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Coreanas expõem ferida que Japão deixou
Mulheres usadas como escravas sexuais durante a Segunda Guerra contam à Folha horrores vividos sob a ocupação japonesa
Premiê resiste a assumir responsabilidade do Japão e
faz ressentimento histórico aflorar; "dama de conforto" espera "perdão de joelhos"
Jung Yeon-je -14.mar.2007
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Gil (segunda a partir da esq.), e Lee (terceira) protestam contra o Japão em Seul; uma foi capturada com 12 anos, a outra com 16
MARCELO NINIO
DA REDAÇÃO
Cinco coreanas, todas com
mais de 75 anos, dividem uma
casa em Seul e terríveis lembranças da Segunda Guerra
Mundial. Elas estão entre as
cerca de 200 mil mulheres usadas como escravas sexuais em
países asiáticos sob ocupação
militar japonesa .
A casa simples, de dois andares, localizada numa vila tranqüila perto do centro da capital
sul-coreana, é mantida pelo
Conselho de Mulheres Recrutadas para Escravidão Militar
pelo Japão, uma associação que
cuida das sobreviventes e luta
para que seu sofrimento seja
denunciado e reconhecido.
Segundo seus registros, sobrevivem na Coréia 123 "damas
de conforto" -o incômodo eufemismo japonês pelo qual as
mulheres seqüestradas e estupradas ficaram conhecidas.
Delicados trabalhos manuais
feitos por crianças enfeitam as
paredes da associação. Uma das
idosas, de 90 anos, desce lentamente a escada da casa, enquanto outras duas, dez anos
mais jovens, recebem a reportagem da Folha com sorrisos e
suco de gergelim de caixinha. O
silêncio da vizinhança e um
cheiro doce de chá verde dominam o ambiente.
O sorriso desaparece quando
elas começam a contar suas
histórias. Gil Won-ok tinha 12
anos quando foi levada por militares japoneses de sua casa,
no vilarejo de Heechun, hoje na
Coréia do Norte. O ano era
1940. Os militares disseram
que ela seria levada para trabalhar em uma fábrica.
Gil foi parar em uma base
militar em Harbin, no nordeste
da China. Após meses de serviço sexual aos soldados japoneses, que incluiu rotineiros atos
de violência, ela contraiu uma
doença venérea e foi libertada.
A doença, soube depois, a deixou estéril para sempre.
O pesadelo não tinha acabado. Em 1942 Gil voltou a ser
capturada pelos japoneses e levada a outra base militar na
China, onde continuou sofrendo abusos até 1945, quando a
Coréia se tornou independente. "Ninguém imagina o medo e
a dor que nós sentíamos diante
dos soldados, muitos bêbados e
violentos", conta Gil, hoje com
79 anos, em voz baixa. "Ainda
tenho pesadelos."
A antiga ferida foi reaberta
recentemente pelas polêmicas
declarações do primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe.
Contrariando as evidências
históricas, inclusive de arquivos militares do país, Abe disse
não haver prova da existência
dos bordéis de prisioneiras do
Exército Imperial. O desmentido causou uma onda de indignação, dos antigos países ocupados até o principal aliado do
Japão, os Estados Unidos.
A declaração de Abe esquentou o debate no Congresso
americano em torno de uma
resolução que exige um pedido
completo de desculpas do Japão. Pressionado, Abe manifestou apoio a uma declaração oficial de 1993, na qual o governo
japonês admitiu que os seqüestros ocorreram e manifestou
remorso. Nesta semana o premiê voltou a pedir desculpas,
mas se negou a assumir a responsabilidade do Estado.
O recrutamento forçado de
mulheres asiáticas pelo Exército Imperial Japonês para prostituição -principalmente coreanas e chinesas- é um dos
episódios mais dolorosos da
expansão nipônica na região na
primeira metade do século 20.
As declarações de Abe, primeiro líder japonês nascido
após a Segunda Guerra, despertaram antigos ressentimentos nos vizinhos e chamaram a
atenção para o ressurgimento
do nacionalismo no país.
"Não queremos dinheiro
nem monumentos", diz Lee
Yong-soo, 80. Capturada aos 16
anos, ela ficou até os 18 numa
base de camicases em Taiwan.
Levada com quatro amigas, Lee
custou a entender que partilhara o mesmo destino de milhares de outras mulheres.
"Mal sabia ler e não tinha
idéia de que estávamos em
guerra. Pensava que só eu e minhas amigas estávamos passando por aquilo. E me perguntava: "por que nós?'", conta Lee,
que só no início da década de
90, com a divulgação dos relatos de outras "damas de conforto", decidiu contar sua história e se engajar.
Desde então, já deu diversos
depoimentos, nos EUA e no Japão -em japonês fluente, que
aprendeu durante a ocupação,
quando o idioma coreano foi
proibido no país.
Mais de 60 anos após o pesadelo, o que a levaria a dar sua
luta por encerrada? "Só ficarei
satisfeita quando o premiê japonês vier a Seul e pedir desculpas de joelhos", diz Lee, evocando o famoso gesto de arrependimento feito em Auschwitz, pelo então chanceler da
Alemanha, Willy Brandt, em
1970.
O jornalista MARCELO NINIO viajou a Seul a
convite da Associação de Jornalistas da Coréia
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