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HÁ MIL ANOS
Silvestre 2º, pontífice durante a passagem de 999 para 1000, está esquecido em basílica de Roma
Festejos ignoram o papa do ano 1000
do enviado especial a Roma
Ele poderia ser uma vedete do
Grande Jubileu do cristianismo,
mas permanece esquecido, como
sempre, na basílica romana de
São João de Latrão. No ano 2000,
Roma ignora Silvestre 2º, o papa
do ano 1000.
"Eu não tinha a menor idéia de
quem estava sepultado ali", disse
à Folha a turista italiana Vania
Mastroiaco, 34, que visitava a basílica, uma das quatro de Roma.
"É estranho que não se fale nada
sobre ele." É realmente estranho.
Há uma inscrição na sua tumba,
de mármore laranja, localizada na
segunda coluna à direita da nave
central da igreja. Está em latim.
Relata algumas passagens de
sua vida, como a coroação de Estevão, o primeiro rei da Hungria,
no Natal do ano 1000. E termina
dizendo: "ano de óbito 1003".
Guias turísticos profissionais
circulavam pela basílica descrevendo a grupos de várias nacionalidades os detalhes barrocos ou
falando sobre outros mortos célebres ali enterrados, como o papa
Bonifácio 8º, que instituiu o primeiro jubileu, em 1300. Mas nada
sobre Silvestre 2º.
O comitê de organização do Jubileu informou à Folha que simplesmente não foi prevista nenhuma celebração dele.
Há referências breves ao hóspede milenar em guias e folhetos sobre a basílica, vendidos na loja de
souvenir, mas quem tem tempo
de ler hoje em dia numa viagem
estilo "fast food"? É exatamente
assim a peregrinação de Vania.
Ela ficará só três dias em Roma.
Tem de ir ao Vaticano, passar
pelos demais locais históricos da
cidade e fazer compras. Tudo em
meio ao caótico trânsito romano,
prejudicado por algumas obras
inacabadas.
Mas, apesar do desinteresse geral pelo passado e da dificuldade
de compreendê-lo, vale a pena conhecer Silvestre 2º, que ilustra
bem como a Igreja Católica mudou tanto e, ao mesmo tempo, tão
pouco nos últimos mil anos.
História
Considerado um dos homens
mais cultos de seu tempo, Gerbert
de Aurillac nasceu na França por
volta de 945 e estudou na Espanha
e na Itália.
Sob a proteção do imperador
Oto 2º (do Sacro Império Romano-Germânico, que dominava
parte da Europa), chegou a arcebispo de Reims (França) e tutor
do futuro imperador Oto 3º, a
quem acompanhou na sua coroação na Itália, em 996.
Com a morte de Gregório 5º,
Gerbert foi eleito papa sob a indicação de Oto 3º (na época, era comum que o papa fosse indicado
por autoridades seculares, como
o imperador ou famílias nobres).
Primeiro papa francês (como
João Paulo 2º é o primeiro papa
eslavo), ele assumiu como Silvestre 2º. O nome é significativo.
Com seu pupilo, o imperador,
ele esperava refazer a aliança de
Silvestre 1º com Constantino, o
primeiro imperador romano cristão, reunindo novamente os cristãos (inclusive os ortodoxos)
num mesmo reino e sob uma única liderança religiosa.
Fracassou. O papa tenta até hoje
a reaproximação com os ortodoxos, que rejeitam a sua primazia.
Proselitista, missionário e viajante, como João Paulo 2º, Silvestre 2º expandiu a presença católica no leste europeu. Matemático e
filósofo, é atribuída a ele a invenção do órgão e do relógio de pêndulo, além da introdução dos algarismos arábicos na Europa.
Como João Paulo 2º, ele reforçou o poder do papado. Popular
na Idade Média, sobrevive até hoje a lenda de que sua tumba "sua",
fica molhada, quando um papa
está para morrer. Por curiosidade, a reportagem da Folha constatou que ela estava bem seca.
(HUMBERTO SACCOMANDI)
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