São Paulo, domingo, 01 de junho de 2008

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Focados em terra, Beni e Pando votam hoje por autonomia

Referendos em departamentos governados pela oposição a Evo Morales, que seguem o de Santa Cruz, devem agravar crise no país

Vitória do "sim" daria aos governadores o poder de decidir questão agrária, o que La Paz rechaça; divisões políticas paralisam Bolívia


FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS

Depois de Santa Cruz, outros dois departamentos bolivianos controlados pela oposição desafiam hoje o governo de Evo Morales com referendos autonômicos, tendo como pano de fundo a disputa pelo controle da política agrária.
Assim como fizeram os cruzenhos há pouco menos de um mês, os eleitores dos departamentos amazônicos de Pando e Beni, no norte do país e fronteiriços com o Brasil, irão às urnas sem o aval da CNE (Corte Nacional Eleitoral) para aprovar uma espécie de Constituição regional que aumenta os poderes dos governos locais.
Os estatutos autonômicos são a resposta dos governadores oposicionistas à Constituição aprovada em novembro do ano passado pelas forças governistas. A Carta, que ainda precisa passar por referendo, não foi reconhecida pela oposição. O impasse fez o país mais pobre da América do Sul e principal fornecedor de gás natural ao Brasil e à Argentina mergulhar em grave crise institucional.
A proposta mais radical é a do departamento de Beni, cuja área de 213 mil km2 (pouco maior do que o Paraná) abriga apenas uns 450 mil habitantes. Com a economia centrada na pecuária, o seu estatuto prevê que o governador tenha o poder, em decisão inapelável, de outorgar títulos de terras que passaram por vistoria estatal.
Além disso, é o próprio departamento, e não o governo nacional, que fará a vistoria (chamada de "saneamento").
Muito semelhante ao estatuto de Santa Cruz, o texto beniano incorpora alguns termos da retórica agrária de Morales, como a desapropriação caso a propriedade descumpra sua "função social" e a condenação do latifúndio improdutivo.
Já o estatuto autonômico do departamento de Pando é o mais brando dos três na questão agrária, ao deixar para o governo nacional a atribuição de titular as terras, cabendo ao governo regional a função de decidir se elas cumprem ou não sua função socioeconômica.
No extremo norte da Bolívia, Pando tem pouco mais de 60 mil habitantes, entre os quais várias centenas de pequenos agricultores brasileiros. A atividade predominante é o extrativismo florestal.
"Morales quer utilizar a terra para fazer política sob o pretexto de que cada cidadão deste país poderia ter sua terra. Quer dizer que na Bolívia não poderíamos falar de outro instrumento ou outro meio para poder viver a não ser utilizando a terra", disse à Folha o governador de Pando, Leopoldo Fernández (Podemos, direita). "Mas, para entregar a terra, é preciso deixar claro quais são os parâmetros de distribuição."

"Vocações distintas"
Questionado sobre o estatuto mais brando em comparação com Beni e Santa Cruz, Fernández diz que os departamentos "têm vocações distintas". "Temos uma vocação florestal. Aqui, cada família tem direito a 500 hectares de terra, porque não são para utilização agrícola ou pecuária, mas para respeitar nossa vocação florestal."
Considerado um dos governadores oposicionistas mais moderados, Fernández acredita que haverá diálogo num futuro próximo, apesar da distância cada vez maior entre o governo nacional e os governantes da oposição.
"Se todos fizermos um pouco mais de esforço, vamos ter uma unidade sobre o que é a política de terras. É um país em que não temos mais de 9 milhões de habitantes e mais de 1 milhão de km2. Se administramos com responsabilidade, não teremos maiores problemas."


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