São Paulo, domingo, 01 de maio de 2005

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MEMÓRIA

Saigon foi tomada por tropas do Vietnã do Norte e pela guerrilha do vietcong; EUA retiraram em pânico seus aliados locais

Acabava há 30 anos a guerra no Vietnã

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

30 de abril de 1975. Pela manhã, após dois dias de pânico e caótica confusão, o último helicóptero americano decolou da embaixada dos Estados Unidos, em Saigon, com os marines encarregados da segurança do prédio. Minutos depois, ouvia-se o ronco dos blindados T-54 do Vietnã do Norte que se aproximavam do quarteirão.
Foi tudo surpreendentemente rápido. Em 7 de abril uma divisão norte-vietnamita, auxiliada por guerrilheiros do vietcong, atacou Xuan-Loc, bastião localizado a 60 quilômetros da capital. A 18º divisão de infantaria do Sul rendeu-se no dia 21. Resistiu duas semanas.
No dia 25, o presidente Nguyen Van Thieu deixava o país e se refugiava em Taiwan. O embaixador americano, Graham Martin, recebia de Washington resposta negativa ao pedido de US$ 700 milhões para financiar a resistência do governo local. Os marines haviam se retirado em 1973.
No dia 30 o coronel norte-vietnamita Bui Tin invadiu com seus homens o palácio presidencial. O general Duong Van Minh, presidente interino, disse ao coronel que o esperava para a "transferência do poder". Ao que Bui Tin respondeu: "O sr. não pode transferir o que não mais possui".
Chegava ao fim a segunda Guerra do Vietnã. No ano seguinte, o país se reunificaria sob regime comunista, projeto pelo qual a guerrilha combatia desde 1945, quando se recusou a reintegrar o império colonial francês.
Os franceses foram derrotados em 1954 na batalha Diem Bien Phu. Os americanos os substituíram. Chegaram a manter 520 mil homens. Ao longo dos anos, 2.6 milhões de americanos combateram. Entre eles, 57.939 morreram ou estão desaparecidos.
Foram mortos meio milhão de civis e 940 mil militares dos dois lados. A guerra também quebrou antigos tabus. Pela primeira vez a população americana se recusou a interpretá-la como uma luta do bem contra o mal. As baixas civis alimentaram o movimento de oposição à guerra -nas universidades, nas igrejas-, o que minou o moral dos combatentes.
A guerra também comprovou não bastar uma esmagadora superioridade bélica e tecnológica. Os EUA enviaram 2.900 aviões, 2.560 helicópteros e 850 blindados. Despejaram 6,3 milhões de toneladas de bombas e 372 toneladas de napalm.


A Guerra do Vietnã quebrou antigos tabus. Pela primeira vez a população americana se recusou a enxergá-la como uma luta do bem contra o mal

Mesmo assim, a guerrilha levou a melhor. Relatórios da época assustavam-se com seu grau de motivação. Não tanto pelo marxismo. Mas porque, depois do colonialismo francês, uma ingerência estrangeira mobilizara por valores patrióticos uma população simples e basicamente rural.
A Guerra da Coréia (1950-1953) também envolvia comunistas e pró-ocidentais. Mas acabou empatada. Os 36 mil mortos americanos foram úteis para congelar a divisão entre Norte e Sul.
Os EUA criaram para a Guerra Fria a "teoria do dominó": a queda de uma pedra em favor dos comunistas provocaria por efeito em cascata a queda das seguintes.
A China e a União Soviética pensavam do mesmo jeito. Remeteram auxílio material aos comunistas do Vietnã. Mas não enviaram soldados, o que desencadearia uma nova Guerra Mundial.
Para os americanos, conter por lá o comunismo significava manter o Sudeste Asiático na esfera ocidental. Era a única motivação. A península da Indochina não tem petróleo. Era e ainda é bem pobre. Produz basicamente arroz.
Depois da derrota militar da França, os Estados Unidos trabalharam no Vietnã em duas frentes. Primeiro, para fortalecer o Vietnã do Sul. Em seguida, para evitar o cumprimento dos Acordos de Genebra, assinados em 1956 pelos franceses, e que previam eleições de reunificação.
O então presidente americano, Dwight Eisenhower, diz em suas memórias que o Norte, já comunista, não permitiria eleições livres. Mas qualquer eleição seria vencida pelo comunista Ho Chi Minh, espécie de herói nacional em razão de seu papel na guerra contra a França.
Criou-se, então, um círculo vicioso. Para evitar as eleições era preciso uma ditadura, providenciada pelo primeiro-ministro do Sul, Ngo Dinh Diem. Em resposta a ela, a guerrilha -o vietcong- se estruturou e cresceu. Ela chegou a reunir 80 mil combatentes.
Segundo os americanos, entre 1964 e 1973 o vietcong cometeu 48.551 atentados contra civis. O número pode ser verdadeiro. Mas com o Vietnã a mídia americana pela primeira vez colocava em dúvida as estatísticas do Pentágono.
Nenhum legista saberia distinguir um vietcong de um civil desarmado. As três redes de TV da época -CBS, ABC e NBC- desconfiavam de boletins oficiais e reforçavam a impressão de que se lutava numa "wrong war" (uma guerra equivocada).
A guerra em si poderia ser representada por uma curva ascendente da participação direta dos Estados Unidos, entre 1964 e 1969, e em seguida seu desengajamento paulatino até 1973, quando as partes envolvidas assinaram um acordo em Paris, o que, na prática, permitiu que os vietnamitas guerreassem sem a interferência de Washington e, em pouco mais de dois anos, desse no que deu.
Julho de 1964 é uma data importante. O USS Maddox, da marinha americana, foi alvejado pelos norte-vietnamitas quando navegava "em águas internacionais" na altura do Golfo de Tonquim. O presidente Lyndon Johnson tinha por fim um pretexto para entrar numa guerra em que já mantinha 21 mil conselheiros militares.
O "New York Times" revelaria em 1971 que o incidente foi forjado. A embarcação estava de propósito em águas territoriais do país comunista, que reagiu à invasão. O fato é que em 1965 desembarcavam no Vietnã do Sul os primeiros 2.500 marines.
A guerra se internacionalizou já de início. Os americanos decolavam da Tailândia para bombardear a tortuosa trilha Ho Chi Minh, pela qual o vietcong transportava armas e munições nas florestas do Laos e do Camboja.
A Austrália enviou contingente. O Pentágono se referia a seus próprios homens como "forças aliadas", para recuperar a expressão mobilizadora dos tempos de combate à Alemanha de Hitler.
O comandante americano, general William Westmoreland, disse em novembro de 1965 que os comunistas estavam perdendo. Dois meses, com a ofensiva do Tet (ano lunar), os EUA e seus aliados do sul sofreram pesadas derrotas.
Também não surtiu efeito bombardear maciçamente o Vietnã do Norte para desmobilizá-lo e inviabilizá-lo economicamente.
No Vietnã do Sul, monges budistas imolavam-se periodicamente em fogueiras. Norman Morrison, 32, fez o mesmo diante do Pentágono em novembro de 1965. Esses atos isolados inspiravam profunda simpatia dentro dos EUA, sobretudo entre as igrejas evangélicas, inconformadas com o noticiário sobre as vítimas civis dos americanos. Em outubro de 1969 centenas de milhares participariam de protestos.
A guerra interferiu na campanha presidencial de 1968. O republicano Richard Nixon derrotou o democrata Hubert Humphrey, aliado do presidente Johnson. Adotou-se a "Doutrina Nixon": fortalecer o Exército sul-vietnamita para que ele enfrentasse sozinho o inimigo.
Nixon tinha como secretário de Estado o hábil Henry Kissinger. Que negociou os acordos de Paris e permitiu que as forças americanas se retirassem. A queda de Saigon, em 1975, pareceu à primeira vista uma derrota militar do Vietnã do Sul. Mas a historiografia foi cruel com os americanos. Eles haviam perdido sua histórica invencibilidade bélica.


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