São Paulo, domingo, 01 de julho de 2007

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Jornalista vê Putin como violador da democracia

Em "Um Diário Russo", Politkovskaya nota povo apático e presidente tirano

Assassinada em Moscou no ano passado, jornalista que era feroz crítica do Kremlin descreve uma Rússia em que a oposição não é sentida

FÁBIO CHIOSSI
DA REDAÇÃO

Em um discurso em Bratislava (Eslováquia), no dia 23 de fevereiro de 2005, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, fala de uma "democracia tradicional" russa e a explica: "Os princípios fundamentais da democracia, as instituições da democracia devem ser adaptadas à realidade na Rússia de hoje, às nossas tradições e à nossa história. E faremos isso sozinhos".
"Um Diário Russo" (Rocco, R$ 43), da jornalista Anna Politkovskaya, que foi assassinada no prédio onde morava, em Moscou, em outubro do ano passado, pode ser lido como um retrato dessa "democracia".
Essa redefinição do conceito por Putin, que em princípio o torna bastante maleável, reflete a visão que ela tem do governo russo. Um governo que, a seu ver, ergue-se sobre a destruição da democracia. Assim, a "democracia tradicional" de Putin, ver-se-á, é, para Politkovskaya, a não-democracia.
As anotações da jornalista, que foi feroz crítica do Kremlin em matérias publicadas no jornal "Novaia Gazeta", onde trabalhava, começam na campanha que em 2004 reelegeria Putin à Presidência da Rússia e se encerram em agosto de 2005, pintando o presidente como o artífice da destruição das entidades e relações que constituem o que se poderia considerar uma verdadeira democracia.
Segundo a visão de Politkovskaya, Putin garantiu a reinstalação, na Rússia, de um regime praticamente de partido único, como o da URSS -embora não ideologizado-, e repressivo, como o da URSS de Stálin.
Para tanto, o ex-diretor de assuntos externos da KGB que foi escolhido por Boris Ieltsin (1991-99) para o substituir na chefia do governo russo galgou-se não só em diversos tipos de fraude eleitoral e em compra de votos, viabilizadas pela atuação de antigos funcionários da máquina do Estado comunista que se aninhavam nas agências do governo, mas por uma oposição cujo discurso não chegou ao povo mais pobre, seduzido pelo nacionalismo do presidente e do seu partido, o PRU.
Ora conduzindo, ora se aproveitando desse processo, sempre a figura do presidente Vladimir Putin, com vistas a se manter na Presidência e que para tanto não hesita em usar sua mão de ferro, em negar violações aos direitos humanos cometidas sob seu governo nem em cooptar potenciais adversários políticos ou fazer vistas grossas à sua tortura. Isso sem mencionar a manipulação do Poder Judiciário, presente em episódios relatados quase que no livro todo.

Apatia
Esse Putin autoritário retratado pela jornalista desperta no leitor uma dúvida fundamental: uma vez afastada a hipótese, simplista e ingênua, de que ela fala de um homem que age por pura perversidade, o que motiva Putin?
Há esboços de uma resposta que se pode pescar em seu diário. Uma delas é um nacionalismo no qual Putin acredita. Esse nacionalismo que está nas palavras de Bratislava e que, alimentando políticas de governo, teriam-no transformado no tirano a que se refere Politkovskaya. Putin seria então um tirano não só porque quer satisfazer interesses pessoais mas também por achar que o que faz é melhor para o povo, é melhor para a Rússia.
A jornalista não esconde também sua frustração com o que considera uma não-participação do povo russo no processo político do país. Apatia essa que acaba, por exemplo, permitindo a Putin a construção da maioria na Duma que o ajudará a governar -ou, como diz a autora, que o servirá-, bem como a construção de uma candidatura sem adversários: "Nossos cidadãos [...] querem muito ter uma vida melhor, mas não querem ter de lutar por ela. Eles esperam que tudo lhes venha de cima" -é uma das reflexões anotadas no dia 31 de dezembro de 2003.
E a essa acomodação acrescenta-se uma campanha das "autoridades", que "todos os dias tentam convencer o povo russo de que a sociedade civil e a oposição são financiadas pela CIA, pelos ingleses, por Israel e pelos serviços de inteligência marcianos, além, é claro, da teia mundial da Al Qaeda".
O apelo a um nacionalismo que cala fundo no povo, conduzindo-o em direção a um imobilismo, ajuda muito na manutenção do atual estado de coisas na Rússia, é o que se conclui.
E há sempre o medo da repressão dos agentes de segurança do Estado, que, dá a jornalista a entender, agem a seu bel-prazer na repressão às poucas contestações ao regime.


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