São Paulo, quinta-feira, 01 de agosto de 2002

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Sincretismo marca o culto de santo no México

RODRIGO UCHÔA
DA REDAÇÃO

Uma santa católica com jóias astecas, falando uma língua nativa, o nahuatl, e usando o lenço que as indígenas tradicionalmente usavam quando grávidas.
Até a narrativa da aparição da Virgem de Guadalupe a Juan Diego mostra como a tradição católica no México mistura o cristianismo às crenças pré-colombianas: antes da chegada dos espanhóis, a deusa Tonantzin -ou "mãe de todos os deuses"- era adorada no mesmo lugar. Hoje, lá está a basílica da Virgem de Guadalupe.
Uma manipulação da igreja ou um modo de os indígenas conservarem suas tradições e seus símbolos? Talvez as duas coisas, afirma o padre brasileiro José Oscar Beozzo, especialista em Igreja Católica na América Latina.
"Certamente um forte sincretismo, mas, acima disso, uma disputa entre a igreja e os indígenas pelo espaço de afirmação cultural", analisa Beozzo.
O religioso lembra que houve até opositores dentro da igreja, nos primórdios dos culto, à adoção do local onde era adorada Tonantzin, pois ele era muito identificado com a cultura indígena.
"Não se pode falar numa simples manipulação, pois é um acontecimento de impacto social profundo, já que a Virgem de Guadalupe é quase um mito fundador da identidade mexicana."
Discutindo o significado da canonização, a líder indígena guatemalteca Rigoberta Menchú, Prêmio Nobel da Paz de 1992, disse que Juan Diego abre caminho para uma nova teologia: "Uma teologia que tem dois caminhos. Ou criamos protótipos, crendo que, com eles, vamos mudar os indígenas, ou vamos dar um lugar e respeito aos indígenas para que a igreja entre em nossos corações".
Várias são as teses sobre quem realmente foi Juan Diego: um humilde camponês devotado ao cristianismo, um nobre asteca polígamo ou apenas um mito conveniente para a catequização dos indígenas. Numa pesquisa levada a cabo pela mídia do país, 83% dos mexicanos disseram acreditar que Juan Diego realmente existiu.
"Nesse caso, a tradição oral é muito forte também. Mas essa discussão -existiu ou não- perde o sentido, pois o importante é discutir o significado da Virgem e de Juan Diego. Tem-se de levar em consideração que o local é hoje o de maior peregrinação em todo o mundo", acrescenta o padre Beozzo.
Segundo alguns opositores à canonização, a elevação de Juan Diego não seria mais do que uma manobra do Vaticano para frear a presença de outras igrejas nas comunidades indígenas.
O aparecimento de outros cultos cristãos vem até provocando choques religiosos, como em San Juan Chamula, onde os católicos expulsaram 25 mil indígenas evangélicos nos últimos 30 anos.
Beozzo crê que a tese é muito "tosca" para se sustentar. "A canonização é uma política do papa levada a cabo desde o início do pontificado. É, afinal, o papa que mais fez santos", afirma.



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