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Dois Méxicos antagônicos escolhem hoje presidente
Esquerdista López Obrador e conservador Calderón chegam empatados à eleição
Embate do neoliberalismo com ampliação do papel do Estado e a relação com os Estados Unidos foram os principais temas da disputa
RAUL JUSTE LORES
ENVIADO ESPECIAL À CIDADE DO MÉXICO
O México escolhe hoje seu
novo presidente completamente dividido. Não apenas
porque as pesquisas apontam
um empate, em 35%, entre o esquerdista Andrés Manuel López Obrador, conhecido pelas
iniciais AMLO (que voltou a
crescer na reta final e tem leve
favoritismo), e o conservador
Felipe Calderón, do partido do
presidente Vicente Fox.
A campanha eleitoral refletiu
de forma muito clara os dois
Méxicos que vão às urnas. Um
que se beneficiou com a abertura econômica, com os investimentos estrangeiros e com a
integração comercial com os
Estados Unidos. E outro formado pelos 45% de pobres do
país, que acham que o Nafta
(Acordo de Livre Comércio da
América do Norte) só ajudou os
mais ricos e sentem saudades
do gigantesco Estado protetor
da época da "ditadura perfeita"
de 70 anos do Partido Revolucionário Institucional (PRI).
Como não há segundo turno
e o voto não é obrigatório (estima-se em mais de 40% a abstenção), o vencedor terá respaldo da minoria do país, que continuará dividido.
Peso americano
Os EUA são a grande sombra
sobre a eleição. Depois de viver
décadas de costas para o rico vizinho do norte, "tão longe de
Deus, tão perto dos Estados
Unidos", como dizia o ditador
Porfírio Diaz, o México nunca
esteve tão dependente do país,
que lhe tomou 700 mil km2 do
seu território no século 19.
De tudo que exporta, 85% vai
para lá. Há 25 milhões de mexicanos e descendentes vivendo
nos EUA, e 400 mil se juntam a
eles por ano. Essa enorme diáspora envia US$ 20 bilhões por
ano ao México.
"O governo Bush, em um raro exemplo de inteligência, não
transformou AMLO em seu
novo inimigo, como [o venezuelano] Chávez. A comunidade financeira e de negócios internacional não sofreu o pânico similar ao pré-Lula de 2002.
Todo presidente americano
precisa ser visto como "um
amigo do México'", diz o jornalista Alan Riding, que foi correspondente do "New York Times" no México e escreveu o
clássico "Distant Neighbours"
(vizinhos distantes).
Mais confiança
"AMLO não vai querer irritar
os Estados Unidos mais do que
o necessário para demonstrar
que não está no bolso dos americanos. A questão é saber se o
governo mexicano poderá faturar com a mobilização dos mexicanos e hispânicos nos EUA."
Para o economista Javier
Mancera, da consultoria CMM,
uma das mais reconhecidas do
país, o fato de as bolsas de valores não terem caído, nem o risco-país (que mede a expectativa dos investidores de que o
país saldará suas dívidas) disparado, comprova que há mais
confiança no México. "Muitos
acham que o radicalismo do
AMLO foi coisa de campanha;
ele não é Chávez. Nosso Banco
Central é autônomo, e seu presidente continuará no cargo
pelos próximos seis anos. A
economia do país não está nas
mãos do governo", diz.
Apesar da polarização, há
nuances. O governo "amigo de
Bush" de Fox votou contra a invasão do Iraque quando ocupava um assento no Conselho de
Segurança da ONU.
E o esquerdista AMLO já falou várias vezes que não é Chávez, defende uma política externa "sem protagonismo" (ele
não disfarça seu desinteresse
por assuntos internacionais), já
avisou que vai manter boas relações com os EUA e que não é
"inimigo dos empresários".
Pelo consenso
A campanha eleitoral foi
marcada pela publicidade negativa e por ataques dos dois lados. Como é provável que o
Congresso fique dividido em
três grandes blocos (os conservadores, os esquerdistas e o
PRI, ainda forte nas zonas rurais), quem vencer terá a difícil
missão de construir consensos.
Como a posse só ocorre em dezembro, o vitorioso terá vários
meses para buscar alianças.
As estatísticas mexicanas revelam que o país não vai tão mal
quanto diz a campanha de AMLO, mas que a exuberância defendida pelo governo Fox não
chegou à maior parte da população. Promover mais crescimento e distribuição de renda
são os dois grandes desafios.
Com desemprego, é impossível
conter a sangria de imigrantes
mexicanos rumo aos EUA.
"Quando os EUA espirram,
nós pegamos gripe. A recessão
americana de 2001, o 11 de Setembro e a competição pela indústria manufatureira com a
China e a Índia nos afetaram",
diz Mancera. "Mas o balanço é
de que o Nafta foi bom. Há uma
classe média vibrante, contente
com os rumos do país. Se o México estivesse um desastre,
AMLO teria de ganhar fácil."
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