São Paulo, sábado, 01 de dezembro de 2007

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Filho de Politkovskaia crê que Kremlin quer resolver o caso

DO ENVIADO ESPECIAL A MOSCOU

Aos 29 anos, o relações-públicas Ilia Politkovski se viu lançado do anonimato a uma desconfortável notoriedade: ele é o filho de Anna Politkovskaia, a jornalista investigativa que foi assassinada ao chegar em casa em outubro do ano passado, levantando suspeitas sobre o eventual envolvimento de membros do Exército ou do governo no caso.
Trabalhando parte do tempo em casa, parte numa empresa de marketing em Moscou, Politkovskoi é bem menos assertivo sobre as suspeitas acerca de quem matou sua mãe do que seria correto supor.
"Não tenho a menor idéia de quem fez isso, quem mandou", disse à Folha. Contudo, ele acredita que o esclarecimento do assassinato tornou-se um ponto de honra do governo Putin, que estaria ansioso com a repercussão internacional do incidente.
Indagado por um repórter na Alemanha sobre a importância do assassinato, Putin apenas disse que Politkovskaia não tinha representatividade política. Isso gerou uma onda de críticas. "Para mim é bem pouco usual o fato de que não estou recebendo pressão nenhuma. Isso pode mudar amanhã ou depois, mas é significativo", disse Politkovskoi por telefone.
Ele afirma que o processo, até aqui, está sendo conduzido de uma forma correta, apesar de uma afirmação desastrada do procurador-geral da Rússia, Iuri Tchaika, que, ao anunciar a prisão de dez suspeitos pelo crime neste ano, sugeriu que os mandantes eram conhecidos: oligarcas como Boris Berezovksi, que mora em Londres.
"Não tenho indicações de que haja problemas, não até aqui", afirmou.

Nada melhorou
A jornalista Anna Politkovskaia trabalhava no jornal "Novaya Gazeta" e tinha por especialidade contar histórias humanas de pessoas oprimidas pelo sistema legal russo, além de ter feito uma cobertura crítica da guerra na Tchetchênia.
"Mamãe sabia de muitas coisas. E, de sua morte para cá, nada melhorou no país", afirma o filho, que também tem uma irmã, Vera.
Além das reportagens e textos, alguns explicitamente panfletários, Politkovskaia irritou as autoridades ao agir como mediadora no ataque de rebeldes tchetchenos a um teatro em 2003, que acabou com a morte de 129 reféns, e foi envenenada quando se dirigia para tentar assumir o mesmo papel na tomada da escola de Beslan (Ossétia do Norte), em 2004.
E Putin?
Ilia Politkovskoi repete o argumento que sua mãe escrevera no livro "A Rússia de Putin", uma coletânea de histórias sobre pessoas em dificuldade e sem amparo do Estado: "Ele não tem estatura, a Rússia é muito grande para ele. Ele era um apanhador de espiões, não tem visão", afirma.
No livro, de 2004, a jornalista escrevia em sua introdução: "Por que é difícil sustentar o ponto de vista róseo quando você encara a realidade da Rússia? Porque Putin, um produto do mais tenebroso serviço de inteligência, falhou em transcender suas origens e parar de se comportar como um tenente-coronel da KGB soviética. Ele ainda está ocupado perseguindo seus compatriotas amantes da liberdade."
Paradoxalmente, será nos comunistas tão criticados por sua mãe que Ilia irá votar no domingo. "Eu odeio o Partido Comunista, mas é o único modo de expressar meu protesto contra o Rússia Unida [partido de Putin]. Então, mesmo não gostando deles, do [líder comunista] Gennadi Ziuganov, eu vou votar", disse Politkovski. (IGOR GIELOW)


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