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A EUROPA DOS 25
Adesão pode criar "cidadãos de 2ª classe"
Medo de imigração maciça do leste para o oeste leva antigos membros da UE a impor restrições a oriundos dos ex-comunistas
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA, EM BRUXELAS
Por mais que o princípio da livre
circulação de bens, serviços e pessoas esteja no coração da integração européia, os cidadãos de oito
dos dez novos sócios da União
Européia serão, pelo menos provisoriamente, "quase cidadãos de
segunda classe", na definição de
Sérgio Carrera, pesquisador do
Ceps (Centro para o Estudo de
Políticas Européias, de Bruxelas).
Motivo: com medo de que haja
uma migração maciça para os 15
países "antigos" da UE, quase todos impuseram restrições à entrada de cidadãos dos países ex-comunistas, abrindo caminho apenas para cipriotas e malteses.
A restrição poderá durar até sete anos. "Certamente essa medida
terá um impacto negativo no nível de confiança na UE ampliada,
como mostra a tentativa da Hungria de aplicar reciprocamente esse instrumento aos trabalhadores
da atual UE", diz Carrera.
O paradoxal é que nem as pesquisas nem os estudiosos prevêem uma migração em massa.
Sylvie Strudel, do Centro Francês
da Universidade de Berlim, lembra que, na ampliação anterior, "o
número de espanhóis na França
caiu de cerca de 180 mil, em 1980,
para perto de 117 mil em 1986",
ano em que a Espanha entrou na
então Comunidade Européia.
Pesquisa do Ministério do Trabalho húngaro mostra que apenas
1% da força de trabalho (42 mil
pessoas em um total de 4,2 milhões) planeja emigrar.
Na verdade, os pesquisadores
apontam que quem corre mais
risco de perder são os novos sócios, não os velhos. Dorota Dakowska, do centro franco-alemão
Marc Bloch, por exemplo, diz que
"pode haver o risco de uma forte
hemorragia de cérebros nos novos países-membros". Motivo:
"Países como a Alemanha e os Estados nórdicos necessitam mão
de obra qualificada em certas
áreas como tecnologia da informação e saúde. Eles podem -e já
o estão fazendo- encorajar especialistas em computação e médicos a mudar-se para lá", diz ela.
Estatísticas, o passado e opiniões especializadas acabam não
contando. A prevenção contra o
trabalhador estrangeiro permanece e levou à imposição de restrições, como diz Christopher Hill,
do European Institute, da London
School of Economics.
"Na Europa Oriental, as pessoas
devem sentir-se mais seguras e ter
mais vagas de trabalho com a ampliação da UE. Mas a opinião pública na Europa Ocidental se sentirá mais incomodada, temerosa
pelos empregos e pela drenagem
de recursos públicos por intermédio de demandas adicionais de
bem-estar social", diz Hill.
Mas o pesquisador da LSE não
acredita que a ampliação e um fluxo mesmo limitado de migrantes
do leste possam provocar um aumento no já forte nível de xenofobia na Europa Ocidental. Se isso
se confirmar, quem vai pagar a
conta são, entre outros, os brasileiros que quiserem morar na UE.
"A xenofobia é mais comum em
relação aos imigrantes do Terceiro Mundo e do Oriente Médio,
por causa de preconceito de cor e
religião", afirma. Concorda Dakowska: "Reações xenófobas na
UE não podem ser excluídas, mas
parece que, usualmente, têm um
componente racial; os recém-chegados do leste até agora integraram-se bastante bem".
Com ou sem xenofobia, com ou
sem migração em massa, a ampliação da UE trará fenômenos
sociais novos. Sylvie Strudel, por
exemplo, lembra que tende a aumentar o fenômeno de "trabalhadores transfronteiriços" ou seja,
gente que mora num país, mas
trabalha no outro. Há até no futebol um caso do gênero, na "velha"
Europa: o jogador sul-africano
McCarty mora em Vigo (na Galícia espanhola), mas joga no Porto
(norte de Portugal).
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