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Brasil toma bastião de gangues no Haiti
A serviço das Nações Unidas, militares brasileiros ocupam Cité Soleil, favela antes controlada por grupos criminosos
Comandante do batalhão brasileiro em Porto Príncipe afirma que tropas militares agora exercem "100% do controle" da capital do país
RAPHAEL GOMIDE
ENVIADO ESPECIAL AO HAITI
Emboscadas, intensas rajadas de fuzil, tiroteios de até seis
horas, fossos de 3 m de profundidade para impedir veículos
blindados de entrar na favela,
coquetéis molotov e pedras. Os
grupos armados de Porto Príncipe, capital do Haiti, acostumaram-se a receber assim as
tropas de paz da ONU, comandadas pelo Brasil. Até ontem.
Depois de dois anos e nove
meses, 15 soldados estrangeiros mortos em combate, os capacetes azuis tomaram ontem,
sem nenhum tiro disparado,
Bois Neuf, região de Cité Soleil,
favela mais violenta do país e
principal reduto das gangues
criminosas da capital haitiana.
Segundo o comandante do
Batalhão Brasileiro de Força de
Paz no Haiti, coronel Cláudio
Barroso Magno Filho, a ação
garantiu "100% do controle militar da capital".
Um posto avançado do batalhão ("ponto forte", no jargão
militar), com patrulhas regulares, será instalado no local para
impedir a volta das gangues.
Antes vistos como politicamente ligados ao presidente
deposto Jean-Bertrand Aristide -que foi exilado na África do
Sul há exatos três anos- tornaram-se criminosos comuns,
crêem os militares.
A operação, que durou das
4h30 às 11h e foi acompanhada
pela Folha, contou com 600
soldados de uma força multinacional de 9.000 homens, em
operação supervisionada pelo
general Carlos Alberto dos
Santos Cruz, comandante da
Força Militar da Minustah
(Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti).
Com veículos lagarta e blindados, soldados do Exército e
fuzileiros navais ocuparam a
área e tomaram a casa e uma
boate anexa do líder local, Belony. Prenderam seis suspeitos
de integrar as gangues e um por
porte de drogas, além de
apreenderem munição e um
fuzil de fabricação caseira. A
Companhia de Engenharia
brasileira atuou no fechamento
dos 20 buracos (3 m de largura
por até 3 m de profundidade)
cavados para impedir a progressão da Minustah.
"É um dia simbólico, porque
hoje damos por encerrada a fase de operações militares. Temos agora pleno controle da cidade. É o primeiro passo para
permitir a entrada de ações governamentais, que são fundamentais", afirmou o militar.
Com panfletos e um Urutu
(blindado) com alto-falantes,
os capacetes azuis tentavam
convencer os criminosos a não
reagir. A preocupação era também evitar ferir inocentes. A
maioria deles fugiu antes.
Bois Neuf é também um
marco para a tropa brasileira
porque foi o primeiro local onde o sexto contingente nacional (Força Jauru) enfrentou
um quase fiasco no Haiti, uma
semana após chegar ao país.
Pressões políticas
Na época, pressões políticas e
a imposição do governo de
transição haitiano e da Minustah, que queria ter o mandato
renovado, levaram os brasileiros a fazer uma ação com grande repercussão na mídia. Sem o
necessário conhecimento da
área, as tropas foram emboscadas várias vezes. O tiro quase
saiu pela culatra: o carro do general uruguaio Raúl Gloodtdofsky, subcomandante-geral
militar da Minustah, foi atingido, perdeu-se um carro de combate uruguaio e os militares ficaram sob fogo intenso.
"Foi um grande susto para
nós, porque eles mostraram
grande capacidade militar", reconhece Barroso Magno. No
dia seguinte, nova atuação das
tropas multinacionais deixou
40 mortos, incluindo 15 rebeldes."Dou graças a Deus por estar aqui. Estava em uma janela
de um ponto forte [base] lá e
[quase] levei um tiro na cara.
Voei para trás com o impacto.
Toda essa área é crítica", relatou o capitão Schimitz, de Operações Psicológicas.
O chefe de missão da organização Médicos Sem Fronteiras
-que tem hospital em Cité Soleil-, Fabio Pompetti, relatou
que entre os feridos nesse confronto havia ao menos uma
criança e uma mulher.
O repórter RAPHAEL GOMIDE viajou a convite
do Ministério da Defesa e do Exército brasileiro
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