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Eleições EUA

Mississippi continua pobre após Obama

Estado do sul dos EUA que tem a maior proporção de população negra no país está fora do radar das campanhas

Tempo na região parece ter congelado desde que direitos civis viraram lei, há 48 anos; ativistas lutam contra desalento

LUCIANA COELHO
ENVIADA ESPECIAL AO MISSISSIPPI

Nas margens das estradas do Mississippi, no chamado sul profundo dos EUA, ainda se veem algodoeiros em campos que vão até o horizonte, alagadiços se revezando com casebres e, às vezes, alguma fazenda mais portentosa.

Para quem vem do vizinho Alabama rumo à capital, Jackson, e passa pelo condado de Neshoba, a paisagem é a mesma onde em 1964 três ativistas civis foram mortos por tentar registrar eleitores negros, no episódio que 24 anos depois inspiraria o filme "Mississippi em Chamas".

O que não se vê ali, em 2012, são cartazes ou outros vestígios de que haverá uma eleição em pouco mais de três semanas e que nela o primeiro presidente negro dos EUA disputará um novo mandato.

O Estado mais pobre (renda per capita média 27% abaixo da nacional) e de maior população negra do país (37%, no Censo de 2010) inexiste no mapa de campanha de Barack Obama e Mitt Romney, que o contam automaticamente na coluna republicana.

Quatro anos depois da eleição de Obama e com todo o simbolismo que ela carrega, pouco mudou em um lugar onde negros ainda são exceção em restaurantes caros e em que o tempo parece congelado desde que os direitos civis viraram lei, há 48 anos.

"Isto aqui é o Mississippi. Essa história vem da escravidão, e tem gente aqui que ainda pensa com a mentalidade antiga, não quer mudança", afirma Wayne Walker, um operário de 38 anos que trabalha em Canton, a 35 km de Jackson, dirige uma hora para chegar ao trabalho e integra o movimento sindical.

"É por isso que ainda se usa a bandeira rebelde [a bandeira dos Estados escravagistas da Guerra Civil é parte da bandeira estadual]. É por isso que eles não gostam de sindicatos. É por isso que muita gente não vota."

O professor de ciência política D'Andra Orey, da Universidade Estadual de Jackson, se especializou na relação entre etnia e política e tem uma explicação para os baixos índices de comparecimento dos negros no Estado.

"Votar é um produto do status socioeconômico, tem a ver com custo-benefício."

O voto nos EUA não é obrigatório, e o dia da eleição -sempre a primeira terça-feira de novembro, neste ano dia 6- não é feriado. "Se um grupo nota que o custo de votar é maior que os benefícios que o voto traz, desiste", diz ele.

"No delta do rio Mississippi, onde a pobreza é extrema, os índices de comparecimento são baixíssimos. E veja entre os operários. Alguém que trabalha numa fábrica e leva meia hora para chegar em Jackson vai deixar o trabalho para votar? Vai abrir mão de um dia de salário? Fora o gasto com a gasolina."

BRANCOS POLARIZADOS

Orey aponta uma tendência de a população branca do Estado votar maciçamente nos republicanos por ver sua hegemonia ameaçada.

A Folha tentou ouvir eleitores brancos em Madison, cidade vizinha a Jackson onde 80% dos moradores são brancos (o oposto da capital), a população abaixo da linha de pobreza é de 2% e a renda média é quase o triplo da do Estado. Ninguém aceitou.

Em 2008, 88% dessa fatia do eleitorado no Mississippi preferiu John McCain, enquanto no cenário nacional a preferência dos brancos pelo republicano foi de 55%.

"No Mississippi, por causa das raízes profundas do racismo e da polarização racial, brancos pobres não se encaixam no modelo [que conjuga economia e política]. É uma coesão comum a áreas com alta concentração de negros."

Na contramão, a noção de identidade negra se diluiu.

Mas a desigualdade persiste. Em seu livro mais recente, "The Price of Inequality" (o preço da desigualdade), o Nobel de Economia Joseph Stigltz lembra que a discriminação econômica contra negros, mulheres e latinos é um dos combustíveis do crescente abismo social americano.

"O salário desses grupos é claramente menor do que o dos homens brancos", diz.

DESALENTO JOVEM

O resultado é desalento.

Kimar Cain, um ativista de 22 anos no Tougaloo College que busca aliados para fundar uma união de estudantes negros, vê um problema específico em sua geração.

"O ativismo dos direitos civis foi pelo ralo. Até acredito que Obama seja o melhor candidato, mas não acho que tenhamos de sentar, cruzar os braços e esperar que resolvam nossos problemas."

Desde agosto, ele tenta registrar eleitores em Jackson e em suas cercanias e trabalha como voluntário do Partido Democrata -sediado numa pequena casa na capital onde a presidente se recusou a receber a reportagem e a campanha obamista desistiu dos votos locais para focar em angariar fundos e votos na Flórida, Estado-chave na eleição.

"Perguntei a uma garota que fui registrar qual era a razão para ela não querer votar. Por que não querer ter sua voz ouvida? Ela disse que não ia mudar nada", lembra.

O episódio não é único. "Ela mora na parte oeste da cidade, que é a parte mais pobre e problemática. O pessoal lá é blindado pelo ambiente, acha que nada vai mudar, mesmo que votem. Depois, as pessoas acabam tirando vantagem do sul porque pensam que somos desencanados, que deixamos que outros tome as decisões por nós."

A operária e vendedora Rosalind Essex, 49, acha que a geração mais nova perdeu o interesse pelo movimento que culminou nos anos 60.

"Eles não estudam história. Não se importam. Não sabem como as pessoas morreram, apanharam para ter espaço", lamenta. "Talvez, se mostrassem filmes, atraíssemos alguém. Mas, quando tentamos falar, os garotos dizem que é passado. Só que as coisas continuam iguais."

Segundo Orey, as escolas do Estado -as mais mal avaliadas do país- incluem muito pouco da história do movimento em seus currículos.

Colaborou RAFAEL GARCIA, enviado ao Mississippi

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