São Paulo, sábado, 01 de dezembro de 2007

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Indonésia tenta mudar imagem de abrigo de radicais

País de maior população islâmica no mundo aproveita reunião ambiental para mostrar ao mundo a "terceira via" religiosa

Atentados recentes e ritmo do desmatamento florestal prejudicam ação do governo para eliminar preconceito que atinge o arquipélago

SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL À INDONÉSIA

Nas últimas semanas, adversários do senador americano Barack Obama, pré-candidato à sucessão de George W. Bush e um dos quatro mais bem colocados na corrida presidencial, iniciaram uma campanha de difamação. Eles dizem que o democrata seria uma "criação muçulmana", plantada por radicais islâmicos para tomar a Casa Branca. Eleito, afirmam, fará o juramento inaugural usando um Corão, o livro sagrado muçulmano, e não uma Bíblia. A prova? A "madrassa" -escola islâmica- em que Obama estudou quando criança em Jacarta, na Indonésia.
Há diversas mentiras na história. Lolo Soetoro, o padrasto de Obama, era mesmo muçulmano da Indonésia, e o senador chegou a ir a mesquitas no arquipélago asiático, onde passou parte da infância, nos anos 60. Mas ele foi criado por uma mãe do Kansas religiosamente relapsa, num lar secular. Hoje, o político segue a igreja evangélica Unida de Cristo. Bastava uma visita ao local em questão, a escola de primeiro grau Menteng, para derrubar o mito. Situada em Besuki, bairro de classe média de Jacarta, a escola é freqüentada por filhos da elite local e de executivos e diplomatas estrangeiros. Há de católicos a budistas, e o time de basquete é apoiado por garotas de minissaia.

Islã do futuro
O preconceito maior, no entanto, é com o país. Por ter a maior população de muçulmanos do mundo -86% dos 234 milhões de habitantes-, a Indonésia luta para mudar sua imagem de celeiro de terroristas islâmicos. Para tanto, o governo de Susilo Bambang Yudhoyono, no poder desde 2004, montou uma estratégia com dois pilares.
O primeiro é aproveitar o saldo de boa vontade mundial com que o país ainda conta desde o tsunami de 2004, que atingiu principalmente essa região, deixando 250 mil vítimas e US$ 3 bilhões em prejuízo. O segundo é usar a vitrine que virará sua principal locação turística, a ilha de Bali, ao sediar a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, que começa na segunda-feira, para vender o que está sendo chamado internamente de "o islã do futuro".
Para tanto, times de diferentes áreas governamentais foram mobilizados para mostrar ao mundo o que Eddi Hariyadhi define à Folha como "a terceira via religiosa". Para o embaixador da Indonésia para a Europa e as Américas, o país inova por não ter nem o peso do Estado islâmico de lugares como o Irã nem o autoritarismo da maioria dos governos de países árabes.
A reportagem visitou tanto o maior templo budista do Sudeste Asiático, Borobudur, na Província de Yokyakarta, no centro-sul, quanto o chinês Sam Po Kong, em Semarang, na costa norte. Ambos ficam na ilha de Java, a de maior densidade populacional do arquipélago. No segundo, encontrou o octogenário Prawira Wijaya, que disse freqüentar o local todos os dias, sem problemas.
A sensação é amparada por números. Levantamento do Instituto de Pesquisa Indonésio do mês passado conclui que a maioria quer um governo secular. Dos ouvidos, 57% discordam do uso dos valores islâmicos na política, ante 33% a favor. Aumentou a porcentagem dos que apóiam candidatas mulheres à Presidência (41%, ante 30% em 2006), e o número dos que apóiam organizações islâmicas políticas continua residual (13%). "Isso mostra que tais grupos atraem uma parcela ainda pequena da população", disse Saiful Mujani, diretor do instituto.
"Mostra ainda que, uma vez envolvidos em política, eles têm de secularizar-se para conseguir votos, o que elimina seus elementos mais radicais." O problema é que a estratégia oficial apresenta falhas nos dois pilares. Embora a tolerância religiosa indonésia tenha sido elogiada já nos anos 50 por gente insuspeita como o recém-falecido antropólogo Clifford Geertz (1926-2006), de Princeton, grupos radicais começam a surgir e a agir. O principal é o Jemaah Islamiyah, apontado como responsável pelo ataque terrorista de Bali em 2002, que matou 202 pessoas. É acusado também pelos ataques ao hotel Marriott no ano seguinte, em Jacarta, com 12 mortos; à embaixada australiana em 2004, também na capital, com oito vítimas; e ao segundo ataque a Bali, em 2005, com 20 mortos. São exceções; foram presos e isolados, responde o chefe nacional de polícia, general Sutanto.

Ambiente
A outra questão é ecológica. O país foi bastante criticado no último relatório anual de desenvolvimento humano da ONU na questão dos biocombustíveis. Aqui, a matéria-prima é o óleo de palmeira, o que estaria devastando o pouco que resta da floresta original. Junto da Malásia, o país é responsável por 90% da produção mundial desse biocombustível. E é também o terceiro maior emissor global de gás carbônico, atrás apenas dos EUA e da China.
"Desmatar para dar lugar à monocultura em larga escala de grãos energéticos ofusca as credenciais verdes dos biocombustíveis", diz o texto, após referir-se à Indonésia. O problema é econômico, diz Hadi Soesastro, diretor-fundador do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais. "Sem biocombustível, faltam empregos."


O jornalista SÉRGIO DÁVILA viajou a convite da Chancelaria da Indonésia


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