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ARGENTINA
Zulema diz que troca de governo pode levar à reabertura do caso da morte de seu filho, Carlito
Mulher de Menem espera investigação
VANESSA ADACHI
de Buenos Aires
A ex-primeira-dama argentina
e ex-mulher do presidente Carlos
Saúl Menem, Zulema Yoma, só
cobra o cumprimento de uma
promessa feita a ela durante a
campanha das últimas eleições. A
reabertura da investigação da
morte de seu filho Carlos Saúl
Menem Jr., que ela acredita ter sido vítima de assassinato.
"Até os mortos têm de ser manipulados politicamente", disse ela
em entrevista à Folha na noite da
última quinta-feira. "Antes da
eleição não podiam fazê-lo porque tocariam nos interesses de alguns políticos."
Carlito, como era conhecido seu
filho, morreu em março de 95 no
interior da Província de Buenos
Aires. O helicóptero que pilotava
caiu depois de bater em fios de alta tensão.
No último dia 19, Zulema, 56,
denunciou o Estado argentino,
governado por seu ex-marido, à
Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização
dos Estados Americanos (OEA),
em Washington. "Fui buscar lá o
que eu não tive da Justiça daqui."
O processo que investiga o caso
está arquivado na Justiça argentina. Além do descaso nas investigações, Zulema aponta falhas na
segurança pessoal de Carlito, que
era feita por agentes federais.
Enquanto busca saber o que
aconteceu há mais de quatro
anos, Zulema conserva viva a
imagem do filho. O apartamento
onde mora com a filha Zulemita,
no bairro de Palermo, em Buenos
Aires, parece um santuário.
Há cerca de duas dezenas de retratos do filho -de vários tamanhos- distribuídos sobre os móveis da sala. Nas paredes do quarto e até da cozinha, há fotos de
Carlito. Como devota católica
-embora seja muçulmana-,
Zulema distribui santinhos com a
imagem do filho.
O apartamento onde ela vivia
antes da morte dele permanece
fechado. Foi lá que Zulema viu
Carlito pela última vez. Os móveis
e os objetos pessoais dele permanecem intactos. Quando recorda
sua última visita, Zulema não
consegue conter o choro.
Na entrevista, ela deixou claro
que não falaria sobre política para
não misturar sua causa ao tema.
Mas não conseguiu esconder a
mágoa contra os políticos argentinos, inclusive seu ex-marido.
"Menem me arrancou um filho.
Se não estivesse na política, nada
disso teria acontecido."
Folha - Existem rumores de
que a sra. poderia voltar a viver
com o presidente Carlos Menem
quando ele deixar o governo em
dezembro. É verdade?
Zulema Yoma - Há setores da
política que querem que eu volte
por causa da eleição de 2003 (Menem já anunciou sua candidatura). Em primeiro lugar, está Carlito, em segundo está Carlito e em
terceiro está Carlito. Antes eu enterro meu filho.
Folha - E depois?
Zulema - Sempre fiz o caminho
ao andar. Mas, para mim, Menem
como homem e marido acabou.
Neste momento, minha energia
está dedicada exclusivamente para que me digam a verdade sobre
o que fizeram contra meu filho.
Folha - Por que a sra. apresentou a denúncia à OEA?
Zulema - Porque aqui existe a
picardia de deixar passar o tempo, enquanto as provas se perdem. Levei provas de que o juiz
(Carlos Villafuerte Ruzo) não investigou como deveria. Havia
marcas de bala no helicóptero e
provas da exumação, que mostram um cadáver muito deteriorado para ser o dele.
Folha - O que a sra. espera
agora?
Zulema - Eu espero que a OEA
peça ao Estado argentino que reabra o processo. Meu dever como
mãe termina quando me digam a
verdade e me entreguem os restos
de meu filho. A Justiça argentina
está debilitada, há compra de juízes. É vergonhoso que eu tenha de
tomar essa decisão no exercício
do mandato de Menem. Quando
cheguei ao poder com ele, tinha
uma família. Hoje, todos me viram a cara.
Folha - A sra. acha que Menem
deveria ter feito mais pelo caso?
Zulema - Não vejo Menem desde 95, quando comecei a causa e
fiz uma promessa de não vê-lo até
saber a verdade. Não posso falar
pelo chefe de Estado.
Folha - E pelo pai?
Zulema - Como pai, ele teria de
ter atuado como eu. Mas, como
chefe de Estado, ele sofre pressões. Tenho esperança de que Menem, depois de dezembro, já com
mais liberdade, faça mais pela
causa. Como dizia meu filho, a
política é suja. Quem entra na política entrega a honra aos cães.
Folha - É o que pensa de seu
ex-marido?
Zulema - Para estar no poder, é
preciso negociar e comprometer-se. Os santos não existem em política. Eu respeito alguns, mas são a
minoria. Sou uma mulher que entendi muito de política, mas não
me deixaram ficar.
Folha - O governo Menem termina com muitas denúncias de
corrupção. São verdadeiras?
Zulema - Já denunciei a corrupção. Não quero mais falar disso,
apenas do que nos fizeram passar
como família. Fomos vítimas da
máfia que há por todo lado. Oxalá
que o doutor De la Rúa (Fernando de la Rúa, presidente eleito) tenha sorte, que o deixem governar.
Folha - A sra. acredita que De
la Rúa pode fazer um bom governo?
Zulema - Você está me fazendo
falar de política. Estou muito enojada dos políticos em geral. Até os
mortos têm de ser manipulados
politicamente. Diziam que não
queriam se meter antes no assunto porque iriam tocar os interesses de alguns. Esses interesses
sempre prevaleceram porque a
Justiça não é independente.
Folha - É verdade que a sra.
votou em Domingo Cavallo para
presidente?
Zulema - Sinto um grande apreço por Cavallo e sua família, têm
boa alma. Votei em uma pessoa
que sempre disse que colocaria
em ordem a Justiça.
Folha - Durante a campanha, a
sra. revelou que fizera um aborto consentido por Menem, o
que prejudicou a campanha de
Eduardo Duhalde, candidato do
partido do presidente. Por que
fez isso só agora?
Zulema - Foi um momento de
muita raiva, porque conheço como são os políticos.
Folha - Por que a sra. fez esse
aborto?
Zulema - Carlito era muito pequeno, tinha poucos meses. Fiz o
aborto porque eu e Menem não
estávamos bem. O ritmo de vida
dele era impossível. Eu estava sofrendo com a morte de meu primeiro filho (morreu após o nascimento) e nossa convivência estava ruim. Fiz o aborto e fui viver na
Síria. Acabei voltando porque
Menem, como sempre, me prometeu felicidade. Tudo que fiz na
vida foi por meus dois filhos, inclusive apoiar Menem nas vezes
em que quis chegar ao poder.
Folha - Não lhe incomoda viver em um apartamento que
pertence a amigos de Menem ligados à política?
Zulema - Quando Carlito morreu, me colocaram aqui e eu fiquei. Não queria voltar ao meu
próprio apartamento, era uma
dor muito grande.
Folha - Como está o apartamento onde vivia antes?
Zulema - Ainda está fechado.
Quero pedir para alguém fazer a
mudança. Depois vou alugá-lo,
porque vivo um impasse. Não
quero vendê-lo porque estive
com meus filhos lá, mas também
não quero voltar a viver nele, porque foi lá que vi Carlito pela última vez.
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