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São Paulo, segunda-feira, 02 de junho de 2003

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DIPLOMACIA

Renaud Muselier, secretário de Estado francês, visita o Brasil e diz que Paris e Washington superaram tensões

França afirma que o Brasil é prioridade

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Brasil e França têm uma "visão comum do mundo" e o Brasil é o principal parceiro francês na América Latina, diz Renaud Muselier, 44, secretário de Estado para Relações Exteriores da França, que visita o Brasil nesta semana.
Já a aprovação da resolução da ONU sobre o futuro do Iraque, aprovada no Conselho de Segurança no mês passado com voto favorável da França, mostra que as relações entre Paris e Washington estão se normalizando, mas "realmente atravessaram um período difícil por conta de diferenças em relação à questão iraquiana", afirma Muselier.
Leia trechos de sua entrevista à Folha, feita por e-mail.
 

Folha - Quais são as razões de sua visita ao Brasil e à América Latina?
Renaud Muselier -
A América do Sul e, particularmente, o Brasil são prioridades da diplomacia francesa, o que explica a frequência de nossas visitas à região. Minha viagem ao Brasil, ao Chile, ao Peru e ao Equador é a terceira que faço à América do Sul: visitei a Argentina, a Bolívia e a Colômbia em agosto de 2002 e o Brasil em março de 2003. Dominique de Villepin [chanceler francês] esteve na Colômbia em novembro de 2002 e fará uma nova viagem à região nos próximos meses.
Como ele salientou no discurso que fez em Bogotá, em 29 de novembro de 2002, a França considera a América do Sul uma das regiões emergentes do planeta e um pólo de estabilidade e de desenvolvimento. Os investidores europeus confiam no potencial de crescimento das economias da região. Mas, sobretudo, temos uma visão comum do mundo -a crise iraquiana mostrou isso-, baseada no respeito das regras multilaterais e das diferenças culturais.

Folha - Qual é o estado atual das relações entre a França e o Brasil?
Muselier -
As relações bilaterais são excelentes, particularmente no campo da cooperação entre os dois países. O Brasil é nosso principal parceiro na América Latina, e nos esforçamos para manter uma cooperação de alto nível com o país nos mais variados campos. Em julho próximo, os chanceleres de ambos os países presidirão, em Paris, a Terceira Comissão Geral Franco-Brasileira.

Folha - A França é vista pelos brasileiros como um país protecionista, sobretudo no setor agrícola. O que o sr. pensa disso?
Muselier -
Essa visão não corresponde à realidade. Em primeiro lugar, a Europa não é a fortaleza que muitos pensam. A União Européia [UE], que determina a política comercial comum dos países europeus, é o maior parceiro comercial do Brasil. A UE recebe 40% das exportações agrícolas e agroalimentares brasileiras, sobretudo soja, suco de laranja, carne bovina e café. No que concerne à França, nossas importações de produtos agrícolas brasileiros são muito importantes. Elas representam a metade de nossas compras do Brasil e cresceram 25%, em média, em 2000 e 2001. Por outro lado, temos muita dificuldade em vender produtos agrícolas. Nosso déficit agroalimentar é muito alto: compramos do Brasil mais de 1 bilhão em produtos agrícolas, mas vendemos menos de 100 milhões, em parte por conta da legislação brasileira, que permanece muito protecionista.

Folha - Como vê as relações entre a UE e o Mercosul após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil?
Muselier -
O Mercosul é o principal parceiro econômico da UE na América Latina. Os investidores europeus são os estrangeiros mais fortes na região. A UE é o principal destino das exportações do Mercosul -cerca de 30%.
É por isso que a conclusão de um acordo de associação é estratégica. Tal acordo fará da UE e do Mercosul sócios não apenas no setor comercial mas também no político e no da cooperação. É por isso que acolhemos favoravelmente a vontade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de aprofundar a integração regional.

Folha - A França e o Brasil trabalharam juntos para tentar evitar a guerra no Iraque. Quem tomou a iniciativa? Trata-se de um modelo que poderá ser seguido?
Muselier -
A iniciativa foi comum porque tínhamos a mesma análise da situação internacional. No futuro, cremos que os dois países podem fazer muitas coisas juntos para promover a paz e o desenvolvimento e para consolidar uma visão mais humana da globalização.

Folha - Como estão as relações entre a França e os EUA após a oposição francesa à guerra no Iraque? Muselier - Apesar do resfriamento de nossas relações bilaterais, os contatos foram mantidos em todos os níveis: o secretário de Estado dos EUA [Colin Powell] e o presidente [George W.] Bush não colocaram em dúvida sua participação na reunião ministerial e na cúpula do G8. Essa reunião permitiu uma conversa amigável entre De Villepin e Powell.
A aprovação da resolução da ONU sobre o futuro do Iraque mostra que nossas relações bilaterais estão se normalizando: a França e os EUA continuam a trabalhar juntos na busca de soluções para os grandes problemas internacionais. De nosso lado, é claro que pretendemos virar a página e olhar para o futuro. Os EUA permanecem para nós um aliado e um parceiro de primeiro nível em uma miríade de áreas.

Folha - Como a UE poderá transpor suas divisões internas depois da guerra no Iraque? Qual é o futuro da Política Externa e de Segurança Comum (Pesc)?
Muselier -
Podemos ver nessa crise um perigo e um ganho inesperado. Um perigo porque o ideal europeu não se encaixa bem em disputas e diferenças. A UE institucional é uma máquina que produz, por meio do milagre da negociação e de concessões recíprocas, posições comuns frequentemente baseadas na busca de um acordo. Ora, a Pesc ainda não corresponde a esses princípios.
Mas essa crise também é um ganho inesperado: pela primeira vez, a opinião pública européia pede à Europa que tenha uma só voz na cena internacional, para que possa participar da administração das questões mundiais.

Folha - Qual é a posição da França sobre o futuro do Iraque?
Muselier -
Toda a comunidade internacional deverá participar da reconstrução do Iraque. A adoção da resolução 1.483 da ONU permite que pensemos no futuro. Adotada de modo unânime, ela demonstra que o Conselho de Segurança reencontrou sua unidade em busca da reconstrução econômica e política do Iraque. O texto não é perfeito, mas abre a possibilidade da existência de um papel substancial para a ONU.

Folha - Como o senhor vê o futuro do Oriente Médio? A França crê no sucesso da nova iniciativa de paz apresentada a israelenses e a palestinos?
Muselier -
O engajamento da comunidade internacional [o plano de paz tem o apoio dos EUA, da Rússia, da UE e da ONU -o Quarteto] permitiu à região recuperar a esperança, pois o conflito diz respeito a todos nós: sua piora ou sua resolução terá consequências sobre a situação no Iraque, sobre a democratização do Oriente Médio e sobre a luta contra o terrorismo. O conflito também tem repercussões negativas no que se refere a nossas sociedades.
Nosso consenso em relação aos objetivos dos dois Estados, palestino e israelense, que terão de viver em paz e em segurança, foi um passo decisivo e permitiu a elaboração conjunta de um plano de paz equilibrado, que já foi aceito pelas duas partes.
A participação dos EUA é crucial para a aplicação do roteiro para a paz. O envio de uma equipe americana à região para criar as bases para a supervisão da aplicação do roteiro para a paz, a ser feita pelo Quarteto, também é positivo. Mas, para ser bem-sucedido, o processo precisa do engajamento de toda a comunidade internacional. É, portanto, essencial preservar o que o Quarteto já obteve.



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