São Paulo, domingo, 01 de junho de 2008

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SUCESSÃO NOS EUA/ MITOLOGIA POLÍTICA

Ecos de 1968 assombram democratas

Passados 40 anos, analogia entre os dois momentos políticos dos EUA sugere cautela ao partido da oposição na corrida à Casa Branca

Menção de Hillary à morte de Robert Kennedy, que completa quatro décadas na sexta, reaviva discussão sobre período turbulento


Dick Strobel - 5.jun.68/Associated Press
Bob Kennedy discursa minutos antes de levar um tiro; morte completa 40 anos e alimenta temores sobre segurança de Obama

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Quando Hillary Clinton evocou o assassinato de Robert Kennedy no mês de junho de 1968 como um dos motivos para permanecer mais tempo na disputa pela candidatura democrata à sucessão do presidente George W. Bush, provocou reações apaixonadas. Elas vieram principalmente pelo gosto duvidoso do exemplo e pelas implicações latentes.
Afinal, seu oponente, Barack Obama, sofreu diversas ameaças de morte e por muito tempo foi o único pré-candidato a andar sob proteção do Serviço Secreto norte-americano -na condição de ex-primeira-dama, Hillary já tinha a sua, e o senador republicano John McCain só aceitou a guarda ao virar o virtual escolhido do partido.
A senadora traçou um paralelo que muitos preferem apagar. De certa forma, a nuvem de 1968 -o ano mítico do assassinato do então pré-candidato democrata, que completa quatro décadas nesta sexta- insiste em encobrir 2008. Agora, como então, o país está numa guerra impopular, o presidente bate recordes de desaprovação, e os democratas correm o risco de chegarem à convenção partidária, em agosto, irremediavelmente divididos.
Se o desfecho for o mesmo, as feridas não se fecharão a tempo, e McCain virará o próximo presidente dos EUA em novembro, como Richard Nixon virou em 1968. Para alguns analistas, no entanto, essa é a grande chance de os democratas encerrarem de uma forma diferente um ciclo que foi iniciado naquele ano. "De certa maneira, isso já está acontecendo", disse à Folha Charles Kaiser.
Para o autor de "1968 in America - Music, Politics, Chaos, Counterculture, and the Shaping of a Generation" (1968 nos EUA - música, política, caos, contracultura e a formação de uma geração, ed. Grove, 1988), um dos principais livros sobre as implicações políticas daquela época, "a prova é termos um negro e uma mulher com chances reais de chegar à Presidência".
Ele vê nisso o fruto direto tanto do movimento feminista quanto da luta pelos direitos civis, que chegaram à maioridade em 1968, no segundo caso devido ao assassinato do líder Martin Luther King, em 4 de abril. Pode ser, mas é fato que, mesmo após o assassinato de Robert Kennedy e a comoção causada no partido, os democratas não se uniram em torno de um nome, foram divididos à convenção e assim continuaram depois da escolha do então vice-presidente Hubert Humphrey como candidato.
Agora, segundo pesquisa nacional mais recente do jornal "Washington Post" e da emissora ABC, cerca de 25% dos eleitores de Hillary dizem que votarão em McCain ou não votarão em ninguém se sua candidata não for a escolhida pelo partido. Esse contingente de 4 milhões de pessoas (se a porcentagem for aplicada aos votos populares conseguidos pela senadora nas prévias) pode definir o vencedor em novembro.
Por conta disso, já há quem preveja conflitos na porta da convenção, em Denver, no final de agosto. Aí, a referência histórica assusta: em 1968, 25 mil policiais foram chamados para acabar com a Revolta de Chicago, que mobilizou milhares e levou oito militantes a julgamento. "É por isso que eu temo muito pela nostalgia dos anos 60", disse Edward Morgan, especialista em protestos políticos da década de 60 da Universidade Lehigh, na Pensilvânia.

Vietnã e Iraque
Outro tema a unir os dois anos, a guerra, foi reavivado pela escolha do veterano e ex-prisioneiro McCain como candidato da situação. Embora tenha perdido para a economia o topo das preocupações dos eleitores atuais, o assunto tem dominado discussões entre o republicano e Obama. "De novo, vivemos a exaustão da guerra", disse Thomas Stanley, professor da Universidade George Mason, em Washington.
Mas é na discussão interna democrata que a analogia ganha cores mais fortes. Em 1968, o senador democrata Eugene McCarthy se lançou numa plataforma contra a Guerra do Vietnã, então no auge. Já Humphrey prometia pôr fim ao conflito, mas era por demais identificado com ele por ser o segundo homem do autor da escalada, Lyndon Johnson, que levou 500 mil homens ao front.
Hoje, os papéis são interpretados respectivamente por Obama e Hillary, acredita Joseph Patten, diretor da Escola de Questões Públicas de Nova Jersey, que explica: a senadora votou a favor da invasão, em 2002, quando Obama ainda era senador estadual em Illinois e tornava pública sua posição antiguerra. Apesar de os dois serem a favor da saída gradual do Iraque, a "mancha" no currículo de Hillary é constantemente lembrada por seu oponente.


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