São Paulo, quarta-feira, 01 de abril de 2009

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Obama enfrenta queda do poder dos EUA

Em sua primeira viagem ao exterior, presidente insiste em "liderar", mas capacidade é posta em dúvida

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LONDRES

O Barack Hussein Obama que desembarcou ontem à noite em Londres para sua primeira viagem fora da América do Norte são dois: um "superstar" para o jornal conservador francês "Le Figaro" ou o líder de um tempo que marca "o fim do poder americano", para a revista britânica "New Statesman", talvez a última publicação de esquerda que ainda mantém prestígio no planeta.
O Obama superstar está em Londres para participar da cúpula do G20, as maiores economias do planeta, na qual pretende "ouvir mas também liderar", avisou seu chefe de imprensa, Robert Gibbs, antes da partida. Resposta ontem do jornal britânico "The Guardian": eles estão pronto para liderar, mas "o resto do mundo deseja segui-los?".
A dúvida do jornal é respondida por Martin Jacques, que editou "Marxismo Hoje" até que a publicação fechou em 1991 e hoje é pesquisador da London School of Economics, no artigo para a "New Statesman": "A crise global que começou no verão de 2007 (...) sinaliza o declínio do Ocidente e o fim do poder dos EUA como nós o conhecemos desde 1945", o ano em que terminou a Segunda Guerra e os EUA ascenderam a superpotência.
Não se imagine que é um velho marxista saboreando a "crise final do capitalismo". Opinião parecida já foi manifestada por Roger Altman, ex-vice-secretário do Tesouro americano, hoje executivo-chefe de uma firma de investimentos:
"O "crash" financeiro e econômico de 2008 (...) é um grande retrocesso geopolítico para os EUA e para a Europa. A médio prazo, os governos europeus e Washington não terão nem os recursos nem a credibilidade econômica para desempenhar o papel em assuntos globais que, de outra forma, desempenhariam".
O problema para teses como essas é a de que não está à vista nenhum substituto para os EUA, como o admite mesmo Martin Jacques: "O sucessor óbvio é a China, mas a China ainda não está em posição de assumir tal papel", escreve.
Os números são contundentes a esse respeito: a China é o mais pobre dos países do G20, em matéria de renda per capita (US$ 3.577, menos da metade dos US$ 8.169 do Brasil).

Rússia, China, Índia
Em parte por isso, em parte porque sua eleição o transformou realmente em "pop star", todos os candidatos supostos ou reais a substituir ou a competir com os EUA pela liderança querem falar com Obama aproveitando o G20.
A começar por Dmitri Medvedev, o presidente da Rússia que, enquanto foi o principal componente da URSS, realmente disputou a liderança. Em artigo ontem para o jornal "Washington Post", Medvedev diz que "nem a Rússia nem os EUA podem tolerar o afastamento ou a indiferença em nossas relações" e insistiu em que é necessário "pôr fim à crise de confiança" [que marcou o relacionamento nos anos Bush].
Os dois países até já têm um ponto de encontro que interessa a ambos, chamado Afeganistão. Mais: até o Irã, o maior inimigo público dos EUA, aceitou ontem esse ponto de encontro.
É claro que não significa a paz entre o Irã e o "Grande Satã", mas é um passo que responde de alguma forma ao ceticismo do "Guardian" sobre o seguimento que possa ter a liderança de Obama.
O presidente americano também falará hoje com o presidente da China, Hu Jintao, e amanhã com o premiê da Índia, Manmohan Singh - conversará com três dos quatro BRICs, exceção feita ao Brasil, com cujo presidente já se reuniu em Washington, há três semanas.
Os BRICs são as potências mundiais que se consolidarão até 2050, segundo a firma de investimentos que inventou a sigla. Seriam os principais responsáveis pelo que Martin Jacques chama de "virada na balança global de poder econômico dos países ricos para o mundo em desenvolvimento".
Obama, pela palavra de seu porta-voz Gibbs, não se rende: vai ouvi-los, sim, mas quer também liderar. Um exercício que começa hoje e não se sabe como e quando terminará.


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