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Brasil já começa a recuar sobre eleição hondurenha
Mudança de posição é condicionada ao envio de "sinais fortes" por Porfirio Lobo
Cúpula Ibero-Americana tentar escapar de juízo de valor sobre o pleito, pela evidência de que a votação criou um fato novo na crise
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A PORTUGAL
A eleição de domingo em
Honduras provocou visível
mudança no humor da comunidade internacional, pelo menos
da parte dela que é a Comunidade Ibero-Americana e está
reunida no Estoril, a ponto de o
governo brasileiro, até aqui inflexível, começar a admitir uma
mudança de posição desde que
o presidente eleito, Porfirio Lobo, envie "sinais fortes" de disposição para o diálogo e a restituição da democracia.
É o que diz Marco Aurélio
Garcia, assessor diplomático do
presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, depois de, como é óbvio,
reiterar a condenação ao golpe,
a um processo eleitoral "feito
sob estado de sítio aberto ou
disfarçado" e ao risco que representa "branquear" o golpe
pela via eleitoral.
Depois das reafirmações,
Marco Aurélio, como todos,
aceita que fatos novos podem
exigir posições novas, para o
que, no entanto, o governo brasileiro espera também a manifestação do presidente deposto,
Manuel Zelaya.
A julgar pelo que disse em
Portugal Patrícia Rodas, que
era a chanceler de Zelaya e representou seu país na cúpula, a
manifestação será igualmente
mais flexível: "A eleição foi espúria e inaceitável, mas os atores políticos são reais e devem
ser parte de qualquer ação que
leve ao diálogo, sem o que não
será possível um panorama de
reconciliação".
O único ator relevante que
Rodas exclui do diálogo é Roberto Micheletti, o presidente
golpista.
A tese do diálogo apareceu
também no discurso do presidente do governo espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero,
que pediu "um grande consenso", para o que a comunidade
internacional colaboraria com
uma "posição construtiva".
Patrícia Rodas fala igualmente em "uma plataforma da comunidade internacional" para
ajudar no processo hondurenho, mas não a definiu objetivamente.
Marco Aurélio Garcia, de sua
parte, quer que o caso hondurenho retorne à OEA (Organização dos Estados Americanos),
que foi absolutamente incapaz
de achar uma saída nos cinco
meses de negociações e impasses após o golpe.
O caso Honduras acabou se
tornando assunto virtualmente
único na 19ª Cúpula Ibero-Americana, em tese dedicada
ao tema "Inovação e Conhecimento".
Mas não havia, até o início da
noite de ontem, consenso para
que a presidência do evento, a
cargo de Portugal, emitisse
uma declaração sobre a situação em Honduras.
A tendência era tentar escapar de santificar ou demonizar
o processo eleitoral para pensar além dele, pela evidência de
que criou um fato novo.
"Uma situação diferente desperta sensibilidades diferentes", resumiu Luís Amado, o
chanceler de Portugal e, como
tal, anfitrião do encontro.
Mas a mudança na "sensibilidade" não foi suficiente para alterar a divisão que já havia sobre a aceitação ou não da eleição. O governo brasileiro contabiliza uma maioria contra a
aceitação do processo, mas o
presidente da Costa Rica, Óscar
Arias, defendeu publicamente
o reconhecimento do fato novo.
Sem mencionar o Brasil, Arias
criticou a "hipocrisia" dos que
aceitaram a reeleição de Mahmoud Ahmadinejad, no Irã,
mas se negam a fazer o mesmo
em Honduras.
Marco Aurélio reagiu com indignação, dizendo que Arias fora "impertinente e indelicado".
Alega que o Brasil não está
questionando se a eleição hondurenha foi ou não fraudulenta, que é a acusação que se faz
no caso iraniano, mas reage à
tentativa de "branquear" o golpe de Estado.
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