São Paulo, quarta-feira, 01 de abril de 2009

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Morre Alfonsín, líder da transição argentina

Primeiro presidente pós-ditadura levou comandantes militares a julgamento; aproximação com Brasil marcou governo

Levantes nos quartéis levaram a recuo nas ações judiciais; crise econômica provocou posse antecipada do sucessor, Carlos Menem


THIAGO GUIMARÃES
DE BUENOS AIRES

Raúl Alfonsín, o presidente que conduziu a Argentina de volta à democracia, morreu ontem, aos 82 anos, em Buenos Aires, de câncer no pulmão.
Alfonsín morreu em casa, às 20h30. "Foi em um marco de tranquilidade e acompanhado por sua família, como sempre quis", disse o médico Alberto Sadler. A saúde do ex-presidente piorara no domingo, em razão de uma pneumonia.
Advogado, Alfonsín foi o primeiro presidente eleito na Argentina após a última ditadura militar do país (1976-1983). Seu governo, de 1983 a 1989, foi marcado pelo julgamento dos chefes militares, mas também pelo caos econômico que antecipou sua saída do cargo.
Promoveu, ao lado do ex-presidente José Sarney (1985-1990), avanços históricos na relação Brasil-Argentina, com a declaração da vocação pacífica do programa nuclear dos dois países e acordos que lançaram as sementes do Mercosul.
"Raúl Alfonsín foi, sem dúvida, uma das maiores figuras humanas que conheci, e foi também o homem que abriu, com sua coragem, a integração latino-americana. Tudo que fizemos para inverter o processo histórico de hostilidade entre Brasil e Argentina (...) não teria sido possível sem Alfonsín", afirmou o presidente do Senado brasileiro em nota.
Raúl Ricardo Alfonsín nasceu em 12 de março de 1927 em Chascomus, a 120 km de Buenos Aires. Aos 18 anos, recém-saído do Liceu Militar, começou sua militância na UCR (União Cívica Radical), agremiação centenária da classe média argentina.
Formado advogado, foi deputado estadual de 1958 a 1962 e presidente regional da UCR de 1965 a 1972. Em um país que vivia espasmos de democracia, defendeu presos políticos nos anos 70 e fundou a Assembleia Permanente pelos Direitos Humanos, pioneira na luta contra o autoritarismo e a repressão.
Em 1981, assumiu a condução da UCR. Na esteira da derrota argentina na Guerra das Malvinas, que precipitou a queda do regime militar, venceu as eleições presidenciais de 1983 com 51,7% dos votos, impondo ao peronismo sua primeira derrota em pleito nacional.
Assumiu aos 56 anos. Enfrentou interesses estabelecidos, até que pressões lhe mostraram os limites de seu poder.
Um dos primeiros atos de Alfonsín como presidente foi promover o júri popular dos ex-comandantes da ditadura, que acabou de desvendar as atrocidades do regime, mas lhe custou três levantes militares e um atentado do qual saiu ileso.
A convulsão interna nas Forças Armadas levou Alfonsín a promulgar, em 1985 e 1987, as chamadas leis de Ponto Final e de Obediência Devida, que impediam a abertura de novos processos contra militares. As leis foram revogadas durante o governo do peronista Néstor Kirchner (2003-2007).

Hiperinflação
As "leis do perdão" foram um golpe na credibilidade de Alfonsín, enquanto a economia entrava em crise. Em 1985, seu Plano Austral antecipou o Plano Cruzado brasileiro, com o congelamento de preços.
Mas a volta da hiperinflação e conflitos sociais crescentes levaram-no a transferir o poder seis meses antes do previsto a Carlos Menem (1989-1999), da direita peronista. Foi criticado por ter acordado, em 1993, o Pacto de Olivos, que permitiu a reeleição de Menem. "Seus maiores erros foram fora do governo", afirmou à Folha o historiador e deputado federal pela UCR José Ignacio Hamilton.
Alfonsín apoiou o governo de Fernando de la Rúa (1999-2001), da UCR, que renunciou após a rebelião popular provocada pela crise econômica que acompanhou o fim da paridade entre o peso argentino e o dólar, instituída por Menem. Eleito para o Senado em 2001, renunciou no ano seguinte.
A última aparição pública de Alfonsín foi em outubro de 2008, em cerimônia liderada pela presidente Cristina Kirchner em que se inaugurou seu busto na Casa Rosada. No mesmo mês, não participou de um ato radical pelos 25 anos de democracia. Falou em um vídeo: "A democracia não é só liberdade, mas busca da igualdade".
O governo declarou luto oficial de três dias. "Sua figura está indissociavelmente vinculada à recuperação democrática da Argentina após a ditadura mais trágica que tivemos", disse Cristina Kirchner. "Era um homem muitas vezes com diferenças conosco, mas com muitas convicções, isso é o que é digno de respeito."


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