São Paulo, quinta-feira, 01 de março de 2007

Próximo Texto | Índice

Brasil toma bastião de gangues no Haiti

A serviço das Nações Unidas, militares brasileiros ocupam Cité Soleil, favela antes controlada por grupos criminosos

Comandante do batalhão brasileiro em Porto Príncipe afirma que tropas militares agora exercem "100% do controle" da capital do país

RAPHAEL GOMIDE
ENVIADO ESPECIAL AO HAITI

Emboscadas, intensas rajadas de fuzil, tiroteios de até seis horas, fossos de 3 m de profundidade para impedir veículos blindados de entrar na favela, coquetéis molotov e pedras. Os grupos armados de Porto Príncipe, capital do Haiti, acostumaram-se a receber assim as tropas de paz da ONU, comandadas pelo Brasil. Até ontem. Depois de dois anos e nove meses, 15 soldados estrangeiros mortos em combate, os capacetes azuis tomaram ontem, sem nenhum tiro disparado, Bois Neuf, região de Cité Soleil, favela mais violenta do país e principal reduto das gangues criminosas da capital haitiana.
Segundo o comandante do Batalhão Brasileiro de Força de Paz no Haiti, coronel Cláudio Barroso Magno Filho, a ação garantiu "100% do controle militar da capital". Um posto avançado do batalhão ("ponto forte", no jargão militar), com patrulhas regulares, será instalado no local para impedir a volta das gangues. Antes vistos como politicamente ligados ao presidente deposto Jean-Bertrand Aristide -que foi exilado na África do Sul há exatos três anos- tornaram-se criminosos comuns, crêem os militares.
A operação, que durou das 4h30 às 11h e foi acompanhada pela Folha, contou com 600 soldados de uma força multinacional de 9.000 homens, em operação supervisionada pelo general Carlos Alberto dos Santos Cruz, comandante da Força Militar da Minustah (Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti).
Com veículos lagarta e blindados, soldados do Exército e fuzileiros navais ocuparam a área e tomaram a casa e uma boate anexa do líder local, Belony. Prenderam seis suspeitos de integrar as gangues e um por porte de drogas, além de apreenderem munição e um fuzil de fabricação caseira. A Companhia de Engenharia brasileira atuou no fechamento dos 20 buracos (3 m de largura por até 3 m de profundidade) cavados para impedir a progressão da Minustah.
"É um dia simbólico, porque hoje damos por encerrada a fase de operações militares. Temos agora pleno controle da cidade. É o primeiro passo para permitir a entrada de ações governamentais, que são fundamentais", afirmou o militar. Com panfletos e um Urutu (blindado) com alto-falantes, os capacetes azuis tentavam convencer os criminosos a não reagir. A preocupação era também evitar ferir inocentes. A maioria deles fugiu antes. Bois Neuf é também um marco para a tropa brasileira porque foi o primeiro local onde o sexto contingente nacional (Força Jauru) enfrentou um quase fiasco no Haiti, uma semana após chegar ao país.

Pressões políticas
Na época, pressões políticas e a imposição do governo de transição haitiano e da Minustah, que queria ter o mandato renovado, levaram os brasileiros a fazer uma ação com grande repercussão na mídia. Sem o necessário conhecimento da área, as tropas foram emboscadas várias vezes. O tiro quase saiu pela culatra: o carro do general uruguaio Raúl Gloodtdofsky, subcomandante-geral militar da Minustah, foi atingido, perdeu-se um carro de combate uruguaio e os militares ficaram sob fogo intenso. "Foi um grande susto para nós, porque eles mostraram grande capacidade militar", reconhece Barroso Magno. No dia seguinte, nova atuação das tropas multinacionais deixou 40 mortos, incluindo 15 rebeldes."Dou graças a Deus por estar aqui. Estava em uma janela de um ponto forte [base] lá e [quase] levei um tiro na cara.
Voei para trás com o impacto. Toda essa área é crítica", relatou o capitão Schimitz, de Operações Psicológicas. O chefe de missão da organização Médicos Sem Fronteiras -que tem hospital em Cité Soleil-, Fabio Pompetti, relatou que entre os feridos nesse confronto havia ao menos uma criança e uma mulher.


O repórter RAPHAEL GOMIDE viajou a convite do Ministério da Defesa e do Exército brasileiro


Próximo Texto: População elogia força, mas pede fim da miséria
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.