São Paulo, domingo, 01 de julho de 2007

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Culto ao sigilo vira problema para Bush

Executivo e Legislativo entram em guerra pelo direito a informações; oposição acusa presidente de se pôr "acima da lei"

Administração atual sofre comparações com a de Richard Nixon; vice Dick Cheney tentou até extinguir órgão de arquivamento

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

O governo de George W. Bush está numa queda-de-braço com a transparência. Desde os ataques do 11 de Setembro, o republicano e seu gabinete brigam para manter secretos diversos aspectos do poder Executivo que, pela lei norte-americana atual e por costume estabelecido em mandatos anteriores, deveriam ser tornados públicos ou pelo menos arquivados em segurança por seu valor histórico.
Quatro fatos recentes serviram para evidenciar esse culto ao sigilo exacerbado da Era Bush. Três continuavam sem solução até a conclusão desta edição. Na quarta-feira, o Comitê de Justiça do Senado, controlado pela oposição democrata, autorizou intimações para que a Casa Branca, o gabinete do vice-presidente e o Departamento de Justiça apresentassem documentos relacionados ao 11 de Setembro.
O objetivo é comprovar a legalidade de escutas telefônicas sem autorização judicial feitas pela Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês) logo após os atentados. De acordo com interpretação do governo, as ações estavam legitimadas pelo pacote de poderes excepcionais que o Congresso, ainda com maioria republicana e no calor da onda de patriotismo que tomava os Estados Unidos, concedeu à Presidência.
Na sexta, foi a vez do conselheiro jurídico da Casa Branca, Fred F. Fielding, manifestar-se a respeito de demissões realizadas pelo Departamento de Justiça que estão sob a suspeita de terem sido feitas por motivos políticos, não profissionais. Liberar os documentos ou permitir que dois assessores testemunhassem, escreveu ele, seria ferir o "privilégio executivo".
Segundo lei não-escrita, mas reconhecida pela Suprema Corte, presidentes podem proteger a confidencialidade de certos atos ou documentos que considerem fundamentais para o exercício do cargo. O termo "privilégio executivo", criado por Dwight D. Eisenhower (1953-1961), ganhou fama no mandato de Richard Nixon (1969-1974), que tentou se escudar nele durante o escândalo de Watergate.

Cheney
"Isso é mais um passo do governo Bush em direção ao "secretismo" nixoniano e uma prova a mais do desdém deles pelo nosso sistema de freios e contrapesos", disse o senador democrata Patrick Leahy, do Comitê de Justiça da Casa. "Cada vez mais, o presidente e seu vice acham que estão acima da lei." Ele se referiria a um caso que envolve Dick Cheney.
Nos últimos dias, o vice-presidente trava uma luta quase surreal para justificar sua recusa a passar a um escritório federal documentos secretos que, por lei, devem ser guardados por um período de tempo variável. Primeiro, Cheney tentou extinguir o órgão responsável pelo arquivamento.
Então, sua equipe declarou que a lei não se aplicava a ele, pois Cheney fazia parte na verdade do Poder Legislativo -nos EUA, o vice-presidente é também o presidente do Senado. Foi o suficiente para que o congressista democrata Rahm Emanuel introduzisse uma emenda que corta a verba destinada à Vice-Presidência, de US$ 4 milhões por ano, sob a justificativa de que o próprio titular se dizia um estranho ali.
Desde então, o gabinete voltou atrás, mas a emenda foi à votação, perdeu por pouco (217 votos contra e 209 a favor) e resume o clima entre as duas instituições. Dois dias antes, a divulgação de documentos até então secretos da CIA, de um período que vai da década de 50 até os anos imediatamente posteriores a Watergate, deram margem a novas comparações entre as gestões Nixon e Bush.
Ao divulgar parte de um arquivo que reúne ações ilegais ou questionáveis da agência de inteligência, a CIA respondia ao pedido mais antigo ainda não contemplado pela agência de espionagem, feito há 15 anos pela ONG National Security Archives.
"Havia muito sigilo na administração Nixon por motivos que depois se tornariam evidentes, e há muito também na administração Bush, sempre sob a justificativa da guerra contra o terrorismo", disse à Folha John Pradow, diretor dos arquivos.
Para o analista, em 30 anos os documentos de Bush serão tornados públicos. "A diferença é que esse governo está destruindo a maior parte."


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