São Paulo, Segunda-feira, 01 de Novembro de 1999
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ARGENTINA
Zulema diz que troca de governo pode levar à reabertura do caso da morte de seu filho, Carlito
Mulher de Menem espera investigação

VANESSA ADACHI
de Buenos Aires

A ex-primeira-dama argentina e ex-mulher do presidente Carlos Saúl Menem, Zulema Yoma, só cobra o cumprimento de uma promessa feita a ela durante a campanha das últimas eleições. A reabertura da investigação da morte de seu filho Carlos Saúl Menem Jr., que ela acredita ter sido vítima de assassinato.
"Até os mortos têm de ser manipulados politicamente", disse ela em entrevista à Folha na noite da última quinta-feira. "Antes da eleição não podiam fazê-lo porque tocariam nos interesses de alguns políticos."
Carlito, como era conhecido seu filho, morreu em março de 95 no interior da Província de Buenos Aires. O helicóptero que pilotava caiu depois de bater em fios de alta tensão.
No último dia 19, Zulema, 56, denunciou o Estado argentino, governado por seu ex-marido, à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington. "Fui buscar lá o que eu não tive da Justiça daqui."
O processo que investiga o caso está arquivado na Justiça argentina. Além do descaso nas investigações, Zulema aponta falhas na segurança pessoal de Carlito, que era feita por agentes federais.
Enquanto busca saber o que aconteceu há mais de quatro anos, Zulema conserva viva a imagem do filho. O apartamento onde mora com a filha Zulemita, no bairro de Palermo, em Buenos Aires, parece um santuário.
Há cerca de duas dezenas de retratos do filho -de vários tamanhos- distribuídos sobre os móveis da sala. Nas paredes do quarto e até da cozinha, há fotos de Carlito. Como devota católica -embora seja muçulmana-, Zulema distribui santinhos com a imagem do filho.
O apartamento onde ela vivia antes da morte dele permanece fechado. Foi lá que Zulema viu Carlito pela última vez. Os móveis e os objetos pessoais dele permanecem intactos. Quando recorda sua última visita, Zulema não consegue conter o choro.
Na entrevista, ela deixou claro que não falaria sobre política para não misturar sua causa ao tema. Mas não conseguiu esconder a mágoa contra os políticos argentinos, inclusive seu ex-marido. "Menem me arrancou um filho. Se não estivesse na política, nada disso teria acontecido."
 

Folha - Existem rumores de que a sra. poderia voltar a viver com o presidente Carlos Menem quando ele deixar o governo em dezembro. É verdade?
Zulema Yoma -
Há setores da política que querem que eu volte por causa da eleição de 2003 (Menem já anunciou sua candidatura). Em primeiro lugar, está Carlito, em segundo está Carlito e em terceiro está Carlito. Antes eu enterro meu filho.

Folha - E depois?
Zulema -
Sempre fiz o caminho ao andar. Mas, para mim, Menem como homem e marido acabou. Neste momento, minha energia está dedicada exclusivamente para que me digam a verdade sobre o que fizeram contra meu filho.

Folha - Por que a sra. apresentou a denúncia à OEA?
Zulema -
Porque aqui existe a picardia de deixar passar o tempo, enquanto as provas se perdem. Levei provas de que o juiz (Carlos Villafuerte Ruzo) não investigou como deveria. Havia marcas de bala no helicóptero e provas da exumação, que mostram um cadáver muito deteriorado para ser o dele.

Folha - O que a sra. espera agora?
Zulema -
Eu espero que a OEA peça ao Estado argentino que reabra o processo. Meu dever como mãe termina quando me digam a verdade e me entreguem os restos de meu filho. A Justiça argentina está debilitada, há compra de juízes. É vergonhoso que eu tenha de tomar essa decisão no exercício do mandato de Menem. Quando cheguei ao poder com ele, tinha uma família. Hoje, todos me viram a cara.

Folha - A sra. acha que Menem deveria ter feito mais pelo caso?
Zulema -
Não vejo Menem desde 95, quando comecei a causa e fiz uma promessa de não vê-lo até saber a verdade. Não posso falar pelo chefe de Estado.

Folha - E pelo pai?
Zulema -
Como pai, ele teria de ter atuado como eu. Mas, como chefe de Estado, ele sofre pressões. Tenho esperança de que Menem, depois de dezembro, já com mais liberdade, faça mais pela causa. Como dizia meu filho, a política é suja. Quem entra na política entrega a honra aos cães.

Folha - É o que pensa de seu ex-marido?
Zulema -
Para estar no poder, é preciso negociar e comprometer-se. Os santos não existem em política. Eu respeito alguns, mas são a minoria. Sou uma mulher que entendi muito de política, mas não me deixaram ficar.

Folha - O governo Menem termina com muitas denúncias de corrupção. São verdadeiras?
Zulema -
Já denunciei a corrupção. Não quero mais falar disso, apenas do que nos fizeram passar como família. Fomos vítimas da máfia que há por todo lado. Oxalá que o doutor De la Rúa (Fernando de la Rúa, presidente eleito) tenha sorte, que o deixem governar.

Folha - A sra. acredita que De la Rúa pode fazer um bom governo?
Zulema -
Você está me fazendo falar de política. Estou muito enojada dos políticos em geral. Até os mortos têm de ser manipulados politicamente. Diziam que não queriam se meter antes no assunto porque iriam tocar os interesses de alguns. Esses interesses sempre prevaleceram porque a Justiça não é independente.

Folha - É verdade que a sra. votou em Domingo Cavallo para presidente?
Zulema -
Sinto um grande apreço por Cavallo e sua família, têm boa alma. Votei em uma pessoa que sempre disse que colocaria em ordem a Justiça.

Folha - Durante a campanha, a sra. revelou que fizera um aborto consentido por Menem, o que prejudicou a campanha de Eduardo Duhalde, candidato do partido do presidente. Por que fez isso só agora?
Zulema -
Foi um momento de muita raiva, porque conheço como são os políticos.

Folha - Por que a sra. fez esse aborto?
Zulema -
Carlito era muito pequeno, tinha poucos meses. Fiz o aborto porque eu e Menem não estávamos bem. O ritmo de vida dele era impossível. Eu estava sofrendo com a morte de meu primeiro filho (morreu após o nascimento) e nossa convivência estava ruim. Fiz o aborto e fui viver na Síria. Acabei voltando porque Menem, como sempre, me prometeu felicidade. Tudo que fiz na vida foi por meus dois filhos, inclusive apoiar Menem nas vezes em que quis chegar ao poder.

Folha - Não lhe incomoda viver em um apartamento que pertence a amigos de Menem ligados à política?
Zulema -
Quando Carlito morreu, me colocaram aqui e eu fiquei. Não queria voltar ao meu próprio apartamento, era uma dor muito grande.

Folha - Como está o apartamento onde vivia antes?
Zulema -
Ainda está fechado. Quero pedir para alguém fazer a mudança. Depois vou alugá-lo, porque vivo um impasse. Não quero vendê-lo porque estive com meus filhos lá, mas também não quero voltar a viver nele, porque foi lá que vi Carlito pela última vez.


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