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DIPLOMACIA
Renaud Muselier, secretário de Estado francês, visita o Brasil e diz que Paris e Washington superaram tensões
França afirma que o Brasil é prioridade
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
Brasil e França têm uma "visão
comum do mundo" e o Brasil é o
principal parceiro francês na
América Latina, diz Renaud Muselier, 44, secretário de Estado para Relações Exteriores da França,
que visita o Brasil nesta semana.
Já a aprovação da resolução da
ONU sobre o futuro do Iraque,
aprovada no Conselho de Segurança no mês passado com voto
favorável da França, mostra que
as relações entre Paris e Washington estão se normalizando, mas
"realmente atravessaram um período difícil por conta de diferenças em relação à questão iraquiana", afirma Muselier.
Leia trechos de sua entrevista à
Folha, feita por e-mail.
Folha - Quais são as razões de sua
visita ao Brasil e à América Latina?
Renaud Muselier - A América do
Sul e, particularmente, o Brasil
são prioridades da diplomacia
francesa, o que explica a frequência de nossas visitas à região. Minha viagem ao Brasil, ao Chile, ao
Peru e ao Equador é a terceira que
faço à América do Sul: visitei a Argentina, a Bolívia e a Colômbia
em agosto de 2002 e o Brasil em
março de 2003. Dominique de Villepin [chanceler francês] esteve
na Colômbia em novembro de
2002 e fará uma nova viagem à região nos próximos meses.
Como ele salientou no discurso
que fez em Bogotá, em 29 de novembro de 2002, a França considera a América do Sul uma das regiões emergentes do planeta e um
pólo de estabilidade e de desenvolvimento. Os investidores europeus confiam no potencial de
crescimento das economias da região. Mas, sobretudo, temos uma
visão comum do mundo -a crise
iraquiana mostrou isso-, baseada no respeito das regras multilaterais e das diferenças culturais.
Folha - Qual é o estado atual das
relações entre a França e o Brasil?
Muselier - As relações bilaterais
são excelentes, particularmente
no campo da cooperação entre os
dois países. O Brasil é nosso principal parceiro na América Latina,
e nos esforçamos para manter
uma cooperação de alto nível com
o país nos mais variados campos.
Em julho próximo, os chanceleres
de ambos os países presidirão, em
Paris, a Terceira Comissão Geral
Franco-Brasileira.
Folha - A França é vista pelos brasileiros como um país protecionista, sobretudo no setor agrícola. O
que o sr. pensa disso?
Muselier - Essa visão não corresponde à realidade. Em primeiro
lugar, a Europa não é a fortaleza
que muitos pensam. A União Européia [UE], que determina a política comercial comum dos países europeus, é o maior parceiro
comercial do Brasil. A UE recebe
40% das exportações agrícolas e
agroalimentares brasileiras, sobretudo soja, suco de laranja, carne bovina e café. No que concerne
à França, nossas importações de
produtos agrícolas brasileiros são
muito importantes. Elas representam a metade de nossas compras do Brasil e cresceram 25%,
em média, em 2000 e 2001. Por
outro lado, temos muita dificuldade em vender produtos agrícolas. Nosso déficit agroalimentar é
muito alto: compramos do Brasil
mais de 1 bilhão em produtos
agrícolas, mas vendemos menos
de 100 milhões, em parte por
conta da legislação brasileira, que
permanece muito protecionista.
Folha - Como vê as relações entre
a UE e o Mercosul após a eleição de
Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil?
Muselier - O Mercosul é o principal parceiro econômico da UE na
América Latina. Os investidores
europeus são os estrangeiros mais
fortes na região. A UE é o principal destino das exportações do
Mercosul -cerca de 30%.
É por isso que a conclusão de
um acordo de associação é estratégica. Tal acordo fará da UE e do
Mercosul sócios não apenas no
setor comercial mas também no
político e no da cooperação. É por
isso que acolhemos favoravelmente a vontade do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva de aprofundar a integração regional.
Folha - A França e o Brasil trabalharam juntos para tentar evitar a
guerra no Iraque. Quem tomou a
iniciativa? Trata-se de um modelo
que poderá ser seguido?
Muselier - A iniciativa foi comum porque tínhamos a mesma
análise da situação internacional.
No futuro, cremos que os dois
países podem fazer muitas coisas
juntos para promover a paz e o
desenvolvimento e para consolidar uma visão mais humana da
globalização.
Folha - Como estão as relações
entre a França e os EUA após a oposição francesa à guerra no Iraque?
Muselier - Apesar do resfriamento
de nossas relações bilaterais, os
contatos foram mantidos em todos os níveis: o secretário de Estado dos EUA [Colin Powell] e o
presidente [George W.] Bush não
colocaram em dúvida sua participação na reunião ministerial e na
cúpula do G8. Essa reunião permitiu uma conversa amigável entre De Villepin e Powell.
A aprovação da resolução da
ONU sobre o futuro do Iraque
mostra que nossas relações bilaterais estão se normalizando: a
França e os EUA continuam a trabalhar juntos na busca de soluções para os grandes problemas
internacionais. De nosso lado, é
claro que pretendemos virar a página e olhar para o futuro. Os
EUA permanecem para nós um
aliado e um parceiro de primeiro
nível em uma miríade de áreas.
Folha - Como a UE poderá transpor suas divisões internas depois
da guerra no Iraque? Qual é o futuro da Política Externa e de Segurança Comum (Pesc)?
Muselier - Podemos ver nessa
crise um perigo e um ganho inesperado. Um perigo porque o ideal
europeu não se encaixa bem em
disputas e diferenças. A UE institucional é uma máquina que produz, por meio do milagre da negociação e de concessões recíprocas, posições comuns frequentemente baseadas na busca de um
acordo. Ora, a Pesc ainda não corresponde a esses princípios.
Mas essa crise também é um ganho inesperado: pela primeira
vez, a opinião pública européia
pede à Europa que tenha uma só
voz na cena internacional, para
que possa participar da administração das questões mundiais.
Folha - Qual é a posição da França
sobre o futuro do Iraque?
Muselier - Toda a comunidade
internacional deverá participar da
reconstrução do Iraque. A adoção
da resolução 1.483 da ONU permite que pensemos no futuro.
Adotada de modo unânime, ela
demonstra que o Conselho de Segurança reencontrou sua unidade
em busca da reconstrução econômica e política do Iraque. O texto
não é perfeito, mas abre a possibilidade da existência de um papel
substancial para a ONU.
Folha - Como o senhor vê o futuro
do Oriente Médio? A França crê no
sucesso da nova iniciativa de paz
apresentada a israelenses e a palestinos?
Muselier - O engajamento da comunidade internacional [o plano
de paz tem o apoio dos EUA, da
Rússia, da UE e da ONU -o
Quarteto] permitiu à região recuperar a esperança, pois o conflito
diz respeito a todos nós: sua piora
ou sua resolução terá consequências sobre a situação no Iraque,
sobre a democratização do Oriente Médio e sobre a luta contra o
terrorismo. O conflito também
tem repercussões negativas no
que se refere a nossas sociedades.
Nosso consenso em relação aos
objetivos dos dois Estados, palestino e israelense, que terão de viver em paz e em segurança, foi um
passo decisivo e permitiu a elaboração conjunta de um plano de
paz equilibrado, que já foi aceito
pelas duas partes.
A participação dos EUA é crucial para a aplicação do roteiro para a paz. O envio de uma equipe
americana à região para criar as
bases para a supervisão da aplicação do roteiro para a paz, a ser feita pelo Quarteto, também é positivo. Mas, para ser bem-sucedido,
o processo precisa do engajamento de toda a comunidade internacional. É, portanto, essencial preservar o que o Quarteto já obteve.
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