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Morre Alfonsín, líder da transição argentina
Primeiro presidente pós-ditadura levou comandantes militares a julgamento; aproximação com Brasil marcou governo
Levantes nos quartéis levaram a recuo nas ações judiciais; crise econômica provocou posse antecipada do sucessor, Carlos Menem
THIAGO GUIMARÃES
DE BUENOS AIRES
Raúl Alfonsín, o presidente
que conduziu a Argentina de
volta à democracia, morreu ontem, aos 82 anos, em Buenos
Aires, de câncer no pulmão.
Alfonsín morreu em casa, às
20h30. "Foi em um marco de
tranquilidade e acompanhado
por sua família, como sempre
quis", disse o médico Alberto
Sadler. A saúde do ex-presidente piorara no domingo, em razão de uma pneumonia.
Advogado, Alfonsín foi o primeiro presidente eleito na Argentina após a última ditadura
militar do país (1976-1983). Seu
governo, de 1983 a 1989, foi
marcado pelo julgamento dos
chefes militares, mas também
pelo caos econômico que antecipou sua saída do cargo.
Promoveu, ao lado do ex-presidente José Sarney (1985-1990), avanços históricos na relação Brasil-Argentina, com a
declaração da vocação pacífica
do programa nuclear dos dois
países e acordos que lançaram
as sementes do Mercosul.
"Raúl Alfonsín foi, sem dúvida, uma das maiores figuras humanas que conheci, e foi também o homem que abriu, com
sua coragem, a integração latino-americana. Tudo que fizemos para inverter o processo
histórico de hostilidade entre
Brasil e Argentina (...) não teria
sido possível sem Alfonsín",
afirmou o presidente do Senado brasileiro em nota.
Raúl Ricardo Alfonsín nasceu em 12 de março de 1927 em
Chascomus, a 120 km de Buenos Aires. Aos 18 anos, recém-saído do Liceu Militar, começou sua militância na UCR
(União Cívica Radical), agremiação centenária da classe
média argentina.
Formado advogado, foi deputado estadual de 1958 a 1962 e
presidente regional da UCR de
1965 a 1972. Em um país que vivia espasmos de democracia,
defendeu presos políticos nos
anos 70 e fundou a Assembleia
Permanente pelos Direitos Humanos, pioneira na luta contra
o autoritarismo e a repressão.
Em 1981, assumiu a condução da UCR. Na esteira da derrota argentina na Guerra das
Malvinas, que precipitou a queda do regime militar, venceu as
eleições presidenciais de 1983
com 51,7% dos votos, impondo
ao peronismo sua primeira derrota em pleito nacional.
Assumiu aos 56 anos. Enfrentou interesses estabelecidos, até que pressões lhe mostraram os limites de seu poder.
Um dos primeiros atos de Alfonsín como presidente foi promover o júri popular dos ex-comandantes da ditadura, que
acabou de desvendar as atrocidades do regime, mas lhe custou três levantes militares e um
atentado do qual saiu ileso.
A convulsão interna nas Forças Armadas levou Alfonsín a
promulgar, em 1985 e 1987, as
chamadas leis de Ponto Final e
de Obediência Devida, que impediam a abertura de novos
processos contra militares. As
leis foram revogadas durante o
governo do peronista Néstor
Kirchner (2003-2007).
Hiperinflação
As "leis do perdão" foram um
golpe na credibilidade de Alfonsín, enquanto a economia
entrava em crise. Em 1985, seu
Plano Austral antecipou o Plano Cruzado brasileiro, com o
congelamento de preços.
Mas a volta da hiperinflação
e conflitos sociais crescentes
levaram-no a transferir o poder
seis meses antes do previsto a
Carlos Menem (1989-1999), da
direita peronista. Foi criticado
por ter acordado, em 1993, o
Pacto de Olivos, que permitiu a
reeleição de Menem. "Seus
maiores erros foram fora do governo", afirmou à Folha o historiador e deputado federal pela UCR José Ignacio Hamilton.
Alfonsín apoiou o governo de
Fernando de la Rúa (1999-2001), da UCR, que renunciou
após a rebelião popular provocada pela crise econômica que
acompanhou o fim da paridade
entre o peso argentino e o dólar, instituída por Menem.
Eleito para o Senado em 2001,
renunciou no ano seguinte.
A última aparição pública de
Alfonsín foi em outubro de
2008, em cerimônia liderada
pela presidente Cristina Kirchner em que se inaugurou seu
busto na Casa Rosada. No mesmo mês, não participou de um
ato radical pelos 25 anos de democracia. Falou em um vídeo:
"A democracia não é só liberdade, mas busca da igualdade".
O governo declarou luto oficial de três dias. "Sua figura está indissociavelmente vinculada à recuperação democrática
da Argentina após a ditadura
mais trágica que tivemos", disse Cristina Kirchner. "Era um
homem muitas vezes com diferenças conosco, mas com muitas convicções, isso é o que é
digno de respeito."
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