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ESTADO X RELIGIÃO
Projeto pode mudar também divisão do poder político no país, distribuído entre as religiões majoritárias
Casamento civil vira polêmica no Líbano
PAULO DANIEL FARAH
da Redação
A aprovação do projeto de lei
que estabelece o casamento civil
facultativo no Líbano por mais de
dois terços do conselho de ministros está provocando reações de
indignação no país.
Se entrar em vigor, a lei vai mudar uma tradição, a do casamento
exclusivamente religioso, que até
então ninguém ousou questionar.
Junto com o projeto, o governo
tenta mudar também o sistema de
divisão do poder político no país.
Para se casar com muçulmanas,
os cristãos devem se converter ao
islamismo. Quando isso acontece,
são quase sempre rejeitados pela
família e deserdados.
Por outro lado, os muçulmanos
podem se casar com cristãs sem a
necessidade de conversão ao cristianismo. Nesse caso, as mulheres
podem manter sua religião. Mesmo assim, a educação religiosa
dos filhos normalmente provoca
atrito entre o casal e os familiares.
A sociedade libanesa está dividida em dois grupos antagônicos.
Mostraram-se receptivos ao projeto os presidentes da República e
do Parlamento, muitos ministros,
partidos laicos, organizações sindicais, intelectuais e grupos universitários. Há milhares de jovens
que estiveram exilados na Europa
durante a guerra civil e que são
pressionados pelos pais para se casar com pessoas do mesmo credo.
Os partidos Socialista Progressista, Comunista e Sírio Nacional
Social declararam que "o projeto é
uma corajosa decisão nacional,
consolida a coesão dos cidadãos e
constitui uma fonte de enriquecimento cultural."
Os oposicionistas, chefiados pelo premiê Rafik Hariri, líderes
muçulmanos e cristãos, alguns
ministros, deputados e líderes políticos condenaram o projeto.
O Líbano reconhece 18 comunidades religiosas. Além dos que desejam se casar com pessoas de outras religiões, membros de outros
grupos religiosos que vivem no
país serão beneficiados.
Crise política
Para apoiar o casamento civil, o
presidente do Parlamento, Nabih
Berri, impôs ao presidente Elias
Hrawi a vinculação do projeto à
abolição do confessionalismo político (repartição dos três principais cargos políticos entre membros das religiões majoritárias).
O acordo de Taifa, firmado em
1989, no final da guerra civil, lançou as bases para o governo multiconfessional no Líbano, no qual o
presidente cedeu poderes para o
primeiro-ministro. O acordo prevê que o presidente deve ser um
cristão maronita, o primeiro-ministro, um muçulmano sunita e o
presidente do Parlamento, um
muçulmano xiita.
O presidente da República designou Berri para a chefia de uma
comissão nacional para abolir o
confessionalismo político.
A tensão que caracteriza as relações entre os três pólos do poder,
ou pelo menos entre dois deles, o
presidente da República e o primeiro-ministro, aumentou consideravelmente.
Muitos questionam o verdadeiro objetivo político do projeto. Às
vésperas das eleições, daqui a sete
meses, o presidente é acusado de
querer prorrogar seu mandato e
de arquitetar uma jogada política
para enfraquecer a influência de
Hariri, contrário ao projeto, e forçá-lo a renunciar.
Reações
Milhares de muçulmanos viajaram do norte do Líbano para a capital, Beirute, para protestar contra a proposta do presidente.
O xeque Mohammad Rachid
Qabbani, mufti da República e
chefe espiritual da comunidade
sunita, disse que todo muçulmano
que se casar no civil estará cometendo apostasia (mudança de religião, proibida no islamismo).
"O casamento civil e o laicismo
são dois micróbios que estão tentando semear no Líbano para que
contaminem, em seguida, o mundo árabe. Nós somos os protetores
da religião e dos árabes em geral."
O patriarca maronita, cardeal
Nasrallah Sfeir, afirmou no sermão de domingo que o casamento
civil contraria os ensinamentos da
igreja e que aqueles que optarem
por ele estarão negando os sacramentos. Em relação à abolição do
confessionalismo político, afirmou que "é preciso removê-lo de
nossos corações antes de sua abolição definitiva."
Muitos muçulmanos vêem o
projeto como um primeiro passo
para a eliminação dos tribunais
religiosos. Os xeques Qabbani e
Chamsdin publicaram um comunicado conjunto condenando o
projeto de lei. Entretanto, pediram aos muçulmanos que evitem
manifestações de rua, que poderiam gerar conflitos mais sérios.
Os discursos nas mesquitas adquiriram um tom de revolta. Os
xeques consideram o projeto uma
tentativa de dissolver as comunidades religiosas e de formar uma
sociedade laica. Alguns xeques pedem a destituição do presidente.
O Hizbollah (Partido de Deus)
condenou o projeto e disse que
sua implementação é contra os interesses religiosos. O grupo extremista islâmico, apoiado pelo Irã,
combate tropas israelenses que
ocupam o sul do Líbano.
A discussão representa um fator
de desestabilização interna num
momento em que políticos procuram resolver a questão do sul do
país.
"A religião pertence a Deus, e a
pátria aos cidadãos. Queremos
uma pátria onde a liberdade de
crença seja absoluta. Estamos determinados a destruir o sectarismo em nossos corações e nos documentos ", disse o presidente.
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