São Paulo, terça-feira, 01 de abril de 2008

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Tribunal vai decidir se fecha partido que governa Turquia

AK é acusado por promotores públicos de tentar impor lei islâmica a país laico

Presidente e premiê podem ter seus direitos políticos cassados; julgamento, que deve ir até fim do ano, torna país politicamente instável

VINCENT BOLAND
DO "FINANCIAL TIMES", EM ANCARA

A Turquia enfrentará meses de incerteza política e econômica após a decisão de ontem do mais elevado tribunal do país de levar a julgamento um controverso caso que poderia resultar no fechamento do partido governista e em longas sentenças de cassação para líderes políticos do país.
O partido Justiça e Desenvolvimento (AK), cujas raízes estão no islamismo político, foi acusado por promotores públicos de tentar impor a lei islâmica (sharia) à Turquia, um país laico, em um caso que chocou e dividiu a nação e abalou os mercados financeiros.
O processo também acusa o primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan, o presidente Abdullah Gül e outros dos mais importantes líderes do AK de "atividades antilaicas". A elite laica da Turquia -que inclui o comando das Forças Armadas e do Judiciário e parte da oposição política- há muito vem acusando o partido governista de ter uma "agenda oculta", cujo objetivo seria fazer da Turquia um Estado islâmico, acusação que o partido rejeita.
Embora a decisão do tribunal fosse esperada, analistas alertaram que a ameaça de fechar o AK, que obteve vitória eleitoral esmagadora há oito meses, poderia causar meses de impasse e uma longa disputa judicial, em um momento no qual a Turquia tem de enfrentar decisões críticas sobre a União Européia e a reforma econômica.
"Uma coisa é clara -a incerteza política prevalecerá pelo restante do ano", disse Ozur Altug, economista da Raymond James Securities, em Istambul.
As preocupações econômicas se agravaram ontem quando indicadores mostraram forte desaceleração no crescimento econômico em 2007. O Produto Interno Bruto cresceu 4,5% no ano, ante 6,9% em 2006.
As ações negociadas na bolsa de Istambul caíram ontem quase 3%, enquanto a lira turca continuou em queda diante do euro e do dólar.

Último trimestre
Os 11 juízes da Corte Constitucional votaram por unanimidade em favor de acolher o caso, o que significa que eles acreditam que exista necessidade de que o AK responda às acusações que lhe foram feitas. O partido tem um mês para preparar sua defesa, mas observadores acreditam que um veredicto final não sairia antes do último trimestre de 2008. A Corte Constitucional ordenou o fechamento de 26 partidos políticos nos últimos 50 anos, o que indica que os precedentes são desfavoráveis ao AK.
O motivo imediato do caso foi a suspensão, em fevereiro, de uma proibição ao uso de lenços de cabeça pelas muçulmanas praticantes nas universidades do país. Os oponentes do AK consideram que isso seja um exemplo da atuação do partido, que exploraria sua imensa vantagem em número de legisladores para aprovar leis cujo objetivo é satisfazer exclusivamente a base eleitoral formada por pessoas conservadoras em termos sociais.
Mas os defensores do partido rejeitam a alegação. Eles afirmam que recorrer ao sistema judicial para cercear as ações do AK é injusto e antidemocrático. Suat Kiniklioglu, parlamentar do partido, disse que "esse caso está sendo usado pelas elites como uma última chance de subverter a transformação deste país; é um dia triste para a democracia turca".


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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