São Paulo, segunda-feira, 01 de novembro de 2004

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O IMPÉRIO VOTA / RETA FINAL

Comunidade cubana sinaliza que endurecimento em relação ao ditador cubano vale mais votos que combate ao terrorismo

Em Miami, "não é Osama, é Fidel, estúpido"

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MIAMI

Os 26 anos que leva morando nos EUA não tiraram o molho caribenho do cubano-americano Andrés Cruz, 55. Quando a Folha pergunta a ele, na fila do voto antecipado em Miami, se a aparição de Osama bin Laden em vídeo, na sexta-feira, mudaria o seu voto, ele responde: "Não é Osama, é Fidel Castro, estúpidos".
O slogan "é a economia, estúpidos" foi soprado ao então candidato Bill Clinton, em 1992, para enfatizar que o que venceria a eleição seria bater no desempenho econômico do presidente da época, George Bush (pai do atual). Clinton seguiu a orientação, ganhou, e a frase tornou-se um clássico do marketing político.
Com a sua adaptação da frase, Andrés Cruz está dizendo que o que decide o voto na Flórida, pelo menos para a numerosa comunidade cubana de Miami, é Fidel Castro. O candidato que parecer mais decidido a derrubá-lo leva o voto de Cruz e dos cerca de 750 mil cubanos do Estado da Flórida.
Esse candidato, agora como há quatro anos, é George W. Bush, que, em 2000, ficou com 83% dos votos dessa comunidade.
Ontem, em visita a Miami, Bush disse, sobre Fidel: "Acredito que o povo cubano deveria ser libertado do tirano. Nos próximos quatro anos continuaremos pressionando fortemente para assegurar que a liberdade finalmente alcance os homens e mulheres de Cuba. Não descansaremos até que os cubanos em Havana desfrutem das mesmas liberdades dos EUA".
O previsível resultado de vitória de Bush na comunidade cubana não quer dizer nada. Primeiro, todas as pesquisas indicam que na Flórida -o mais importante dos Estados indefinidos, com seus 27 votos no Colégio Eleitoral-, há um equilíbrio rigoroso entre Bush e seu rival democrata John Kerry.
Segundo, o voto cubano já não é tão esmagadoramente predominante na comunidade latina de Miami. Hoje, os cubanos são 50% dos eleitores latinos. A outra metade é formada por porto-riquenhos (principalmente), nicaragüenses, colombianos, dominicanos e mexicanos. Essa fatia, aparentemente, se inclina mais por Kerry. Aliás, pesquisa publicada ontem pelo jornal "The Miami Herald", envolvendo não só a Flórida mas toda a comunidade hispânica dos EUA (cerca de 6,9 milhões de eleitores registrados), mostra que Kerry ganha com 61% dos votos, contra 32,8% de Bush.
"Bush só ganha se for por fraude", diz, por exemplo, o colombiano-americano César González, motorista particular, 27 anos de Miami, 60 de idade.

Medo de fraude
Essa hipótese incomoda vivamente o pessoal de Kerry. Ontem, diante do Clark Center, um dos 19 locais de votação antecipada aberto no domingo de Halloween, Kay Harbster, universitária de 23 anos, distribuía buttons com "Kerry/Edwards - A Stronger America" na longa fila de eleitores e cochichava: "Acho que Kerry ganha, mas é preciso tomar cuidado com a possibilidade de fraude. Você sabe como é, o governador é irmão do presidente" (Jeb Bush, o mais jovem do clã Bush).
Desta vez, ao contrário da eleição presidencial de 2000, não haverá, na Flórida, a votação com as máquinas de perfurar cartão, que acabaram entrando para o folclore eleitoral planetário.
O voto será ou em computadores "touch screen" (com o dedo, marca-se o que se quer) ou em máquinas de leitura ótica, parecida com a usada nas caixas de supermercados. Mesmo assim, a estudante Harbster abriga a mesma dúvida de muitos brasileiros que criticam a confiabilidade do sistema eleitoral, com o mesmo argumento, aliás: "O computador não está programado para emitir comprovante de voto", queixa-se a militante democrata.
A hipótese de fraude eleitoral trouxe à Flórida um bom número de observadores internacionais e provocou uma situação inusitada:
"É justiça poética", diz, ironicamente, Roberto Courtney, do grupo Ética e Transparência, um dos observadores internacionais, vindo da Nicarágua, país que tem muito mais prática em ser eleitoralmente vigiado do que em vigiar eleição norte-americana.
Courtney compartilha a preocupação de Harbster: "Em eleições cujo resultado se define por estreita margem, pequenos problemas se tornam grandes", diz.

"Apanhador de cachorros"
Ou seja, ele não imagina um esquema institucionalizado de fraude, mas, para um pleito que, em 2000, se definiu na Flórida por apenas 537 votos (a favor de Bush), qualquer irregularidade pode resultar em distorção gravíssima.
O potencial para distorções é gigantesco, não só na Flórida mas em vários outros Estados, a começar do fato de que cada um dos 50 Estados tem sua própria legislação eleitoral e, dentro deles, cada condado (a menor unidade administrativa) organiza a eleição do jeito que quer. "E o faz partidarizando o processo, seja qual for o partido que controle o condado", diz Courtney, com a experiência de quem já foi observador em eleições de 30 países.
A irregularidade pode ser até não-intencional. Na Flórida, vota-se para presidente e vice, para senador nacional e estadual, para deputado nacional e estadual, para a comissão diretiva do condado, para a Suprema Corte de Justiça, para uma corte de apelação, para um juiz regional, para uma espécie de secretária da Educação e, ainda, em oito emendas constitucionais. "Há Estados em que se vota até para apanhador de cachorros", conta Courtney.
É claro que o processo, eletrônico ou não, acaba sendo lento. O motorista colombiano-americano que votou em Kerry diz que percorreu no total cinco telas de computador, até conseguir completar o voto.
É por isso que a Flórida é um dos Estados que permitiram o voto antecipado, um sucesso de público (até ontem, calcula-se que 20% dos eleitores do condado de Dade, o mais importante de Miami, já haviam votado). O que torna o processo mais lento é a multiplicidade étnica da cidade. No Clark Center, ontem, a convocação para votar antecipadamente vinha em inglês e espanhol, como é natural, dada a comunidade latina, mas pedia também "Vote Pi Bone", ou seja, "vote cedo" em "creole", dialeto haitiano.
Nas calçadas em frente do local de votação, curiosamente só havia seguidores de Kerry fazendo propaganda. O que talvez se explique pelo fato de que, no começo da tarde, os seguidores de Bush estavam seguindo o próprio candidato, que foi à missa na igreja freqüentada por seu irmão governador e depois pediu pela enésima vez: "Se você acha que a América deve lutar a guerra contra o terror com todo o seu poder, peço: fique comigo".
Já o vice de Kerry, John Edwards, também em campanha na Flórida, ecoou as preocupações com a fraude, ao dizer em Jacksonville: "Há forças, forças poderosas, lutando contra a justiça, mas nós faremos com que seus votos sejam contados desta vez".


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