São Paulo, domingo, 01 de maio de 2005 |
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MEMÓRIA Saigon foi tomada por tropas do Vietnã do Norte e pela guerrilha do vietcong; EUA retiraram em pânico seus aliados locais Acabava há 30 anos a guerra no Vietnã
JOÃO BATISTA NATALI
Mesmo assim, a guerrilha levou a melhor. Relatórios da época assustavam-se com seu grau de motivação. Não tanto pelo marxismo. Mas porque, depois do colonialismo francês, uma ingerência estrangeira mobilizara por valores patrióticos uma população simples e basicamente rural. A Guerra da Coréia (1950-1953) também envolvia comunistas e pró-ocidentais. Mas acabou empatada. Os 36 mil mortos americanos foram úteis para congelar a divisão entre Norte e Sul. Os EUA criaram para a Guerra Fria a "teoria do dominó": a queda de uma pedra em favor dos comunistas provocaria por efeito em cascata a queda das seguintes. A China e a União Soviética pensavam do mesmo jeito. Remeteram auxílio material aos comunistas do Vietnã. Mas não enviaram soldados, o que desencadearia uma nova Guerra Mundial. Para os americanos, conter por lá o comunismo significava manter o Sudeste Asiático na esfera ocidental. Era a única motivação. A península da Indochina não tem petróleo. Era e ainda é bem pobre. Produz basicamente arroz. Depois da derrota militar da França, os Estados Unidos trabalharam no Vietnã em duas frentes. Primeiro, para fortalecer o Vietnã do Sul. Em seguida, para evitar o cumprimento dos Acordos de Genebra, assinados em 1956 pelos franceses, e que previam eleições de reunificação. O então presidente americano, Dwight Eisenhower, diz em suas memórias que o Norte, já comunista, não permitiria eleições livres. Mas qualquer eleição seria vencida pelo comunista Ho Chi Minh, espécie de herói nacional em razão de seu papel na guerra contra a França. Criou-se, então, um círculo vicioso. Para evitar as eleições era preciso uma ditadura, providenciada pelo primeiro-ministro do Sul, Ngo Dinh Diem. Em resposta a ela, a guerrilha -o vietcong- se estruturou e cresceu. Ela chegou a reunir 80 mil combatentes. Segundo os americanos, entre 1964 e 1973 o vietcong cometeu 48.551 atentados contra civis. O número pode ser verdadeiro. Mas com o Vietnã a mídia americana pela primeira vez colocava em dúvida as estatísticas do Pentágono. Nenhum legista saberia distinguir um vietcong de um civil desarmado. As três redes de TV da época -CBS, ABC e NBC- desconfiavam de boletins oficiais e reforçavam a impressão de que se lutava numa "wrong war" (uma guerra equivocada). A guerra em si poderia ser representada por uma curva ascendente da participação direta dos Estados Unidos, entre 1964 e 1969, e em seguida seu desengajamento paulatino até 1973, quando as partes envolvidas assinaram um acordo em Paris, o que, na prática, permitiu que os vietnamitas guerreassem sem a interferência de Washington e, em pouco mais de dois anos, desse no que deu. Julho de 1964 é uma data importante. O USS Maddox, da marinha americana, foi alvejado pelos norte-vietnamitas quando navegava "em águas internacionais" na altura do Golfo de Tonquim. O presidente Lyndon Johnson tinha por fim um pretexto para entrar numa guerra em que já mantinha 21 mil conselheiros militares. O "New York Times" revelaria em 1971 que o incidente foi forjado. A embarcação estava de propósito em águas territoriais do país comunista, que reagiu à invasão. O fato é que em 1965 desembarcavam no Vietnã do Sul os primeiros 2.500 marines. A guerra se internacionalizou já de início. Os americanos decolavam da Tailândia para bombardear a tortuosa trilha Ho Chi Minh, pela qual o vietcong transportava armas e munições nas florestas do Laos e do Camboja. A Austrália enviou contingente. O Pentágono se referia a seus próprios homens como "forças aliadas", para recuperar a expressão mobilizadora dos tempos de combate à Alemanha de Hitler. O comandante americano, general William Westmoreland, disse em novembro de 1965 que os comunistas estavam perdendo. Dois meses, com a ofensiva do Tet (ano lunar), os EUA e seus aliados do sul sofreram pesadas derrotas. Também não surtiu efeito bombardear maciçamente o Vietnã do Norte para desmobilizá-lo e inviabilizá-lo economicamente. No Vietnã do Sul, monges budistas imolavam-se periodicamente em fogueiras. Norman Morrison, 32, fez o mesmo diante do Pentágono em novembro de 1965. Esses atos isolados inspiravam profunda simpatia dentro dos EUA, sobretudo entre as igrejas evangélicas, inconformadas com o noticiário sobre as vítimas civis dos americanos. Em outubro de 1969 centenas de milhares participariam de protestos. A guerra interferiu na campanha presidencial de 1968. O republicano Richard Nixon derrotou o democrata Hubert Humphrey, aliado do presidente Johnson. Adotou-se a "Doutrina Nixon": fortalecer o Exército sul-vietnamita para que ele enfrentasse sozinho o inimigo. Nixon tinha como secretário de Estado o hábil Henry Kissinger. Que negociou os acordos de Paris e permitiu que as forças americanas se retirassem. A queda de Saigon, em 1975, pareceu à primeira vista uma derrota militar do Vietnã do Sul. Mas a historiografia foi cruel com os americanos. Eles haviam perdido sua histórica invencibilidade bélica. Texto Anterior: China: Jornalista é condenado a 10 anos de prisão Próximo Texto: Memória: "Último marine" foi salvo por um temporal Índice |
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