São Paulo, sábado, 01 de março de 2008

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Santa Cruz desafia Morales e mantém referendo próprio

Governo cruzenho diz que fará votação sobre autonomia sem autorização do Congresso

La Paz aposta em aprovação da Constituição nas urnas para driblar resistência de regiões a projeto; pesquisa mostra população dividida

Gaston Brito/Reuters
Apoiador exibe calendário com foto do presidente Evo Morales


FLÁVIA MARREIRO
DA REDAÇÃO

Em festa com apoiadores na praça principal de La Paz, o presidente boliviano, Evo Morales, promulgou ontem lei que convoca para 4 de maio dois referendos relativos à nova Constituição, enquanto a oposição fez apelos a países vizinhos e da União Européia para que atentem para os desvios democráticos do governo.
A volta da confrontação verbal aberta na Bolívia levou o presidente da OEA (Organização dos Estados Americanos), Miguel Insulza, a emitir nota de "preocupação pela situação política" do país e pedir respeito à democracia e a volta ao diálogo, o que parece improvável.
Ontem, o governador oposicionista de Santa Cruz, Rubén Costas, reiterou que manterá para 4 de maio -mesma data dos referendos constitucionais- a consulta local sobre o estatuto autonômico do departamento, que reivindica independência administrativa em relação a La Paz. Os departamentos de Pando, Beni e Tarija também querem autonomia.
Costas disse que o vice-presidente e presidente do Senado, Álvaro García Linera, é de "um cinismo descarado" por falar de diálogo com a imprensa e manobrar no Congresso pela aprovação dos referendos. Acusou o governo de querer criar uma "Iugoslávia" na Bolívia.
Além dos referendos, a maioria governista do Congresso aprovou anteontem norma que torna ilegal a convocação de consulta feita por Santa Cruz -só o Congresso poderá fazê-la. A sessão foi marcada por ameaças de integrantes dos movimentos sociais, que agrediram dois parlamentares da oposição. Os militantes cercaram o prédio do Congresso e chegaram a invadir o plenário.
Morales agradeceu ontem, em discurso, a atuação de seus apoiadores. Um grupo de mineiros da mobilização ameaçou viajar a Santa Cruz para reprimir os líderes autonomistas, que, por sua vez, anunciaram que voltarão a promover protestos contra o governo.
"A oposição estava usando o diálogo como tática diversionista", disse ontem à Folha o deputado governista Gustavo Torrico, autor das proposições.
Enquanto os oposicionistas acusam o governo de romper o Estado democrático ao usar "em vez de tanques movimentos sociais" para pressionar a oposição, Torrico minimizou o efeito do cerco ao Congresso. "Tudo é estratégia política. Quando éramos só 26 parlamentares na oposição, também não tínhamos direito à palavra nem mudávamos o rumo das coisas. Esse é o jogo da maioria, da democracia ocidental."

Aposta arriscada
A aposta do governo é que, ainda que com porcentagens menores em Santa Cruz, conseguirá aprovar nas urnas a Carta e vencerá, desta maneira, a resistência da oposição, que considera ilegal o texto constitucional aprovado em dezembro.
Analistas alertam que essa estratégia pode levar à aprovação final da Constituição, mas não trará legitimidade e aceitação nacional ao texto, mantendo a rota de crise política.
"Teremos em Santa Cruz ao menos 45% de aprovação para a Constituição", diz Torrico.
Além do texto completo, a consulta de 4 de maio perguntará à população se um latifúndio tem 5.000 ha ou 10 mil ha, tema sensível justamente para as regiões opositoras que concentram a maior produção agropecuária e as maiores extensões de terra da Bolívia.
É difícil avaliar se o governo faz um cálculo arriscado já que, em geral, os institutos de opinião na Bolívia não pesquisam áreas rurais e mais pobres, onde o apoio a La Paz é maior.
Segundo dados de janeiro do Instituto Ipsos-Apoyo, que pesquisa as cidades de La Paz, El Alto, Cochabamba e Santa Cruz, só 38% diriam sim ao texto constitucional, contra 42% que o rejeitariam. Outros 20% dizem não ter opinião definida.
Em outra frente, o governo trabalha para adiar a discussão sobre as autonomias, que pretende levar para o campo jurídico. Ontem, Morales afirmou que não é contra os projetos dos departamentos, mas que considera os atuais estatutos ilegais, já que não foram elaborados por instâncias previstas na Constituição vigente.
O presidente boliviano propôs mandar ao Congresso projeto de lei para eleger diretamente conselheiros departamentais que escreverão os estatutos de autonomia.


Com agências internacionais


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