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CONFLITO EXISTENCIAL
Com discurso inaudível na praça São Pedro, João
Paulo 2º perde audiência para festas laicas na capital italiana
Roma se divide entre o papa e o pop no réveillon
HUMBERTO SACCOMANDI
enviado especial a Roma
O papa João Paulo 2º, em sua
primeira aparição pública à
meia-noite num réveillon, foi o
destaque da passagem do Ano
Novo em Roma, que busca, no
ano 2000, se consolidar como a
capital espiritual do Ocidente.
Daquela que os italianos chamam de a janela mais famosa do
mundo, a de seu escritório no
palácio apostólico no Vaticano,
voltada para a praça São Pedro, o
papa falou lentamente, por cerca
de cinco minutos. Apareceu exatamente à meia-noite, quando
tocavam os sinos da basílica de
São Pedro e começava uma breve queima de fogos na praça. Esperou que o espetáculo acabasse,
acenando para a multidão (120
mil pessoas, segundo a polícia).
Como no Natal, seu discurso,
somente em italiano, foi curto e
discreto. "O relógio da história
marca uma importante hora.
Começa neste momento o ano
2000, que nos introduz num novo milênio. Para os crentes, é o
ano do Grande Jubileu", disse,
referindo à celebração dos 2.000
anos do nascimento de Jesus.
"Ao cruzar o limiar do novo
ano, gostaria de bater à porta da
casa de vocês para dar a cada um
a minha felicitação cordial. Desejo-lhes um ano rico de paz, um
ano sereno e feliz. Que os acompanhe a certeza de que Deus os
ama", afirmou João Paulo 2º,
que pediu a Jesus que oriente "os
passos incertos e titubeantes dos
povos e das nações rumo a um
futuro de autêntica esperança".
Ao final, o papa deu uma bênção em latim à multidão. Isso tudo a reportagem da Folha só ficou sabendo ao ver, depois, pela
TV, a reprise da aparição do papa. Na praça São Pedro era simplesmente impossível entender
uma palavra do pontífice.
Seu modo difícil de falar, os rojões, a celebração das pessoas, o
som ruim, tudo contribuiu para
tornar apenas simbólica a rápida
aparição de João Paulo 2º.
"Não importa que não dê para
entender. O importante é estar
aqui com ele neste momento",
disse à Folha o italiano Antonio
Pintus, 44, que veio de Veneza,
com a mulher e a cunhada, passar o Ano Novo em Roma.
Como não dava mesmo para
entender, Pintus tentava abrir
uma garrafa de espumante. A rolha quebrou, e o grupo teria ficado sem brindar não fosse a solidariedade das pessoas ao redor,
que ofereceram a bebida.
À tarde, João Paulo 2º, em cerimônia religiosa na basílica, se estendeu um pouco mais na análise do "novecento" (os anos 1900,
em italiano). Ele lembrou que o
século foi marcado por "duas
ideologias opressoras", em referência ao nazifascismo e ao comunismo, "responsáveis por
inumeráveis vítimas". Quanto
ao milênio, ele destacou que foi
um período de "exaltantes conquistas", lembrando a descoberta da América.
"Agradecemos a Deus por tudo o que aconteceu neste ano,
neste século, neste milênio", disse. "Pedimos desculpas porque,
infelizmente, avanços científicos
e tecnológicos, vitais para o progresso humano, foram por vezes
usados contra a humanidade."
Mas o réveillon com o papa
não foi a única celebração na capital italiana. Não foi nem mesmo a maior. Cerca de 150 mil
pessoas se espremeram na região da Piazza de Popolo, local
tradicional de manifestações da
esquerda em Roma.
De certo modo, a Roma laica
superou a Roma religiosa no
Ano Novo, em mais um "round"
do conflito existencial que marca
esta cidade. Mas, como o anticlericalismo e a esquerda não estão
mais na moda, não havia lideranças políticas inflamadas discursando na Piazza del Popolo.
Só um show de estrelas pop italianas, contra um show do adocicado cantor romântico Claudio
Baglione, na praça São Pedro.
O réveillon significou ainda
um fracasso de organização.
Sem transporte público (ônibus
e metrô pararam antes da meia-noite), a cidade foi tomada por
um congestionamento. Quem
quis acompanhar as festas "in loco" teve de andar quilômetros.
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