deficit fiscal.

"É extremamente difícil que o presidente cumpra sua promessa. Os mais atingidos são os jovens que, sem educação, não conseguem acesso ao emprego", diz Gilles Kepel, sociólogo do Instituto Montaigne e autor de vários livros sobre as banlieues.

Segundo ele, a migração do parque industrial francês para países com mão de obra mais barata nas últimas décadas não foi acompanhada de uma política educacional que qualificasse os jovens das áreas pobres.

VÉU E TENSÃO

Nestas vizinhanças que o governo francês chama de "zonas urbanas sensíveis", a presença islâmica é grande.

As banlieues concentram a maior parte das mais de 2.000 mesquitas do país e mulheres com o hijab, o véu islâmico, dominam a cena.

Ao lado do desemprego, este avanço religioso também alimenta a tensão.

Enquanto candidatos com discurso anti-imigração têm ganho terreno a cada eleição, moradores de Amiens-Nord se dizem vítimas de discriminação religiosa e xenofobia.

Muitos jovens descendentes de famílias do norte da África e do Oriente Médio têm mais identificação com a religião de seus pais do que com a França.

Filho de argelinos, Abdel Zemaini, 37, faz "bicos" como motorista e diz que o quebra-quebra foi para punir as autoridades pelo "racismo".

"É claro que houve vandalismo, mas a polícia aqui não tem nenhuma educação. Dizem bom dia se você é branco, mas se você é árabe, eles agem como cowboys", diz.

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