São Paulo, sexta-feira, 01 de junho de 2007

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Nigéria processa Pfizer por teste fatal de remédio

Experimento teria matado ao menos 11 crianças; farmacêutica nega ter errado

Caso de 1996 inspirou o livro "O Jardineiro Fiel", de John Le Carré; processo é o primeiro no continente contra grande farmacêutica

ANDREW GUMBEL
DO "INDEPENDENT", EM LOS ANGELES

Foi aberto na Nigéria um processo criminal contra a gigante farmacêutica americana Pfizer, por um teste clínico que a empresa fez há dez anos com crianças durante uma epidemia de meningite. Os pacientes se tornaram cobaias involuntárias de um antibiótico novo, que ainda não tinha sido testado, e muitos deles morreram ou sofreram danos permanentes.
A Pfizer e seus representantes serão responsabilizados num julgamento que começará em junho na Nigéria, onde a população local não confia mais no governo para imunizar seus filhos contra a poliomielite.
O episódio, que já motivou uma ação judicial em tribunais americanos, sem sucesso, inspirou o romance "O Jardineiro Fiel", de John Le Carré. As autoridades nigerianas dizem que, em 1996, pesquisadores da Pfizer selecionaram 200 crianças e bebês vítimas da epidemia no Estado de Kano e deram a cerca de metade delas um antibiótico não testado chamado Trovan. A ação judicial alega que os pesquisadores não pediram o consentimento das famílias, apesar de saberem que o Trovan poderia ter efeitos colaterais e pôr a vida dos pacientes em risco.
A ação afirma, também, que os pesquisadores deram à outra metade dos pacientes uma droga de comparação produzida pela Hoffman-La Roche, concorrente da Pfizer, mas propositalmente deram doses abaixo das necessárias para fazer seu próprio produto ter resultados melhores. Concluído o teste, a Pfizer deixou a região e "apagou quaisquer evidências" dele. Um relatório do governo nigeriano constatou anteriormente que a Pfizer em nenhum momento informou às crianças ou a seus pais que eles estavam participando de um teste, nem os informou da existência de tratamentos alternativos.
Esse relatório constatou que, das 11 crianças que morreram, cinco tinham tomado Trovan e seis tomaram doses baixas do medicamento de comparação, Ceftriaxone. Um número desconhecido de crianças desenvolveu surdez, cegueira, paralisia e outros tipos de invalidez. As autoridades de Kano acusaram a Pfizer por oito instâncias de conspiração criminosa e por voluntariamente causar danos graves. Elas também abriram uma ação cível pedindo mais de US$ 2,7 bilhões em indenização por danos. A Pfizer reagiu insistindo que não cometeu erro nenhum (leia texto da empresa nesta página).
Em 1997, quando a Pfizer enfrentou uma auditoria do governo americano, a empresa exibiu uma carta de um hospital de Kano dizendo que seu estudo tinha sido aprovado pelo comitê de ética do hospital. Os acusadores da empresa alegam que a carta foi forjada. A decisão da Nigéria é o primeiro caso conhecido de um país do Terceiro Mundo a processar uma multinacional farmacêutica. O Trovan nunca chegou a ser aprovado para uso em crianças nos EUA. Em 1997 seu uso foi autorizado em adultos, mas foi restringido mais tarde. A substância é proibida na Europa.


Tradução de CLARA ALLAIN


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