São Paulo, sábado, 01 de maio de 2004

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A EUROPA DOS 25

Adesão pode criar "cidadãos de 2ª classe"

Medo de imigração maciça do leste para o oeste leva antigos membros da UE a impor restrições a oriundos dos ex-comunistas

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA, EM BRUXELAS

Por mais que o princípio da livre circulação de bens, serviços e pessoas esteja no coração da integração européia, os cidadãos de oito dos dez novos sócios da União Européia serão, pelo menos provisoriamente, "quase cidadãos de segunda classe", na definição de Sérgio Carrera, pesquisador do Ceps (Centro para o Estudo de Políticas Européias, de Bruxelas).
Motivo: com medo de que haja uma migração maciça para os 15 países "antigos" da UE, quase todos impuseram restrições à entrada de cidadãos dos países ex-comunistas, abrindo caminho apenas para cipriotas e malteses.
A restrição poderá durar até sete anos. "Certamente essa medida terá um impacto negativo no nível de confiança na UE ampliada, como mostra a tentativa da Hungria de aplicar reciprocamente esse instrumento aos trabalhadores da atual UE", diz Carrera.
O paradoxal é que nem as pesquisas nem os estudiosos prevêem uma migração em massa. Sylvie Strudel, do Centro Francês da Universidade de Berlim, lembra que, na ampliação anterior, "o número de espanhóis na França caiu de cerca de 180 mil, em 1980, para perto de 117 mil em 1986", ano em que a Espanha entrou na então Comunidade Européia.
Pesquisa do Ministério do Trabalho húngaro mostra que apenas 1% da força de trabalho (42 mil pessoas em um total de 4,2 milhões) planeja emigrar.
Na verdade, os pesquisadores apontam que quem corre mais risco de perder são os novos sócios, não os velhos. Dorota Dakowska, do centro franco-alemão Marc Bloch, por exemplo, diz que "pode haver o risco de uma forte hemorragia de cérebros nos novos países-membros". Motivo: "Países como a Alemanha e os Estados nórdicos necessitam mão de obra qualificada em certas áreas como tecnologia da informação e saúde. Eles podem -e já o estão fazendo- encorajar especialistas em computação e médicos a mudar-se para lá", diz ela.
Estatísticas, o passado e opiniões especializadas acabam não contando. A prevenção contra o trabalhador estrangeiro permanece e levou à imposição de restrições, como diz Christopher Hill, do European Institute, da London School of Economics.
"Na Europa Oriental, as pessoas devem sentir-se mais seguras e ter mais vagas de trabalho com a ampliação da UE. Mas a opinião pública na Europa Ocidental se sentirá mais incomodada, temerosa pelos empregos e pela drenagem de recursos públicos por intermédio de demandas adicionais de bem-estar social", diz Hill.
Mas o pesquisador da LSE não acredita que a ampliação e um fluxo mesmo limitado de migrantes do leste possam provocar um aumento no já forte nível de xenofobia na Europa Ocidental. Se isso se confirmar, quem vai pagar a conta são, entre outros, os brasileiros que quiserem morar na UE.
"A xenofobia é mais comum em relação aos imigrantes do Terceiro Mundo e do Oriente Médio, por causa de preconceito de cor e religião", afirma. Concorda Dakowska: "Reações xenófobas na UE não podem ser excluídas, mas parece que, usualmente, têm um componente racial; os recém-chegados do leste até agora integraram-se bastante bem".
Com ou sem xenofobia, com ou sem migração em massa, a ampliação da UE trará fenômenos sociais novos. Sylvie Strudel, por exemplo, lembra que tende a aumentar o fenômeno de "trabalhadores transfronteiriços" ou seja, gente que mora num país, mas trabalha no outro. Há até no futebol um caso do gênero, na "velha" Europa: o jogador sul-africano McCarty mora em Vigo (na Galícia espanhola), mas joga no Porto (norte de Portugal).


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