São Paulo, terça-feira, 01 de junho de 2004

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MISSÃO NO CARIBE

General Heleno, comandante da força de paz, chega ao país e diz que o objetivo é "ajudar o Haiti a decolar"

Brasil passa hoje a liderar missão no Haiti

RICARDO BONALUME NETO
ENVIADO ESPECIAL AO HAITI

O Brasil assume hoje o comando da força de paz da ONU no Haiti, a primeira vez em que o país não só tem a chefia de uma missão do gênero, como também, ao mesmo tempo, contribui com a maioria das tropas.
O Brasil contribuiu com todas as missões de paz recentes, mas sua participação foi mais efetiva quando se tratou de ex-colônias portuguesas, como Angola.
Agora, porém, a operação no Haiti é vista como estratégica para as pretensões brasileiras na ONU, já que o país quer ser membro permanente do Conselho de Segurança. Mas a missão é controversa -militantes de esquerda consideram-na uma intervenção. Acusação semelhante cercou a participação do Brasil na missão de paz na República Dominicana em 1965 e 1966, vista como uma intervenção americana.
Aparentemente alheio a esse debate, o general-de-divisão Augusto Heleno Ribeiro Pereira, que será o comandante da força internacional, chegou ontem à capital, Porto Príncipe, e declarou que espera contar com a empatia da tropa brasileira em meio à população local para facilitar a missão.
"Estamos aqui para ajudar o Haiti a decolar e para acreditar na sua pujança, na sua reconstrução", disse ele a jornalistas em francês -uma das duas línguas oficiais do país (a outra é o creole, originária de escravos africanos e influenciada pelo francês).
Hoje deve chegar ao Haiti o primeiro grande escalão da tropa brasileira, com 150 homens, o segundo desde a chegada de um destacamento precursor no sábado passado. Estes cerca de 200 brasileiros serão a vanguarda de uma força total de 1.200 homens. O resto da tropa deve chegar apenas na metade de junho.
"A verdadeira troca de poder vai acontecer ao longo do mês, por volta do dia 20", disse o general. Hoje o Haiti tem sua segurança nas mãos de uma força interina multinacional de 3.500 soldados, dos quais quase 2.000 são dos EUA e o restante é da França, do Canadá e do Chile.
A ONU autorizou 6.700 militares e 1.622 policiais, mas não há confirmação da participação nem de metade desse número.
O Chile está aumentando seu envolvimento para perto de 600 homens, que estão chegando ao longo do mês. Uma unidade argentina de 500 homens deve chegar apenas no final de junho ou começo de julho, junto com militares do Uruguai. Também está prevista a permanência de uma companhia (unidade de cerca de 200 homens) canadense e outra paraguaia, que se integrará diretamente à Brigada Haiti (brasileira).
"Também é possível a presença de um batalhão nepalês e tropas da Bolívia e do Peru. Estamos em fase de reunir meios", afirmou o general Heleno.
Essas forças de poucos milhares de homens precisam cuidar de um país de 7 milhões de habitantes com uma capital com centenas de milhares de pessoas.
As patrulhas de soldados são mais visíveis na área central da capital. É o caso dos marines americanos, de rostos avermelhados pelo calor de mais de 30C e suando copiosamente em seus uniformes com coletes à prova de bala.
Esta é a quarta vez em um século que os marines desembarcam no Haiti por conta de distúrbios políticos. A penúltima foi nos anos 90 para recolocar no cargo o presidente Jean-Bertrand Aristide, deposto por militares; desta vez foi para manter a ordem depois que Aristide foi deposto por rebeldes e exilou-se -o ex-presidente acusa os EUA e a França de terem forçado sua renúncia.
Não existe ainda um comandante-adjunto da força de paz. O terceiro na hierarquia é o coronel canadense Barry MaCleod, de cuja unidade vieram os canadenses hoje na força multilateral.
Indagado por jornalistas haitianos se as forças da ONU recolheriam armas ilegais, Heleno respondeu que sim, pois está na resolução da ONU. Ele enfatizou, porém, que uma missão de paz não é somente militar -há os lados humanitário e econômico, este último "prioritário". A ONU aprendeu com seus erros, disse ele. Um deles foi a pouca duração das missões; outro foi não ter sempre respeitado valores locais.
O general lembrou aos jornalistas que tinha acabado de chegar e usou a linguagem do futebol para explicar sua situação: "Estou chegando para jogar, não sei ainda se com chuteira com trava alta ou trava baixa, ou, como dizia o Garrincha, se o adversário foi informado da nossa tática".


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