|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
EUA
Votação deve eliminar restrições ao poder de grandes grupos de comunicação, que terão mais liberdade para absorver concorrentes
EUA devem liberar concentração na mídia
ROBERTO DIAS
DE NOVA YORK
RENATA LO PRETE
DA REPORTAGEM LOCAL
O governo dos EUA deverá iniciar hoje um processo destinado a
transformar de forma radical o
principal mercado de mídia do
mundo.
Selada a mudança, cairão limites importantes ao poder dos
grandes grupos de comunicação
do país, que terão mais liberdade
para absorver concorrentes e
criar novos braços com jornais e
emissoras de TV e rádio.
A senha para a reviravolta deverá ser dada numa reunião em
Washington, na sede da FCC (Federal Communications Commission), a agência responsável por
regulamentar o setor.
Espera-se que os cinco membros da FCC aprovem, por 3 votos
a 2, alterações para permitir:
1) Nas cidades médias e grandes, a chamada "propriedade cruzada" de meios de comunicação
-como operar um jornal e uma
emissora de TV;
2) Que uma empresa possua
emissoras de televisão que alcancem até 45% do público dos EUA,
contra um limite atual de 35%;
3) Que um grupo tenha duas ou
até três TVs na mesma cidade.
Tais mudanças derrubam regras estabelecidas nos anos 1970
ou até antes como forma de evitar
o monopólio da informação.
O lado favorável é encabeçado
por Michael Powell, presidente da
FCC e filho do secretário de Estado, Colin Powell. Estão com ele os
dois outros membros republicanos (partido do governo) da comissão e os principais conglomerados de comunicação dos EUA.
Era do cabo
Powell argumenta que a atual legislação foi concebida antes da
era dos canais a cabo. Se as regras
não mudarem, diz, as TVs abertas
e gratuitas terão sua sobrevivência ameaçada.
"A tendência de mercado é contra a TV aberta. A TV paga tem
vantagens enormes. Acesso a
duas fontes de renda: propaganda
e assinatura. Maior capacidade de
canais. Plataformas mais próximas de oferecer a personalização
e interatividade que os consumidores esperam."
O presidente da FCC, que já trabalhou para a AOL Time Warner,
uma das principais interessadas
nas mudanças, rejeitou sucessivos
pedidos para adiar a votação de
hoje e dar mais tempo ao debate.
Aos críticos tem repetido que, se
a comissão quisesse desregulamentar o mercado, e não "adaptar as normas a um novo tempo",
simplesmente aboliria as regras,
entregando a análise de fusões na
mídia à legislação antitruste.
Seu discurso não convence os
adversários, a começar pelos dois
membros democratas da comissão. "A FCC é encarregada por lei
de zelar pelo interesse público",
disse em palestra recente um deles, Jonathan Adelstein. "E o público não tem nenhum interesse
em ver os conglomerados de mídia se tornarem ainda maiores."
De acordo com levantamento
citado por Adelstein, 50 corporações dominavam o mercado de
mídia nos EUA no início dos anos
80. Eram 23 em 1990.
Hoje são cinco: News Corporation (de Rupert Murdoch), General Eletric (que controla, por
exemplo, a rede NBC), Disney
(dona da ABC), Viacom (CBS) e
AOL Time Warner (responsável
por grande parte da distribuição
dos canais a cabo).
Terra de gigantes
Tais conglomerados não se limitam a administrar redes de televisão. Produzem filmes, vendem serviços de internet e, em
maior ou menor grau, extrapolam o setor de mídia.
Segundo o banco JP Morgan, a
mudança nas regras elevará o valor de mercado total das empresas
americanas de mídia em 4%.
Na avaliação do banco, as controladoras de jornais serão, num
primeiro momento, as principais
beneficiadas. Em editorial publicado na semana passada, o "New
York Times" se disse favorável à
parte das mudanças que lhe toca
diretamente -aquela que permitirá a um jornal controlar uma rede de televisão na mesma cidade.
Morno até dias atrás, o debate
sobre a conveniência das alterações esquentou na última semana, sobretudo após ONGs contrárias às medidas rechearem jornais
e TVs com anúncios de protesto.
Um deles mostra Murdoch em
quatro telas que trazem, respectivamente, os logotipos da Fox
News (pertencente ao empresário
australiano), ABC, CBS e NBC.
Murdoch, que no momento espera autorização do Congresso
dos EUA para comprar 34% da
DirecTV, tornou-se, para os adversários das mudanças, símbolo
da derradeira etapa do processo
de oligopolização da mídia.
Sua emissora de notícias, a Fox,
foi a principal aliada do governo
Bush na mídia durante o ataque
ao Iraque.
Em depoimento no Senado há
pouco mais de uma semana, o dono da News Corporation provocou risos nos parlamentares ao
afirmar que, se conseguir comprar a DirecTV, não pretende realizar outros movimentos de expansão nos EUA.
Ainda que o resultado da votação de hoje seja previsível, o debate promete continuar no Congresso. Os integrantes da FCC serão chamados a depor dentro de
alguns dias.
Parlamentares da oposição preparam instrumentos para reverter ao menos parte das mudanças.
Mas é incerto que consigam votos
suficientes para tanto.
Texto Anterior: Iraquianos combatem fogo em trincheira Próximo Texto: Oposição às mudanças reúne vozes diversas Índice
|