São Paulo, Sábado, 01 de Janeiro de 2000


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CONFLITO EXISTENCIAL
Com discurso inaudível na praça São Pedro, João Paulo 2º perde audiência para festas laicas na capital italiana
Roma se divide entre o papa e o pop no réveillon

HUMBERTO SACCOMANDI
enviado especial a Roma

O papa João Paulo 2º, em sua primeira aparição pública à meia-noite num réveillon, foi o destaque da passagem do Ano Novo em Roma, que busca, no ano 2000, se consolidar como a capital espiritual do Ocidente.
Daquela que os italianos chamam de a janela mais famosa do mundo, a de seu escritório no palácio apostólico no Vaticano, voltada para a praça São Pedro, o papa falou lentamente, por cerca de cinco minutos. Apareceu exatamente à meia-noite, quando tocavam os sinos da basílica de São Pedro e começava uma breve queima de fogos na praça. Esperou que o espetáculo acabasse, acenando para a multidão (120 mil pessoas, segundo a polícia).
Como no Natal, seu discurso, somente em italiano, foi curto e discreto. "O relógio da história marca uma importante hora. Começa neste momento o ano 2000, que nos introduz num novo milênio. Para os crentes, é o ano do Grande Jubileu", disse, referindo à celebração dos 2.000 anos do nascimento de Jesus.
"Ao cruzar o limiar do novo ano, gostaria de bater à porta da casa de vocês para dar a cada um a minha felicitação cordial. Desejo-lhes um ano rico de paz, um ano sereno e feliz. Que os acompanhe a certeza de que Deus os ama", afirmou João Paulo 2º, que pediu a Jesus que oriente "os passos incertos e titubeantes dos povos e das nações rumo a um futuro de autêntica esperança".
Ao final, o papa deu uma bênção em latim à multidão. Isso tudo a reportagem da Folha só ficou sabendo ao ver, depois, pela TV, a reprise da aparição do papa. Na praça São Pedro era simplesmente impossível entender uma palavra do pontífice.
Seu modo difícil de falar, os rojões, a celebração das pessoas, o som ruim, tudo contribuiu para tornar apenas simbólica a rápida aparição de João Paulo 2º.
"Não importa que não dê para entender. O importante é estar aqui com ele neste momento", disse à Folha o italiano Antonio Pintus, 44, que veio de Veneza, com a mulher e a cunhada, passar o Ano Novo em Roma.
Como não dava mesmo para entender, Pintus tentava abrir uma garrafa de espumante. A rolha quebrou, e o grupo teria ficado sem brindar não fosse a solidariedade das pessoas ao redor, que ofereceram a bebida.
À tarde, João Paulo 2º, em cerimônia religiosa na basílica, se estendeu um pouco mais na análise do "novecento" (os anos 1900, em italiano). Ele lembrou que o século foi marcado por "duas ideologias opressoras", em referência ao nazifascismo e ao comunismo, "responsáveis por inumeráveis vítimas". Quanto ao milênio, ele destacou que foi um período de "exaltantes conquistas", lembrando a descoberta da América.
"Agradecemos a Deus por tudo o que aconteceu neste ano, neste século, neste milênio", disse. "Pedimos desculpas porque, infelizmente, avanços científicos e tecnológicos, vitais para o progresso humano, foram por vezes usados contra a humanidade."
Mas o réveillon com o papa não foi a única celebração na capital italiana. Não foi nem mesmo a maior. Cerca de 150 mil pessoas se espremeram na região da Piazza de Popolo, local tradicional de manifestações da esquerda em Roma.
De certo modo, a Roma laica superou a Roma religiosa no Ano Novo, em mais um "round" do conflito existencial que marca esta cidade. Mas, como o anticlericalismo e a esquerda não estão mais na moda, não havia lideranças políticas inflamadas discursando na Piazza del Popolo. Só um show de estrelas pop italianas, contra um show do adocicado cantor romântico Claudio Baglione, na praça São Pedro.
O réveillon significou ainda um fracasso de organização. Sem transporte público (ônibus e metrô pararam antes da meia-noite), a cidade foi tomada por um congestionamento. Quem quis acompanhar as festas "in loco" teve de andar quilômetros.



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