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Focados em terra, Beni e Pando votam hoje por autonomia
Referendos em departamentos governados pela oposição a Evo Morales, que seguem o de Santa Cruz, devem agravar crise no país
Vitória do "sim" daria aos governadores o poder de decidir questão agrária, o que La Paz rechaça; divisões políticas paralisam Bolívia
FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS
Depois de Santa Cruz, outros
dois departamentos bolivianos
controlados pela oposição desafiam hoje o governo de Evo
Morales com referendos autonômicos, tendo como pano de
fundo a disputa pelo controle
da política agrária.
Assim como fizeram os cruzenhos há pouco menos de um
mês, os eleitores dos departamentos amazônicos de Pando e
Beni, no norte do país e fronteiriços com o Brasil, irão às urnas
sem o aval da CNE (Corte Nacional Eleitoral) para aprovar
uma espécie de Constituição
regional que aumenta os poderes dos governos locais.
Os estatutos autonômicos
são a resposta dos governadores oposicionistas à Constituição aprovada em novembro do
ano passado pelas forças governistas. A Carta, que ainda precisa passar por referendo, não foi
reconhecida pela oposição. O
impasse fez o país mais pobre
da América do Sul e principal
fornecedor de gás natural ao
Brasil e à Argentina mergulhar
em grave crise institucional.
A proposta mais radical é a do
departamento de Beni, cuja
área de 213 mil km2 (pouco
maior do que o Paraná) abriga
apenas uns 450 mil habitantes.
Com a economia centrada na
pecuária, o seu estatuto prevê
que o governador tenha o poder, em decisão inapelável, de
outorgar títulos de terras que
passaram por vistoria estatal.
Além disso, é o próprio departamento, e não o governo
nacional, que fará a vistoria
(chamada de "saneamento").
Muito semelhante ao estatuto de Santa Cruz, o texto beniano incorpora alguns termos da
retórica agrária de Morales, como a desapropriação caso a
propriedade descumpra sua
"função social" e a condenação
do latifúndio improdutivo.
Já o estatuto autonômico do
departamento de Pando é o
mais brando dos três na questão agrária, ao deixar para o governo nacional a atribuição de
titular as terras, cabendo ao governo regional a função de decidir se elas cumprem ou não
sua função socioeconômica.
No extremo norte da Bolívia,
Pando tem pouco mais de 60
mil habitantes, entre os quais
várias centenas de pequenos
agricultores brasileiros. A atividade predominante é o extrativismo florestal.
"Morales quer utilizar a terra
para fazer política sob o pretexto de que cada cidadão deste
país poderia ter sua terra. Quer
dizer que na Bolívia não poderíamos falar de outro instrumento ou outro meio para poder viver a não ser utilizando a
terra", disse à Folha o governador de Pando, Leopoldo Fernández (Podemos, direita).
"Mas, para entregar a terra, é
preciso deixar claro quais são
os parâmetros de distribuição."
"Vocações distintas"
Questionado sobre o estatuto
mais brando em comparação
com Beni e Santa Cruz, Fernández diz que os departamentos "têm vocações distintas".
"Temos uma vocação florestal.
Aqui, cada família tem direito a
500 hectares de terra, porque
não são para utilização agrícola
ou pecuária, mas para respeitar
nossa vocação florestal."
Considerado um dos governadores oposicionistas mais
moderados, Fernández acredita que haverá diálogo num futuro próximo, apesar da distância cada vez maior entre o governo nacional e os governantes da oposição.
"Se todos fizermos um pouco
mais de esforço, vamos ter uma
unidade sobre o que é a política
de terras. É um país em que não
temos mais de 9 milhões de habitantes e mais de 1 milhão de
km2. Se administramos com
responsabilidade, não teremos
maiores problemas."
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