São Paulo, sábado, 02 de abril de 2005

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A AGONIA DO PAPA

Documento de 1996 determina escrutínio secreto e permite eleição por maioria simples caso não haja maioria de dois terços

Papa alterou regras para escolher sucessor

PAULO DANIEL FARAH
ESPECIAL PARA A FOLHA

O papa João Paulo 2º mudou as diretrizes para a eleição de um novo líder católico numa constituição apostólica (documento utilizado para promulgar leis) que foi idealizada a fim de facilitar esse processo e favorecer que seu sucessor seja conservador.
Após a morte de um papa -cuja confirmação envolve um ritual em que, entre outros atos, seu nome de batismo é pronunciado três vezes para verificar se não há nenhuma reação dele-, os cardeais têm um prazo de 15 dias para se deslocar até Roma para participar de uma reunião denominada conclave, palavra que vem do latim "cum clave" (com chave).
A tradição de trancar os cardeais em um local específico remonta ao século 13. O conclave foi criado em 1271, em Viterbo, quando as autoridades e moradores, cansados da espera de dois anos e nove meses para a eleição de um novo papa, prenderam os cardeais em seus alojamentos e retiraram o teto do edifício, expondo-os a sol e chuva e forçando-os a escolher um sucessor.
Até então, o papa era escolhido pelo clero e pela população de Roma, embora funcionários civis e militares dispusessem por vezes de grande influência. A aprovação do imperador bizantino era essencial para a consagração de um papa recém-eleito.
O artigo 42 da constituição apostólica "Universi Dominici Gregis", promulgada por Karol Wojtyla em 1996, afirma que, "no momento estabelecido para o início do processo de eleição do Sumo Pontífice, todos os cardeais eleitores deverão ter recebido uma acomodação conveniente na chamada Domus Sanctae Marthae", a Casa Santa Marta, restaurada no Vaticano para abrigar os cardeais durante o conclave.

Mudanças
Apenas os cardeais com menos de 80 anos estão aptos a votar, e o número máximo deles não pode -teoricamente- ultrapassar 120. Atualmente, eles são 117.
Em 1996, Wojtyla também extinguiu a eleição por aclamação ou inspiração e determinou o escrutínio secreto, do qual todos os eleitores participam.
Antes de 1996, o papa era eleito por aclamação ou inspiração se os cardeais eleitores, "como iluminados pelo Espírito Santo, livre e espontaneamente, proclamam-se, por unanimidade e de viva voz, Sumo Pontífice" (constituição apostólica Romano Pontifici Eligendo, artigo 63).
No escrutínio, a princípio é preciso haver maioria de dois terços do total de eleitores presentes para que a eleição seja válida. Caso isso não aconteça, a eleição pode ser validada com maioria simples.
Acredita-se que o objetivo de permitir uma maioria simples tenha sido o de beneficiar os cardeais conservadores para que, caso seja difícil inicialmente obter dois terços dos votos, um candidato dessa ala seja favorecido. Na prática, não existe a necessidade de buscar um consenso amplo como anteriormente.
Outra alteração importante que a constituição apostólica "Universi Dominici Gregis" estabelece diz respeito à participação do papa na escolha de seu sucessor. O artigo 79 diz: "Confirmando as prescrições de meus predecessores, eu da mesma forma proíbo qualquer um, mesmo se for um cardeal, durante a vida do papa e sem consultá-lo, de fazer planos para a eleição do seu sucessor, ou prometer votos ou tomar decisões a esse respeito em encontros privados".
O trecho "sem consultá-lo [ao papa]" faz diferença na medida em que abre caminho para que os cardeais façam planos em torno do próximo líder católico -desde que com o aval do papa.
Durante o conclave, exige-se sigilo absoluto dos cardeais, e a Capela Sistina, onde ocorre a votação, é rastreada eletronicamente antes da eleição, de modo a manter total privacidade. Celulares são proibidos, assim como televisão e internet.


Paulo Daniel Farah é professor na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP


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