São Paulo, domingo, 02 de maio de 2010

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Bandidos se aproveitam do caos em Darfur

Violência diminuiu em relação aos primeiros anos do conflito, mas ONU alerta para a "subdivisão dos grupos armados"

Disputa étnica em região sudanesa deixou até agora 300 mil mortos, a maioria vítima de ação de árabes armados pelo governo


FÁBIO ZANINI
ENVIADO ESPECIAL A EL FASHER (SUDÃO)

Do alto, as vilas queimadas no deserto de Darfur lembram conchas na areia da praia, mas hoje a chance de serem obra de bandidos comuns aproveitando-se do caos generalizado é grande -talvez até mais do que um resultado da disputa étnica que originou o conflito nessa região no oeste do Sudão.
Ao completar sete anos, o primeiro genocídio do século 21 (segundo os EUA e a maioria das ONGs; a ONU reluta em usar o termo) entrou numa nova fase, mais complexa.
"O maior problema para nós hoje é a subdivisão dos grupos armados, às vezes até níveis ridiculamente pequenos. Alguns não passam de uma dúzia de caras com alguns rifles AK-47 e um telefone por satélite", afirma Kemal Saiki, diretor de Comunicação Pública da Unamid, a missão de paz mista da ONU e União Africana.
Até hoje são 300 mil mortos e 2,7 milhões de refugiados, lotando 200 campos nos três Estados que compõem a região de Darfur e no vizinho Chade.
A maioria é vítima de uma ação de árabes pastoralistas, armados pelo governo do Sudão, contra agricultores negros de tribos fur, de onde a região tirou o nome (literalmente, significa "casa dos fur").
Em cavalos, camelos, carros ou aviões, essas milícias popularizaram o nome janjaweed ("os que andam a cavalo") e o tornaram tão simbólico da matança em Darfur quanto foram a interahamwe em Ruanda ou as SS na Alemanha nazista.
O governo sudanês nega que tenha patrocinado uma ação orquestrada e reconhece "apenas" 10 mil mortos. Mas as evidências são tantas que o ditador Omar al Bashir foi indiciado no ano passado pelo Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra e contra a humanidade (a acusação de genocídio ainda pode ser incluída).
As mortes começaram em 2003, após o surgimento de dois grupos que pegaram em armas para reagir ao avanço de criadores de camelo e gado árabes sobre suas escassas terras férteis. Darfur assiste a um processo de desertificação, e por esse motivo alguns chamam o conflito de "a primeira guerra ecológica da história". O governo reagiu, armou os janjaweed e investiu contra civis.

Paz só no papel
Após anos de guerra, acordos de paz foram assinados com os dois grupos rebeldes originais, o Movimento Justiça e Igualdade e o Movimento de Libertação do Sudão. Mas a violência agora é fragmentada. Células rebeldes continuam operando. As cadeias de comando e hierarquia são frágeis, e acordos de paz são ignorados.
Do lado árabe, janjaweed insatisfeitos por não terem sido recompensados pelo governo fazem terrorismo avulso. Suspeita-se que um grupo desses esteja por trás do sequestro de quatro capacetes azuis sul-africanos, no início de abril.
Há ainda violência "comum", com sequestradores em busca de resgate, muitos deles veteranos da campanha de extermínio, vagando pela região.
Outra dor de cabeça para a missão de paz internacional é a rivalidade entre criadores de camelo e de gado, pelo mesmo motivo -pastagens. Detalhe: ambos os grupos são árabes.
A ONU, que tem 14 mil homens na região, comemora "só" 3.000 mortes violentas em 2009. Numa população de 7 milhões, é uma proporção ainda alta (42 para cada 100 mil habitantes, ou quatro vezes a de São Paulo), mas está longe das dezenas de milhares registradas nos primeiros anos do conflito. "Temos agora uma guerra de baixa intensidade", diz Saiki.


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