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Opinião

TVs gritam, mas 'silêncio dos para-brisas' é mais eloqüente

Nas campanhas, Superbowl e Hollywood se encontram, e o gosto por competição dá as mãos à sede por narrativa

CHICO MATTOSO
ESPECIAL PARA A FOLHA

"O-ba-ma." A menina de uns 6 anos segura na mão da mãe e, orgulhosa da própria inteligência, lê o adesivo colado no para-brisa de um carro. Depois de um ano em Chicago, é a primeira vez que ouço um passante pronunciar o nome do presidente. Faltam sete semanas para as eleições, mas a política continua um tema tão candente por aqui quanto, sei lá, o último mundial de críquete.

Não que isso seja exatamente novidade. Quase toda eleição acontece em algum ponto entre a indiferença das ruas e a histeria midiática.

Nos EUA, porém, o contraste é ainda mais forte. A julgar pela TV -cobertura 24 horas! Análise em tempo real! Estatísticas em 3D!-, o país deveria estar em plena combustão democrática, com multidões dando as mãos e cantando jingles em uníssono.

As campanhas presidenciais são o esporte americano por excelência. É quando Superbowl e Hollywood se encontram, quando o gosto por competição e espetáculo dá as mãos a outra mania nacional: a sede por narrativa.

Não se trata apenas de convencer os eleitores, mas de fazê-los embarcar em peças de ficção milimetricamente arquitetadas. O ideal de todo estrategista político é emplacar a história certa na hora certa, fazendo vibrar o nervo ficcional de uma nação viciada em "grandes sagas".

E qual a história da vez? O que se vê até agora são protagonistas sem brilho, dramas caducos, coadjuvantes desastrados. Os republicanos esmeram-se na arte de tropeçar nos próprios pés. Começou com o circo de horrores das primárias. Passou pela convenção, cuja maior proeza foi reduzir o inquebrantável Clint Eastwood a uma mistura canhestra de Samuel Beckett com Didi Mocó.

A cereja do bolo veio quando, num vídeo, Mitt Romney pôs em prática a última inovação tática de sua campanha: chamar metade do eleitorado de bunda-mole.

Obama sofre tentando requentar os antigos sucessos de bilheteria. Quatro anos depois do êxtase, a realidade pediu a conta -e aquela paixão original, se não acabou, empacou no pântano da convivência e do pragmatismo.

Ninguém resumiu melhor as contradições da campanha democrata que o humorista Jon Stewart, que batizou a tentativa de reeleição de "Esperança e Mudança 2: Às Vezes a Sequência É Ainda Melhor... Mas Geralmente Não."

Pode ser que tudo mude nessa reta final, que os ânimos se aqueçam e o país reencontre o antigo vigor democrático. Dizem os entendidos que nos EUA a eleição só pega fogo nos tais "swing states", Estados em que as linhas ideológicas não são claramente definidas -e onde as candidaturas investem a maior parte dos orçamentos.

Tá legal, eu aceito o argumento, mas, a julgar pelo que tenho visto por aí, essa é a eleição da ressaca, do desânimo, da falta de tesão. As TVs seguem gritando, mas nada é mais eloquente que o silêncio dos para-brisas.

CHICO MATTOSO, escritor, vive em Chicago. É autor de "Nunca Vai Embora" e "Longe de Ramiro", entre outros livros.

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