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Culto ao sigilo vira problema para Bush
Executivo e Legislativo entram em guerra pelo direito a informações; oposição acusa presidente de se pôr "acima da lei"
Administração atual sofre comparações com a de Richard Nixon; vice Dick Cheney tentou até extinguir órgão de arquivamento
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
O governo de George W.
Bush está numa queda-de-braço com a transparência. Desde
os ataques do 11 de Setembro, o
republicano e seu gabinete brigam para manter secretos diversos aspectos do poder Executivo que, pela lei norte-americana atual e por costume estabelecido em mandatos anteriores, deveriam ser tornados
públicos ou pelo menos arquivados em segurança por seu valor histórico.
Quatro fatos recentes serviram para evidenciar esse culto
ao sigilo exacerbado da Era
Bush. Três continuavam sem
solução até a conclusão desta
edição. Na quarta-feira, o Comitê de Justiça do Senado, controlado pela oposição democrata, autorizou intimações para
que a Casa Branca, o gabinete
do vice-presidente e o Departamento de Justiça apresentassem documentos relacionados
ao 11 de Setembro.
O objetivo é comprovar a legalidade de escutas telefônicas
sem autorização judicial feitas
pela Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês)
logo após os atentados. De
acordo com interpretação do
governo, as ações estavam legitimadas pelo pacote de poderes
excepcionais que o Congresso,
ainda com maioria republicana
e no calor da onda de patriotismo que tomava os Estados Unidos, concedeu à Presidência.
Na sexta, foi a vez do conselheiro jurídico da Casa Branca,
Fred F. Fielding, manifestar-se
a respeito de demissões realizadas pelo Departamento de Justiça que estão sob a suspeita de
terem sido feitas por motivos
políticos, não profissionais. Liberar os documentos ou permitir que dois assessores testemunhassem, escreveu ele, seria
ferir o "privilégio executivo".
Segundo lei não-escrita, mas
reconhecida pela Suprema
Corte, presidentes podem proteger a confidencialidade de
certos atos ou documentos que
considerem fundamentais para
o exercício do cargo. O termo
"privilégio executivo", criado
por Dwight D. Eisenhower
(1953-1961), ganhou fama no
mandato de Richard Nixon
(1969-1974), que tentou se escudar nele durante o escândalo
de Watergate.
Cheney
"Isso é mais um passo do governo Bush em direção ao "secretismo" nixoniano e uma prova a mais do desdém deles pelo
nosso sistema de freios e contrapesos", disse o senador democrata Patrick Leahy, do Comitê de Justiça da Casa. "Cada
vez mais, o presidente e seu vice acham que estão acima da
lei." Ele se referiria a um caso
que envolve Dick Cheney.
Nos últimos dias, o vice-presidente trava uma luta quase
surreal para justificar sua recusa a passar a um escritório federal documentos secretos que,
por lei, devem ser guardados
por um período de tempo variável. Primeiro, Cheney tentou extinguir o órgão responsável pelo arquivamento.
Então, sua equipe declarou
que a lei não se aplicava a ele,
pois Cheney fazia parte na verdade do Poder Legislativo
-nos EUA, o vice-presidente é
também o presidente do Senado. Foi o suficiente para que o
congressista democrata Rahm
Emanuel introduzisse uma
emenda que corta a verba destinada à Vice-Presidência, de
US$ 4 milhões por ano, sob a
justificativa de que o próprio titular se dizia um estranho ali.
Desde então, o gabinete voltou atrás, mas a emenda foi à
votação, perdeu por pouco (217
votos contra e 209 a favor) e resume o clima entre as duas instituições. Dois dias antes, a divulgação de documentos até
então secretos da CIA, de um
período que vai da década de 50
até os anos imediatamente posteriores a Watergate, deram
margem a novas comparações
entre as gestões Nixon e Bush.
Ao divulgar parte de um arquivo que reúne ações ilegais
ou questionáveis da agência de
inteligência, a CIA respondia
ao pedido mais antigo ainda
não contemplado pela agência
de espionagem, feito há 15 anos
pela ONG National Security
Archives.
"Havia muito sigilo na administração Nixon por motivos
que depois se tornariam evidentes, e há muito também na
administração Bush, sempre
sob a justificativa da guerra
contra o terrorismo", disse à
Folha John Pradow, diretor
dos arquivos.
Para o analista, em 30 anos os
documentos de Bush serão tornados públicos. "A diferença é
que esse governo está destruindo a maior parte."
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