São Paulo, sexta-feira, 02 de junho de 2006

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Análise

"Modelo líbio" inspira mudança tática dos EUA

GUY DINSMORE
DO "FINANCIAL TIMES"

Para decidir sobre uma mudança política que poderia oferecer ao Irã a chance de um diálogo amplo, o primeiro desde a Revolução Islâmica de 1979, o governo Bush está refletindo sobre duas experiências similares mas contrastantes: a da Coréia do Norte e da Líbia. A experiência norte-coreana é considerada desastrosa por alguns membros do governo Bush, enquanto a da Líbia é vista como modelo a ser seguido no caso do Irã. Os mesmos integrantes do governo que se opuseram a concessões à Coréia do Norte, John Bolton, hoje embaixador na ONU, o secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, e o vice-presidente, Dick Cheney, constituem a oposição a um diálogo com o Irã. Em 1994, o governo Clinton assinou um acordo com a Coréia do Norte, que superficialmente se assemelha bastante à oferta que se acredita que tenha sido feita ao Irã. A Coréia do Norte suspenderia a operação e a construção de reatores nucleares, considerados parte de um programa bélico clandestino. Em troca, um consórcio internacional daria dois reatores de água leve, que não podem ser usados na produção de bombas atômicas, e a Coréia do Norte receberia também certo volume de óleo combustível. Mas após a posse do presidente Bush, em 2001, os EUA passaram a insinuar que a Coréia do Norte vinha trapaceando e que mantinha um programa secreto de enriquecimento de urânio. Ao anunciar a alteração na política norte-americana para com o Irã, a secretária de Estado, Condoleezza Rice, fez uma comparação fugaz com a Coréia do Norte. No mesmo dia, um importante funcionário do governo Bush estabeleceu uma comparação com a Líbia, um modelo para o possível sucesso. Os EUA iniciaram negociações secretas em 2003 sobre o fim do programa de armas nucleares líbio, e Trípoli anunciou sua capitulação em dezembro de 2004, após receber de EUA e Reino Unido garantias de que nenhuma "mudança de regime" era parte de suas agendas. Em maio, EUA e Líbia reataram laços diplomáticos, para horror dos neoconservadores do governo de Bush, que temem uma acomodação semelhante com o Irã. Alguns diplomatas acreditam que canais clandestinos de comunicação com o Irã tenham sido utilizados para abrir caminho à reviravolta na posição norte-americana e antecipam um período de objeções e de contrapropostas da parte dos iranianos, mas acreditam que acabarão aceitando negociar diretamente com os EUA. Alguns observadores consideram a experiência com a Líbia um testemunho do poder de uma combinação entre coerção e diplomacia. Mas a Líbia já ocupava uma posição enfraquecida devido ao severo embargo internacional imposto após o atentado contra o vôo 103 da Pan Am, em Lockerbie, Escócia, e seu isolamento era muito maior, já que o Irã é grande fornecedor de petróleo à Ásia e Europa. Os ultranacionalistas nos EUA pressionam por uma mudança de regime. Mas, com o Exército norte-americano envolvido em um longo impasse no Iraque, os EUA enfrentariam dificuldades para impor essa solução.


Tradução de PAULO MIGLIACCI

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