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Protestos são parte da transição democrática, diz analista

Para Daniel Serwer, morte de embaixador dos EUA na Líbia é caso isolado, e situação no Egito é mais perigosa

LUCIANA COELHO
DE WASHINGTON

Para o professor de gerenciamento de conflitos e especialista em Oriente Médio Daniel Serwer, da Universidade Johns Hopkins, a eclosão de protestos anti-EUA na região e no norte da África é parte esperada do que será uma longa transição democrática, marcada por altos e baixos.

É também uma lembrança de que, quatro anos após a eleição de Barack Obama, a imagem dos EUA voltou aos baixos patamares na região -a aprovação à política americana, que chegara a 34% depois da posse do democrata, era de 15% em junho, segundo pesquisa do Centro Pew.

Serwer, que serviu no Brasil nos anos 80 e liderou projetos de pacificação civil no Iraque e no Afeganistão, conversou com a Folha na sexta. Na entrevista, ressaltou que a morte do embaixador Chris Stevens é um episódio isolado na Líbia e que a situação mais delicada está no Egito.

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Folha - O que saiu errado no pós-Primavera Árabe?

Daniel Serwer - No caso do assassinato do embaixador, extremistas planejaram e conseguiram executar um ataque a um local pouco policiado, mas foi um grupo muito pequeno de pessoas.

Os líbios em geral têm sido muito amistosos com os EUA. Estive lá duas vezes em 12 meses. Apreciam o que fizeram os EUA e a Otan [aliança militar ocidental, que apoiou com ataques aéreos os rebeldes no conflito que levou à queda do ditador Muammar Gaddafi] e lamentam o ocorrido.

Já o problema do filme [que detonou os protestos, uma produção ofensiva ao islã] é maior. Nos EUA, seu teor é protegido pela liberdade de expressão, mesmo que seja repulsivo. Nos países islâmicos, ele é inaceitável -vários foram ditaduras e ignoram a liberdade de expressão. Mas não vejo mal nos protestos. O problema é a violência.

O que essa erupção indica [sobre a democratização]?

Mostra que há extremistas que tentam explorar os protestos; mostra que falta autocontenção, e algumas pessoas se sentem à vontade no uso da violência; mostra que querem atenção da mídia.

Mas não são problemas entre os EUA e os líbios em geral, o problema é com alguns líbios. E com vários egípcios.

Esses grupos podem cooptar a Primavera Árabe?

Muita gente acha que estão fazendo isso; há ressentimento entre os árabes seculares e liberais. Mas depende também da população, se achar que estão surrupiando sua revolução, reivindicá-la.

Barack Obama enviou um pequeno contingente militar à Líbia e outro ao Iêmen para proteger as missões diplomáticas. É a coisa certa a fazer?

A proteção das embaixadas cabe ao governo do país-sede, não aos fuzileiros navais dos EUA. Seria um grande erro assumirmos uma responsabilidade que não é nossa, e é preciso insistir. Quanto mais soldados estrangeiros em uma situação assim, mais problemática ela fica.

A oposição nos EUA critica Obama por hesitar ante o inimigo. Há algo que ele poderia ter feito de diferente no desenrolar da Primavera Árabe?

Acho que o governo lidou bem com a Primavera Árabe. Podemos debater se agiu certo com a Síria. Mas havia quatro países em transição -Tunísia, Egito, Iêmen e Líbia-, e a maior preocupação deveria ser que a transição saísse bem. Não é coisa para um ano, é para dez anos.

Eu estava no Brasil no início da transição democrática, e levou tempo. Não dá para esperar que seja mais rápido no Oriente Médio, e é um processo no qual os militares americanos não têm como influir. Requer apoio civil, assistência [financeira] externa e terá altos e baixos.

Um dos baixos foi na última semana, com esse filme idiota. O mundo muçulmano tem de aprender a ignorar coisas assim, e isso leva tempo.

Como está a imagem dos EUA?

Uma pesquisa do Gallup mostra que os EUA são mais bem-vistos na Líbia do que em outros lugares. Estive no Egito e o clima é completamente diferente, muito menos amistoso com os EUA. Os egípcios não estão felizes com sua revolução. A Irmandade Muçulmana queria mais espaço, os seculares queriam espaço, é um ambiente contaminado.

A imagem americana melhorou com Obama?

Muito pouco.

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