São Paulo, sexta-feira, 02 de maio de 2008

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Bolívia toma controle de hidrocarbonetos

Morales anuncia que Estado passa a ser maior acionista de quatro empresas do setor, completando processo iniciado em 2006

Decisão engloba campos onde é produzido quase todo o gás exportado para o Brasil; empresa telefônica também é nacionalizada

FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A SANTA CRUZ DE LA SIERRA

O governo Evo Morales anunciou ontem a retomada do controle acionário de quatro empresas do setor de hidrocarbonetos, das quais duas são estratégicas para a exportação de gás para o Brasil. O presidente boliviano também decretou a nacionalização da Entel, a maior telefônica do país, pertencente à Telecom Itália.
Das cinco empresas, apenas a Andina, controlada pela hispano-argentina Repsol-YPF, chegou a um acordo com o governo. As demais tiveram o decreto de nacionalização assinado por Morales na praça Murillo, centro da capital La Paz, diante de uma pequena multidão que celebrava o Dia do Trabalho.
"A partir de hoje, o Estado tem 50% mais um das ações de todas as nossas empresas chamadas capitalizadas do setor de hidrocarbonetos", discursou Morales, do alto de um palanque. "A partir deste momento, a YPFB [estatal boliviana] se prepara não apenas para a administração e operação como também para a exploração e perfuração de novos campos para a nossa querida Bolívia."
Pouco antes, uma cerimônia no Palácio Quemado (sede do governo) havia reunido Morales e representantes da Repsol. Pelo acordo, a YPFB comprou 1,08% das ações, o suficiente para chegar aos 51% do total. A operação custou US$ 6 milhões, segundo o governo.
No ato, Morales elogiou o "desprendimento" da Repsol. "Ratificamos que queremos sócios e não donos de nossos recursos", disse.
Já o representante da Repsol na Bolívia, Tomás García, disse que a empresa entra numa "nova etapa, que pode ser um exemplo de sinergia e trabalho de equipe entre uma companhia estatal e uma privada".

Efeito para o Brasil
A Andina detém 50% dos megacampos de San Antonio e San Alberto, responsáveis pela produção de quase todo o gás enviado ao Brasil. Ambos são operados pela Petrobras, que possui 35% de cada um.
Já as empresas do setor de hidrocarbonetos que não chegaram a um acordo com governo são a Chaco (British Petroleum, britânica), a Transredes (Ashmore, britânica) e a CLHB (Companhia Logística de Hidrocarbonetos Boliviana), de capitais alemães e peruanos.
Dessas, a mais estratégica para o Brasil é a Transredes, que controla 51% do lado boliviano do gasoduto Brasil-Bolívia (557 km), administrado pela GTB (Gás Transboliviano). A empresa é também sócia minoritária do lado brasileiro do gasoduto (cerca de 2.500 km), com participação de 12%.
Anteontem à noite, a polícia boliviana cercou a sede da Transredes, em Santa Cruz. Durante o dia de ontem, cinco policiais permaneciam na entrada da empresa com ordens para revisar veículos e impedir a saída de documentos.
Procurada pela Folha, a Transredes informou que ainda estava analisando o decreto de nacionalização e que as operações da empresa não sofreram alterações ontem.
O controle acionário das quatro empresas do setor de hidrocarbonetos estava previsto desde o decreto de nacionalização assinado em 1º de maio de 2006 por Morales.
A volta das quatro empresas às mãos do Estado é a última parte a ser implementada do decreto de nacionalização de 2006. No final daquele ano, o governo boliviano assinou novos contratos de exploração de gás e, há cerca de um ano, retomou as duas refinarias que pertenciam à Petrobras.
A principal surpresa do dia foi a nacionalização da Entel, a maior empresa de telecomunicação do país, privatizada há 12 anos. Desde o ano passado, o Estado boliviano e a Telecom Itália travam uma batalha judicial pelo controle acionário de 47% das ações pertencentes a fundos de pensão. Ao justificar a decisão, Morales disse que a empresa se recusou a negociar.
As nacionalizações de Morales foram anunciadas três dias antes do referendo sobre autonomia convocado pelo oposicionista departamento de Santa Cruz, cujo resultado pode fragilizar a força política do presidente boliviano.


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