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Débil, Afeganistão cede terreno a Taleban

Falta de controle efetivo do governo num país de infraestrutura precária favorece tática de ataque dos insurgentes

É alta entre as forças de segurança a taxa de analfabetismo; polícia 'checa' de ponta-cabeça passaporte do repórter

SAMY ADGHIRNI
ENVIADO ESPECIAL A CABUL

O cheiro nas ruas de Cabul mistura emanações de esgoto a céu aberto e lixo amontoado por toda parte. A capital afegã quase não tem sinal de trânsito nem iluminação pública.

Ataques insurgentes são frequentes, e o raio de controle efetivo do governo mal chega à periferia da cidade.

Na reta final da ocupação militar estrangeira iniciada em 2001, o Afeganistão permanece um país disfuncional, perigoso e frágil, conforme a Folha comprovou numa estada de oito dias.

O cenário reforça dúvidas de que o governo afegão pró-Ocidente estará pronto para assumir a segurança nacional depois que EUA e aliados retirarem suas tropas (2014).

INIMIGO

Se a coalizão atingiu o objetivo inicial de erradicar do país as bases da Al Qaeda de onde Osama bin Laden teria orquestrado o 11 de Setembro, outro inimigo permanece ativo e poderoso.

O Taleban, que governou o país com mão de ferro e acolheu Bin Laden até a invasão americana, retomou nos últimos anos controle sobre a maior parte do território.

"Lutaremos até que os invasores saiam e criaremos um Estado islâmico", disse Zabihullah Mujahid, porta-voz do Taleban, falando ao telefone desde um lugar secreto.

Para tentar voltar ao poder, os insurgentes exploram as falhas estruturais do governo, alternando ações de combate e manobras políticas. Uma das brechas mais óbvias é a vulnerabilidade da segurança nacional.

A maior parte dos policiais, soldados e agentes de segurança privados são analfabetos. Várias vezes, homens armados controlaram o passaporte do repórter sem perceber que o documento estava virado de cabeça para baixo.

Checagens de veículos e pessoas são deficientes até em lugares sensíveis. A Folha entrou num restaurante frequentado por americanos sem passar por revista.

"É evidente que nossas forças estão despreparadas", afirmou um diplomata afegão que não quis ser identificado.

Homens-bomba e ataques com morteiros continuam frequentes, inclusive em áreas com instalações oficiais.

No esforço para semear o caos e acelerar a retirada das forças estrangeiras, táticas de guerrilha ajudam o Taleban a contornar a superioridade rival em efetivo e armamento. Só em 2012, atentados cometidos por insurgentes infiltrados nas forças de segurança mataram 45 soldados ocidentais.

O major-general Zair Azimi, porta-voz das Forças Armadas afegãs, minimiza o poderio do Taleban. "Nossos soldados estão prontos e bem treinados, e o Taleban está perdendo força. Seu maior trunfo hoje é uma estratégia de relações públicas para assustar as pessoas", diz.

A exemplo dos EUA, Azimi culpa a Inteligência do vizinho Paquistão pelo apoio ao Taleban. Autoridades paquistanesas negam.

NEGOCIAÇÕES

No front político, o Taleban abandonou há alguns meses conversas de paz com os EUA em protesto contra a queima de exemplares do Corão por soldados americanos e reiteradas mortes de civis afegãos em ataques da coalizão.

Também não avançam negociações para a reconciliação entre o presidente Hamid Karzai e o Taleban, que exige entrar no governo apesar da objeção de grupos rivais.

O Taleban argumenta que, por representar a etnia majoritária pashtun e os valores conservadores dominantes na sociedade, não pode ser marginalizado.

"Os ocidentais forçam a barra para dar representatividade às minorias em detrimento dos pashtuns", critica a deputada Arian Youn. "Se o Taleban não pode ser derrotado, então é preciso incluí-lo no governo."

Em busca de apoio popular, os insurgentes exploram o descontentamento com Karzai, acusado de ser corrupto e submisso aos ocupantes. "O governo do Taleban era próximo da gente e lutava por nossos valores", diz o desempregado Wali Ahmad, 47. É comum ouvir queixas contra soldados ocidentais, vistos como arrogantes e desrespeitosos à cultura local.

Mas nem todos querem o Taleban de volta ao poder. "Aquele tempo foi horrível. Tenho medo de que volte tudo se os EUA saírem mesmo", diz o empresário Hasan Gharab, 33.

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