Índice geral Mundo
Mundo
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Gringolândia

CHICO MATTOSO, DE CHICAGO

Ohio, o Aleph eleitoral

Estado é o ponto minúsculo que abarca a imensidão do conturbado universo da política americana

NÃO TEM jeito. A campanha segue, os candidatos tagarelam, as televisões estrebucham, as pesquisas enlouquecem -mas nada, nada mesmo, é capaz de mudar aquela que parece ser a interrogação fundamental da sucessão americana: e Ohio?

A cada quatro anos, tão certo quanto as Olimpíadas, a candidatura do Serra ou o fevereiro de 29 dias, o discreto Estado do Meio-Oeste sai do ostracismo e se transforma no protagonista das eleições.

Tal importância é atestada pelos números. Desde 1944, só uma vez o vencedor em Ohio não levou também as eleições gerais. Dos chamados "swing states", é o que carrega o maior valor simbólico - não à toa, Romney e Obama têm passado as últimas semanas abarrotando a região de comícios e anúncios televisivos.

A relevância de Ohio é mais um dos sintomas do peculiar sistema eleitoral americano, que permite que um presidente seja eleito sem maioria popular e que o voto do morador de um Estado nanico como o Maine valha menos que o de um eleitor da Califórnia ou do Texas.

Não quero me estender em análises enfadonhas sobre o assunto -me faltam conhecimento e paciência. Mas é impossível não se deixar impressionar pelo fenômeno.

Ohio é uma espécie de Aleph eleitoral, o ponto minúsculo que abarca a imensidão do conturbado universo político americano. Em última instância, o futuro de boa parte do planeta vai ser decidido por um grupo relativamente pequeno de indecisos. Os candidatos passaram a noite da última segunda-feira debatendo os conflitos no Oriente Médio, mas não duvido que no fundo de seus corações a pergunta fosse uma só: será que o pessoal lá em Cleveland tá gostando de mim?

É mais ou menos como se os eleitores de uma única rua definissem a eleição para prefeito de São Paulo. A cidade inteira vota, mas é o pessoal da alameda dos Curiangos que dá a palavra final sobre o vencedor. Não importa o que pensam a zona leste, o centro expandido, a nova classe média ou a elite dos Jardins -se o dono da Curiango Pães e Doces não der seu apoio, é melhor guardar as bandeirinhas e voltar para casa.

A ironia é evidente. Os candidatos constroem campanhas monstruosas, fabricam estratégias megalomaníacas e discursos grandiloquentes, e no fim das contas tudo se resolve numa escala reduzida e prosaica. Parece um castigo dos deuses eleitorais: erguerás imensos navios, mas eles naufragarão numa poça d'água. E viva o dono da padaria.

CHICO MATTOSO, escritor, é autor de "Nunca Vai Embora" e "Longe de Ramiro".

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.