São Paulo, terça-feira, 01 de dezembro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Brasil já começa a recuar sobre eleição hondurenha

Mudança de posição é condicionada ao envio de "sinais fortes" por Porfirio Lobo

Cúpula Ibero-Americana tentar escapar de juízo de valor sobre o pleito, pela evidência de que a votação criou um fato novo na crise

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A PORTUGAL

A eleição de domingo em Honduras provocou visível mudança no humor da comunidade internacional, pelo menos da parte dela que é a Comunidade Ibero-Americana e está reunida no Estoril, a ponto de o governo brasileiro, até aqui inflexível, começar a admitir uma mudança de posição desde que o presidente eleito, Porfirio Lobo, envie "sinais fortes" de disposição para o diálogo e a restituição da democracia.
É o que diz Marco Aurélio Garcia, assessor diplomático do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, depois de, como é óbvio, reiterar a condenação ao golpe, a um processo eleitoral "feito sob estado de sítio aberto ou disfarçado" e ao risco que representa "branquear" o golpe pela via eleitoral.
Depois das reafirmações, Marco Aurélio, como todos, aceita que fatos novos podem exigir posições novas, para o que, no entanto, o governo brasileiro espera também a manifestação do presidente deposto, Manuel Zelaya.
A julgar pelo que disse em Portugal Patrícia Rodas, que era a chanceler de Zelaya e representou seu país na cúpula, a manifestação será igualmente mais flexível: "A eleição foi espúria e inaceitável, mas os atores políticos são reais e devem ser parte de qualquer ação que leve ao diálogo, sem o que não será possível um panorama de reconciliação".
O único ator relevante que Rodas exclui do diálogo é Roberto Micheletti, o presidente golpista.
A tese do diálogo apareceu também no discurso do presidente do governo espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero, que pediu "um grande consenso", para o que a comunidade internacional colaboraria com uma "posição construtiva".
Patrícia Rodas fala igualmente em "uma plataforma da comunidade internacional" para ajudar no processo hondurenho, mas não a definiu objetivamente.
Marco Aurélio Garcia, de sua parte, quer que o caso hondurenho retorne à OEA (Organização dos Estados Americanos), que foi absolutamente incapaz de achar uma saída nos cinco meses de negociações e impasses após o golpe.
O caso Honduras acabou se tornando assunto virtualmente único na 19ª Cúpula Ibero-Americana, em tese dedicada ao tema "Inovação e Conhecimento".
Mas não havia, até o início da noite de ontem, consenso para que a presidência do evento, a cargo de Portugal, emitisse uma declaração sobre a situação em Honduras.
A tendência era tentar escapar de santificar ou demonizar o processo eleitoral para pensar além dele, pela evidência de que criou um fato novo.
"Uma situação diferente desperta sensibilidades diferentes", resumiu Luís Amado, o chanceler de Portugal e, como tal, anfitrião do encontro.
Mas a mudança na "sensibilidade" não foi suficiente para alterar a divisão que já havia sobre a aceitação ou não da eleição. O governo brasileiro contabiliza uma maioria contra a aceitação do processo, mas o presidente da Costa Rica, Óscar Arias, defendeu publicamente o reconhecimento do fato novo. Sem mencionar o Brasil, Arias criticou a "hipocrisia" dos que aceitaram a reeleição de Mahmoud Ahmadinejad, no Irã, mas se negam a fazer o mesmo em Honduras.
Marco Aurélio reagiu com indignação, dizendo que Arias fora "impertinente e indelicado". Alega que o Brasil não está questionando se a eleição hondurenha foi ou não fraudulenta, que é a acusação que se faz no caso iraniano, mas reage à tentativa de "branquear" o golpe de Estado.


Texto Anterior: OEA diz que pode dialogar com eleito
Próximo Texto: Análise: Política americana se moveu; brasileira parou
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.