São Paulo, Domingo, 02 de Janeiro de 2000


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HÁ MIL ANOS
Silvestre 2º, pontífice durante a passagem de 999 para 1000, está esquecido em basílica de Roma
Festejos ignoram o papa do ano 1000

do enviado especial a Roma

Ele poderia ser uma vedete do Grande Jubileu do cristianismo, mas permanece esquecido, como sempre, na basílica romana de São João de Latrão. No ano 2000, Roma ignora Silvestre 2º, o papa do ano 1000.
"Eu não tinha a menor idéia de quem estava sepultado ali", disse à Folha a turista italiana Vania Mastroiaco, 34, que visitava a basílica, uma das quatro de Roma.
"É estranho que não se fale nada sobre ele." É realmente estranho. Há uma inscrição na sua tumba, de mármore laranja, localizada na segunda coluna à direita da nave central da igreja. Está em latim.
Relata algumas passagens de sua vida, como a coroação de Estevão, o primeiro rei da Hungria, no Natal do ano 1000. E termina dizendo: "ano de óbito 1003".
Guias turísticos profissionais circulavam pela basílica descrevendo a grupos de várias nacionalidades os detalhes barrocos ou falando sobre outros mortos célebres ali enterrados, como o papa Bonifácio 8º, que instituiu o primeiro jubileu, em 1300. Mas nada sobre Silvestre 2º.
O comitê de organização do Jubileu informou à Folha que simplesmente não foi prevista nenhuma celebração dele.
Há referências breves ao hóspede milenar em guias e folhetos sobre a basílica, vendidos na loja de souvenir, mas quem tem tempo de ler hoje em dia numa viagem estilo "fast food"? É exatamente assim a peregrinação de Vania. Ela ficará só três dias em Roma.
Tem de ir ao Vaticano, passar pelos demais locais históricos da cidade e fazer compras. Tudo em meio ao caótico trânsito romano, prejudicado por algumas obras inacabadas.
Mas, apesar do desinteresse geral pelo passado e da dificuldade de compreendê-lo, vale a pena conhecer Silvestre 2º, que ilustra bem como a Igreja Católica mudou tanto e, ao mesmo tempo, tão pouco nos últimos mil anos.

História
Considerado um dos homens mais cultos de seu tempo, Gerbert de Aurillac nasceu na França por volta de 945 e estudou na Espanha e na Itália.
Sob a proteção do imperador Oto 2º (do Sacro Império Romano-Germânico, que dominava parte da Europa), chegou a arcebispo de Reims (França) e tutor do futuro imperador Oto 3º, a quem acompanhou na sua coroação na Itália, em 996.
Com a morte de Gregório 5º, Gerbert foi eleito papa sob a indicação de Oto 3º (na época, era comum que o papa fosse indicado por autoridades seculares, como o imperador ou famílias nobres).
Primeiro papa francês (como João Paulo 2º é o primeiro papa eslavo), ele assumiu como Silvestre 2º. O nome é significativo.
Com seu pupilo, o imperador, ele esperava refazer a aliança de Silvestre 1º com Constantino, o primeiro imperador romano cristão, reunindo novamente os cristãos (inclusive os ortodoxos) num mesmo reino e sob uma única liderança religiosa.
Fracassou. O papa tenta até hoje a reaproximação com os ortodoxos, que rejeitam a sua primazia.
Proselitista, missionário e viajante, como João Paulo 2º, Silvestre 2º expandiu a presença católica no leste europeu. Matemático e filósofo, é atribuída a ele a invenção do órgão e do relógio de pêndulo, além da introdução dos algarismos arábicos na Europa.
Como João Paulo 2º, ele reforçou o poder do papado. Popular na Idade Média, sobrevive até hoje a lenda de que sua tumba "sua", fica molhada, quando um papa está para morrer. Por curiosidade, a reportagem da Folha constatou que ela estava bem seca. (HUMBERTO SACCOMANDI)



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