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A AGONIA DO PAPA
Documento de 1996 determina escrutínio secreto e permite eleição por maioria simples caso não haja maioria de dois terços
Papa alterou regras para escolher sucessor
PAULO DANIEL FARAH
ESPECIAL PARA A FOLHA
O papa João Paulo 2º mudou as
diretrizes para a eleição de um novo líder católico numa constituição apostólica (documento utilizado para promulgar leis) que foi
idealizada a fim de facilitar esse
processo e favorecer que seu sucessor seja conservador.
Após a morte de um papa -cuja confirmação envolve um ritual
em que, entre outros atos, seu nome de batismo é pronunciado três
vezes para verificar se não há nenhuma reação dele-, os cardeais
têm um prazo de 15 dias para se
deslocar até Roma para participar
de uma reunião denominada
conclave, palavra que vem do latim "cum clave" (com chave).
A tradição de trancar os cardeais em um local específico remonta ao século 13. O conclave foi
criado em 1271, em Viterbo,
quando as autoridades e moradores, cansados da espera de dois
anos e nove meses para a eleição
de um novo papa, prenderam os
cardeais em seus alojamentos e
retiraram o teto do edifício, expondo-os a sol e chuva e forçando-os a escolher um sucessor.
Até então, o papa era escolhido
pelo clero e pela população de Roma, embora funcionários civis e
militares dispusessem por vezes
de grande influência. A aprovação
do imperador bizantino era essencial para a consagração de um
papa recém-eleito.
O artigo 42 da constituição
apostólica "Universi Dominici
Gregis", promulgada por Karol
Wojtyla em 1996, afirma que, "no
momento estabelecido para o início do processo de eleição do Sumo Pontífice, todos os cardeais
eleitores deverão ter recebido
uma acomodação conveniente na
chamada Domus Sanctae Marthae", a Casa Santa Marta, restaurada no Vaticano para abrigar os
cardeais durante o conclave.
Mudanças
Apenas os cardeais com menos
de 80 anos estão aptos a votar, e o
número máximo deles não pode
-teoricamente- ultrapassar
120. Atualmente, eles são 117.
Em 1996, Wojtyla também extinguiu a eleição por aclamação
ou inspiração e determinou o escrutínio secreto, do qual todos os
eleitores participam.
Antes de 1996, o papa era eleito
por aclamação ou inspiração se os
cardeais eleitores, "como iluminados pelo Espírito Santo, livre e
espontaneamente, proclamam-se, por unanimidade e de viva voz,
Sumo Pontífice" (constituição
apostólica Romano Pontifici Eligendo, artigo 63).
No escrutínio, a princípio é preciso haver maioria de dois terços
do total de eleitores presentes para que a eleição seja válida. Caso
isso não aconteça, a eleição pode
ser validada com maioria simples.
Acredita-se que o objetivo de
permitir uma maioria simples tenha sido o de beneficiar os cardeais conservadores para que, caso seja difícil inicialmente obter
dois terços dos votos, um candidato dessa ala seja favorecido. Na
prática, não existe a necessidade
de buscar um consenso amplo como anteriormente.
Outra alteração importante que
a constituição apostólica "Universi Dominici Gregis" estabelece diz
respeito à participação do papa na
escolha de seu sucessor. O artigo
79 diz: "Confirmando as prescrições de meus predecessores, eu da
mesma forma proíbo qualquer
um, mesmo se for um cardeal, durante a vida do papa e sem consultá-lo, de fazer planos para a eleição do seu sucessor, ou prometer
votos ou tomar decisões a esse
respeito em encontros privados".
O trecho "sem consultá-lo [ao
papa]" faz diferença na medida
em que abre caminho para que os
cardeais façam planos em torno
do próximo líder católico -desde que com o aval do papa.
Durante o conclave, exige-se sigilo absoluto dos cardeais, e a Capela Sistina, onde ocorre a votação, é rastreada eletronicamente
antes da eleição, de modo a manter total privacidade. Celulares
são proibidos, assim como televisão e internet.
Paulo Daniel Farah é professor na
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da USP
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