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São Paulo, segunda-feira, 02 de junho de 2003

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EUA

Votação deve eliminar restrições ao poder de grandes grupos de comunicação, que terão mais liberdade para absorver concorrentes

EUA devem liberar concentração na mídia

ROBERTO DIAS
DE NOVA YORK

RENATA LO PRETE
DA REPORTAGEM LOCAL

O governo dos EUA deverá iniciar hoje um processo destinado a transformar de forma radical o principal mercado de mídia do mundo.
Selada a mudança, cairão limites importantes ao poder dos grandes grupos de comunicação do país, que terão mais liberdade para absorver concorrentes e criar novos braços com jornais e emissoras de TV e rádio.
A senha para a reviravolta deverá ser dada numa reunião em Washington, na sede da FCC (Federal Communications Commission), a agência responsável por regulamentar o setor.
Espera-se que os cinco membros da FCC aprovem, por 3 votos a 2, alterações para permitir:
1) Nas cidades médias e grandes, a chamada "propriedade cruzada" de meios de comunicação -como operar um jornal e uma emissora de TV;
2) Que uma empresa possua emissoras de televisão que alcancem até 45% do público dos EUA, contra um limite atual de 35%;
3) Que um grupo tenha duas ou até três TVs na mesma cidade.
Tais mudanças derrubam regras estabelecidas nos anos 1970 ou até antes como forma de evitar o monopólio da informação.
O lado favorável é encabeçado por Michael Powell, presidente da FCC e filho do secretário de Estado, Colin Powell. Estão com ele os dois outros membros republicanos (partido do governo) da comissão e os principais conglomerados de comunicação dos EUA.

Era do cabo
Powell argumenta que a atual legislação foi concebida antes da era dos canais a cabo. Se as regras não mudarem, diz, as TVs abertas e gratuitas terão sua sobrevivência ameaçada.
"A tendência de mercado é contra a TV aberta. A TV paga tem vantagens enormes. Acesso a duas fontes de renda: propaganda e assinatura. Maior capacidade de canais. Plataformas mais próximas de oferecer a personalização e interatividade que os consumidores esperam."
O presidente da FCC, que já trabalhou para a AOL Time Warner, uma das principais interessadas nas mudanças, rejeitou sucessivos pedidos para adiar a votação de hoje e dar mais tempo ao debate.
Aos críticos tem repetido que, se a comissão quisesse desregulamentar o mercado, e não "adaptar as normas a um novo tempo", simplesmente aboliria as regras, entregando a análise de fusões na mídia à legislação antitruste.
Seu discurso não convence os adversários, a começar pelos dois membros democratas da comissão. "A FCC é encarregada por lei de zelar pelo interesse público", disse em palestra recente um deles, Jonathan Adelstein. "E o público não tem nenhum interesse em ver os conglomerados de mídia se tornarem ainda maiores."
De acordo com levantamento citado por Adelstein, 50 corporações dominavam o mercado de mídia nos EUA no início dos anos 80. Eram 23 em 1990.
Hoje são cinco: News Corporation (de Rupert Murdoch), General Eletric (que controla, por exemplo, a rede NBC), Disney (dona da ABC), Viacom (CBS) e AOL Time Warner (responsável por grande parte da distribuição dos canais a cabo).

Terra de gigantes
Tais conglomerados não se limitam a administrar redes de televisão. Produzem filmes, vendem serviços de internet e, em maior ou menor grau, extrapolam o setor de mídia.
Segundo o banco JP Morgan, a mudança nas regras elevará o valor de mercado total das empresas americanas de mídia em 4%.
Na avaliação do banco, as controladoras de jornais serão, num primeiro momento, as principais beneficiadas. Em editorial publicado na semana passada, o "New York Times" se disse favorável à parte das mudanças que lhe toca diretamente -aquela que permitirá a um jornal controlar uma rede de televisão na mesma cidade.
Morno até dias atrás, o debate sobre a conveniência das alterações esquentou na última semana, sobretudo após ONGs contrárias às medidas rechearem jornais e TVs com anúncios de protesto.
Um deles mostra Murdoch em quatro telas que trazem, respectivamente, os logotipos da Fox News (pertencente ao empresário australiano), ABC, CBS e NBC.
Murdoch, que no momento espera autorização do Congresso dos EUA para comprar 34% da DirecTV, tornou-se, para os adversários das mudanças, símbolo da derradeira etapa do processo de oligopolização da mídia.
Sua emissora de notícias, a Fox, foi a principal aliada do governo Bush na mídia durante o ataque ao Iraque.
Em depoimento no Senado há pouco mais de uma semana, o dono da News Corporation provocou risos nos parlamentares ao afirmar que, se conseguir comprar a DirecTV, não pretende realizar outros movimentos de expansão nos EUA.
Ainda que o resultado da votação de hoje seja previsível, o debate promete continuar no Congresso. Os integrantes da FCC serão chamados a depor dentro de alguns dias.
Parlamentares da oposição preparam instrumentos para reverter ao menos parte das mudanças. Mas é incerto que consigam votos suficientes para tanto.



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