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O IMPÉRIO VOTA / RETA FINAL
Comunidade cubana sinaliza que endurecimento em relação ao ditador cubano vale mais votos que combate ao terrorismo
Em Miami, "não é Osama, é Fidel, estúpido"
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MIAMI
Os 26 anos que leva morando
nos EUA não tiraram o molho caribenho do cubano-americano
Andrés Cruz, 55. Quando a Folha
pergunta a ele, na fila do voto antecipado em Miami, se a aparição
de Osama bin Laden em vídeo, na
sexta-feira, mudaria o seu voto,
ele responde: "Não é Osama, é Fidel Castro, estúpidos".
O slogan "é a economia, estúpidos" foi soprado ao então candidato Bill Clinton, em 1992, para
enfatizar que o que venceria a eleição seria bater no desempenho
econômico do presidente da época, George Bush (pai do atual).
Clinton seguiu a orientação, ganhou, e a frase tornou-se um clássico do marketing político.
Com a sua adaptação da frase,
Andrés Cruz está dizendo que o
que decide o voto na Flórida, pelo
menos para a numerosa comunidade cubana de Miami, é Fidel
Castro. O candidato que parecer
mais decidido a derrubá-lo leva o
voto de Cruz e dos cerca de 750
mil cubanos do Estado da Flórida.
Esse candidato, agora como há
quatro anos, é George W. Bush,
que, em 2000, ficou com 83% dos
votos dessa comunidade.
Ontem, em visita a Miami, Bush
disse, sobre Fidel: "Acredito que o
povo cubano deveria ser libertado
do tirano. Nos próximos quatro
anos continuaremos pressionando fortemente para assegurar que
a liberdade finalmente alcance os
homens e mulheres de Cuba. Não
descansaremos até que os cubanos em Havana desfrutem das
mesmas liberdades dos EUA".
O previsível resultado de vitória
de Bush na comunidade cubana
não quer dizer nada. Primeiro, todas as pesquisas indicam que na
Flórida -o mais importante dos
Estados indefinidos, com seus 27
votos no Colégio Eleitoral-, há
um equilíbrio rigoroso entre Bush
e seu rival democrata John Kerry.
Segundo, o voto cubano já não é
tão esmagadoramente predominante na comunidade latina de
Miami. Hoje, os cubanos são 50%
dos eleitores latinos. A outra metade é formada por porto-riquenhos (principalmente), nicaragüenses, colombianos, dominicanos e mexicanos. Essa fatia, aparentemente, se inclina mais por
Kerry. Aliás, pesquisa publicada
ontem pelo jornal "The Miami
Herald", envolvendo não só a Flórida mas toda a comunidade hispânica dos EUA (cerca de 6,9 milhões de eleitores registrados),
mostra que Kerry ganha com 61%
dos votos, contra 32,8% de Bush.
"Bush só ganha se for por fraude", diz, por exemplo, o colombiano-americano César González,
motorista particular, 27 anos de
Miami, 60 de idade.
Medo de fraude
Essa hipótese incomoda vivamente o pessoal de Kerry. Ontem,
diante do Clark Center, um dos 19
locais de votação antecipada
aberto no domingo de Halloween,
Kay Harbster, universitária de 23
anos, distribuía buttons com
"Kerry/Edwards - A Stronger
America" na longa fila de eleitores
e cochichava: "Acho que Kerry
ganha, mas é preciso tomar cuidado com a possibilidade de fraude. Você sabe como é, o governador é irmão do presidente" (Jeb
Bush, o mais jovem do clã Bush).
Desta vez, ao contrário da eleição presidencial de 2000, não haverá, na Flórida, a votação com as
máquinas de perfurar cartão, que
acabaram entrando para o folclore eleitoral planetário.
O voto será ou em computadores "touch screen" (com o dedo,
marca-se o que se quer) ou em
máquinas de leitura ótica, parecida com a usada nas caixas de supermercados. Mesmo assim, a estudante Harbster abriga a mesma
dúvida de muitos brasileiros que
criticam a confiabilidade do sistema eleitoral, com o mesmo argumento, aliás: "O computador não
está programado para emitir
comprovante de voto", queixa-se
a militante democrata.
A hipótese de fraude eleitoral
trouxe à Flórida um bom número
de observadores internacionais e
provocou uma situação inusitada:
"É justiça poética", diz, ironicamente, Roberto Courtney, do
grupo Ética e Transparência, um
dos observadores internacionais,
vindo da Nicarágua, país que tem
muito mais prática em ser eleitoralmente vigiado do que em vigiar
eleição norte-americana.
Courtney compartilha a preocupação de Harbster: "Em eleições cujo resultado se define por
estreita margem, pequenos problemas se tornam grandes", diz.
"Apanhador de cachorros"
Ou seja, ele não imagina um esquema institucionalizado de fraude, mas, para um pleito que, em
2000, se definiu na Flórida por
apenas 537 votos (a favor de
Bush), qualquer irregularidade
pode resultar em distorção gravíssima.
O potencial para distorções é gigantesco, não só na Flórida mas
em vários outros Estados, a começar do fato de que cada um dos 50
Estados tem sua própria legislação eleitoral e, dentro deles, cada
condado (a menor unidade administrativa) organiza a eleição do
jeito que quer. "E o faz partidarizando o processo, seja qual for o
partido que controle o condado",
diz Courtney, com a experiência
de quem já foi observador em
eleições de 30 países.
A irregularidade pode ser até
não-intencional. Na Flórida, vota-se para presidente e vice, para senador nacional e estadual, para
deputado nacional e estadual, para a comissão diretiva do condado, para a Suprema Corte de Justiça, para uma corte de apelação,
para um juiz regional, para uma
espécie de secretária da Educação
e, ainda, em oito emendas constitucionais. "Há Estados em que se
vota até para apanhador de cachorros", conta Courtney.
É claro que o processo, eletrônico ou não, acaba sendo lento. O
motorista colombiano-americano que votou em Kerry diz que
percorreu no total cinco telas de
computador, até conseguir completar o voto.
É por isso que a Flórida é um
dos Estados que permitiram o voto antecipado, um sucesso de público (até ontem, calcula-se que
20% dos eleitores do condado de
Dade, o mais importante de Miami, já haviam votado). O que torna o processo mais lento é a multiplicidade étnica da cidade. No
Clark Center, ontem, a convocação para votar antecipadamente
vinha em inglês e espanhol, como
é natural, dada a comunidade latina, mas pedia também "Vote Pi
Bone", ou seja, "vote cedo" em
"creole", dialeto haitiano.
Nas calçadas em frente do local
de votação, curiosamente só havia seguidores de Kerry fazendo
propaganda. O que talvez se explique pelo fato de que, no começo
da tarde, os seguidores de Bush
estavam seguindo o próprio candidato, que foi à missa na igreja
freqüentada por seu irmão governador e depois pediu pela enésima vez: "Se você acha que a América deve lutar a guerra contra o
terror com todo o seu poder, peço: fique comigo".
Já o vice de Kerry, John Edwards, também em campanha na
Flórida, ecoou as preocupações
com a fraude, ao dizer em Jacksonville: "Há forças, forças poderosas, lutando contra a justiça,
mas nós faremos com que seus
votos sejam contados desta vez".
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