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Nos 70 anos de guerra, Rússia defende URSS
Moscou chama de "mentira cínica" conceito de que Stálin foi tão culpado por Segunda Guerra Mundial quanto Hitler
Putin participa hoje de eventos que marcam o aniversário da invasão da Polônia por nazistas após pacto germano-soviético
JOÃO BATISTA NATALI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Pouco antes das 5h daquele
1º de setembro de 1939, tropas
alemãs, sob o comando do general Fedor von Bock, atravessaram a fronteira polonesa na
direção de Danzig, atual
Gdansk, encrave de cultura
germânica no litoral báltico.
Começava a Segunda Guerra
Mundial, que terminaria em
1945 após a morte de 35 milhões de civis e 20 milhões de
militares.
Os 70 anos do início da maior
carnificina da história serão
hoje lembrados de maneira ruidosa. Varsóvia quer que a Rússia se desculpe pelo Pacto de
Não Agressão, firmado entre a
União Soviética e a Alemanha
nazista em 23 de agosto de 1939
e visto como um sinal verde para que Adolf Hitler anexasse a
Polônia.
O primeiro-ministro russo,
Vladimir Putin, antecipou-se à
cobrança e, em artigo publicado ontem pelo jornal polonês
"Gazeta Wyborcza", admitiu
que foi "imoral" o pacto inspirado pelo então ditador Joseph
Stálin. Mas ao mesmo tempo
criticou o "revisionismo histórico" que minimiza o papel do
Exército Vermelho e o vê, retrospectivamente, só como instrumento de opressão.
Putin estará hoje em Gdansk
em comemorações ao lado da
chanceler alemã, Angela Merkel, e dos chefes das diplomacias da França e do Reino Unido. Não pedirá desculpas.
"Nossa tarefa é lutar contra
os refrães de desconfiança e
preconceito deixados pelo passado nas relações entre Rússia
e Polônia", disse.
O presidente russo, Dmitri
Medvedev, foi mais duro no domingo. Defendeu Stálin e qualificou de "cínica mentira" a tese
de que o Kremlin, ao deixar os
poloneses desprotegidos, favoreceu a agressão nazista.
Há em verdade três imagens
contraditórias da Rússia envolvidas na controvérsia. É correto -como diz a atual propaganda do Kremlin- que Stálin sentiu-se isolado com os entendimentos entre Berlim, Paris,
Londres e Roma, selados em
1938 em Munique e destinados
a evitar a Segunda Guerra. Mas
Putin e Medvedev omitem que
em seguida franceses e britânicos alertaram que entrariam de
imediato no conflito caso a Alemanha agredisse a Polônia,
promessa cumprida.
No período 1930-1945, a então União Soviética foi uma potência tratada a leite e mel pelos demais aliados (os Estados
Unidos entrariam na Guerra só
em dezembro de 1941, quando
atacados pelos japoneses no
Havaí, em Pearl Harbour).
A segunda imagem da Rússia
é a da Guerra Fria. O Exército
Vermelho foi realmente opressor na Hungria (1956) e na
Tchecoslováquia (1968), além
de ter forçado a comunização
do Leste Europeu, onde a ocupação nazista foi substituída
pela ditadura comunista. É
compreensível que Polônia,
Ucrânia e países bálticos tenham fortes ressentimentos.
Há por fim a imagem pós-queda do Muro de Berlim. A redemocratização do Leste Europeu abriu espaço para a revisão
de antigas mistificações históricas, mas com previsíveis
aberrações, como a tese da direita lituana de que Hitler fez
bem de proteger o pequeno
país do comunismo.
As discussões são de qualquer modo apaixonadas. Durante a Segunda Guerra morreram 3 milhões na Polônia, além
do grosso dos judeus sacrificados pelo Holocausto. Há também o massacre de 22 mil militares poloneses pelos russos,
em 1940, em Katyn.
Moscou promete divulgar
"documentos inéditos" sobre o
papel da União Soviética no período. Os russos estão na defensiva. Em maio último foi anunciada a criação de uma comissão para "reconstituir a verdade histórica". Em lugar de historiadores, no entanto, ela é
formada por quadros do FSB, o
comitê de segurança interna,
ex-KGB.
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