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Europa: proibido entrar

Decisão da Grécia de construir um muro na fronteira com a Turquia para barrar acesso de imigrantes ilegais ao continente provoca críticas de ONGs, que temem crise humanitária

JERONIMO GIORGI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM EVROS

O rio Evros nasce na Bulgária e corre entre as montanhas dos Bálcãs para, 200 km antes de desaguar no Egeu, converter-se na linha divisória entre Grécia e Turquia.

É o último obstáculo que as dezenas de milhares de imigrantes que procuram escapar da guerra e da pobreza precisam transpor para chegar à União Europeia.

A enxurrada de imigrantes que passou pelo rio nos últimos anos, após o bloqueio dos trajetos tradicionais passando pela Itália e Espanha, excedeu a capacidade da Grécia, economicamente devastada pela crise econômica e inundada pelo milhão de ilegais que já vivem no país.

"A situação estava fora de controle", afirma Giorgios Salamangas, chefe de polícia da região de Evros, um dos que comandam a megaoperação para deter esse fluxo.

Lançada em 2010, a "Operação Escudo" faz parte de uma missão maior, a Xenios Zeus, que inclui a expulsão dos ilegais já no país.

É realizada na zona da fronteira pela polícia grega e pela Frontex, a Agência Europeia para a Gestão das Fronteiras Externas da UE.

Só em 2010, a polícia prendeu 36 mil migrantes sem documentos que acabavam de atravessar o rio. Em 2011, o número caiu para 28.321, graças a outra missão encerrada em março deste ano.

Mesmo assim, nos primeiros sete meses de 2012 as detenções dobraram de número em relação ao mesmo período do ano passado.

A missão foi prorrogada por mais dois meses e chegará ao fim em 2 de dezembro com reforços.

Cresceu em mais de mil o número de agentes na região. A missão ganhou novos equipamentos técnicos, veículos e embarcações. A determinação foi melhorar a coordenação com as forças turcas.

"Protegemos nossas fronteiras, que também são as da União Europeia", defendeu Salamangas no início de setembro, quando o número de detenções tinha caído de cerca de 400 por dia para dez, a partir de 9 de agosto.

"Mas só vamos parar quando chegarmos a zero", disse.

TRAVESSIA E MURALHA

Há apenas dois meses, centenas de homens, mulheres e crianças cruzavam a fronteira durante as noites, guiados por grupos mafiosos.

Apesar de a fronteira ter cerca de 200 km de extensão, 70% dos migrantes em 2010 a atravessaram num trecho de 12,5 km, perto da cidade turca de Edirne.

Nesse local, o rio Evros passa a correr em território turco, e a fronteira passa a ser em terra firme.

Por isso o ponto foi escolhido pelo governo grego para construir um muro de três metros de altura que ficará pronto neste mês. O objetivo: impedir definitivamente a entrada no país por terra.

"Não gosto de muralhas, mas às vezes não há outra solução", diz Stamatis, dono de um bar em Sufly, povoado por onde passam diariamente paquistaneses, afegãos, sírios e somalis, entre outros.

"Embora tenhamos medo, às vezes os ajudamos, damos comida ou roupa", diz ele. "Mas a missão está sendo eficaz, porque agora não se vê um único deles", conclui.

Na cidade, os grupos de imigrantes ilegais que aguardavam o trem para Atenas ou caminhavam nas margens das rodovias desapareceram.

Agora se veem picapes da polícia escondidas atrás de árvores ou patrulhando as estradas dos arredores.

Os únicos imigrantes sem documentos são os que estão atrás das grades dos centros de detenção, estabelecimentos que em 2010 atraíram a atenção mundial por suas condições deploráveis.

Quando o número de detentos alcançou seu pico naquele ano, o governo adotou medidas para desencorajar a imigração ilegal: ampliou os períodos de reclusão.

A nova regra piorou ainda mais a situação e o Acnur (Alto Comissariado da ONU para os Refugiados) declarou que se tratava de uma situação de crise humanitária.

Maik, um de três senegaleses sentado junto a uma mesa de bar no povoado fronteiriço de Kastanies, passou por um desses centros.

"Estou trabalhando na Grécia há quatro anos", faz questão de esclarecer.

Nos últimos dias, os únicos imigrantes que se deixam ser vistos são os que possuem autorização de trabalho.

Mesmo assim, "a crise e o racismo complicaram as coisas", diz Maik, que informa estar tentando atravessar o rio no sentido contrário.

Segundo estudo do Acnur lançado recentemente, ataques racistas denunciados por organizações humanitárias na Grécia alcançaram números "excepcionalmente alarmantes".

Entre janeiro e setembro, foram 87 episódios, um número que pode ser bem maior porque a maioria das vítimas tem medo de denunciar, diz o informe. "É revelador que não se julgou até agora nenhum autor de um ataque violento", escreve a agência.

A maioria das vítimas foi atacada em praças ou no transporte público por homens vestidos de negro, às vezes com o rosto coberto.

A Acnur informa que parte dos episódios está ligada a militantes do ultradireitista Aurora Dourada, a primeira legenda neonazista a conseguir cadeiras no Parlamento desde a queda do regime militar, em 1974.

"PARE O MURO"

Durante o verão, quando a vazão do Evros diminui, é possível atravessá-lo a pé em alguns pontos.

É no inverno, quando as águas correm furiosas e as temperaturas pairam em torno do zero, que ocorre a maioria dos acidentes e mortes na tentativa de travessia.

De acordo com o médico legista da região, apenas em agosto do ano passado morreram 47 pessoas.

Com a construção do muro, mais pessoas serão obrigadas a atravessar o rio por esse trecho, e essa é uma das razões pelas quais o grupo Stop Evros Wall (Pare o Muro de Evros) se mobilizou.

"O que farão quando atravessarem pela Bulgária? Vão continuar a construir a muralha em volta de toda a Europa?", diz Panaiotis Samuridis, da ONG.

Em 25 de junho de 2010, 22 imigrantes morreram numa só noite. Dias depois, 16 cadáveres encontrados passaram por exames forenses.

Por fim, os corpos foram trasladados para Sidiro, uma aldeia de gregos muçulmanos, nas montanhas.

Para evitar a superlotação do cemitério, o mufti (autoridade religiosa muçulmana) da região de Evros decidiu sepultar os sem documentos num morro nos arredores.

"Aqui há 300 homens, mulheres e crianças", lamentou o mufti Mehmet Serif.

Como a maioria dos imigrantes é composta por muçulmanos, os cerca de 400 corpos encontrados até agora foram sepultados em diferentes vilarejos muçulmanos.

Depois de rezar, Mehmet percorre lentamente as intermináveis fileiras de terra, enquanto o sol se põe atrás das montanhas. "O que estamos fazendo à humanidade?", indaga. "Veja o mundo que estamos criando!"

Tradução de CLARA ALLAIN

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