São Paulo, Sábado, 01 de Janeiro de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O FIM ADIADO
"Virgem atrasa o apocalipse"

JOÃO BATISTA NATALI
enviado especial ao México


Como o mundo não acabou, os milenaristas mexicanos da comunidade de Nova Jerusalém já ensaiam uma saída honrosa para o desmentido, ao menos provisório, da profecia que os alentava:
"A Virgem do Rosário ouviu nossas preces e intercedeu junto a Deus para que se dê mais um prazo para que os homens se arrependam de seus pecados."
É o que disse à Folha um dos 35 padres ordenados por essa comunidade localizada a 380 km a sudoeste da Cidade do México. Um padre franzino e de pele amorenada, voz monocórdia e que diz ter por nome São Pedro.
A possibilidade de a Virgem adiar o apocalipse, que foi anunciado por ela própria em uma aparição que teria ocorrido em 1973 -data que marca também a formação do grupo religioso-, já estava prevista pelo grande adversário teológico local desses dissidentes do catolicismo.
A saber, o padre Jesus Diaz Barriga Quiroz, pároco da igreja de São José e representante, no município de Puruaran, da fé romana oficial.
"Os dirigentes dessa comunidade vão argumentar que a Virgem pediu a Deus para dar um tempo. Com isso a reputação de todos estará salva", diz ele, sem se preocupar em esconder um inabalável sarcasmo na voz.
O cenário que previa o fim do mundo não encontrava unanimidade entre os fiéis. "Se eu acredito? Quem é que não acredita na palavra de Deus", dizia na quarta pela manhã Maria Lúcia, mulher de seus 60 anos.
"Não vai acabar, não. Festejaremos o Ano Novo e continuaremos felizes", contestava no período da tarde Guadalupe, uns dez anos mais velha.
O sobrenome de ambas é aqui omitido porque Vidal Ávila, porta-voz da comunidade, ameaçou anteontem punir os fiéis que conversassem com jornalistas.

Lógica da fé
O fato é que existe uma lógica por detrás do prosseguimento de Nova Jerusalém, apesar do pequeno detalhe de o mundo não ter desta vez acabado.
Uma das chaves para entendê-la é dada por Rodrigo Alcaraz, morador da região e que em 1995 chefiou a equipe de recenseadores do governo mexicano que traçou o perfil dos 6.000 místicos que seguem as palavras do papa Nabor Cárdenas, hoje com 89 anos, ex-padre católico que liderou a dissidência milenarista.
"As pessoas têm agora garantidos trabalho e comida, o que é para elas um progresso diante da absoluta miséria da qual se originaram", diz ele. O analfabetismo em Nova Jerusalém é de 70%, bem maior que os 21% registrados no plano nacional.
E Alcaraz aponta outro fato relevante. Ao ser interrogada sobre suas convicções religiosas, boa parte dos moradores dizia não as ter ou então não compreender direito o que lhe era ensinado.
Sem a consistência da convicção, pouco importa, assim, que a profecia atribuída à Virgem do Rosário não tenha sido cumprida. A vida continua até que esse grupo de místicos se aproxime de uma nova data em que poderá ocorrer o apocalipse.


Texto Anterior: Argentinos seguem a tradição
Próximo Texto: Notas
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.