São Paulo, domingo, 02 de julho de 2006

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Dois Méxicos antagônicos escolhem hoje presidente

Esquerdista López Obrador e conservador Calderón chegam empatados à eleição

Embate do neoliberalismo com ampliação do papel do Estado e a relação com os Estados Unidos foram os principais temas da disputa

RAUL JUSTE LORES
ENVIADO ESPECIAL À CIDADE DO MÉXICO

O México escolhe hoje seu novo presidente completamente dividido. Não apenas porque as pesquisas apontam um empate, em 35%, entre o esquerdista Andrés Manuel López Obrador, conhecido pelas iniciais AMLO (que voltou a crescer na reta final e tem leve favoritismo), e o conservador Felipe Calderón, do partido do presidente Vicente Fox.
A campanha eleitoral refletiu de forma muito clara os dois Méxicos que vão às urnas. Um que se beneficiou com a abertura econômica, com os investimentos estrangeiros e com a integração comercial com os Estados Unidos. E outro formado pelos 45% de pobres do país, que acham que o Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte) só ajudou os mais ricos e sentem saudades do gigantesco Estado protetor da época da "ditadura perfeita" de 70 anos do Partido Revolucionário Institucional (PRI).
Como não há segundo turno e o voto não é obrigatório (estima-se em mais de 40% a abstenção), o vencedor terá respaldo da minoria do país, que continuará dividido.

Peso americano
Os EUA são a grande sombra sobre a eleição. Depois de viver décadas de costas para o rico vizinho do norte, "tão longe de Deus, tão perto dos Estados Unidos", como dizia o ditador Porfírio Diaz, o México nunca esteve tão dependente do país, que lhe tomou 700 mil km2 do seu território no século 19.
De tudo que exporta, 85% vai para lá. Há 25 milhões de mexicanos e descendentes vivendo nos EUA, e 400 mil se juntam a eles por ano. Essa enorme diáspora envia US$ 20 bilhões por ano ao México.
"O governo Bush, em um raro exemplo de inteligência, não transformou AMLO em seu novo inimigo, como [o venezuelano] Chávez. A comunidade financeira e de negócios internacional não sofreu o pânico similar ao pré-Lula de 2002. Todo presidente americano precisa ser visto como "um amigo do México'", diz o jornalista Alan Riding, que foi correspondente do "New York Times" no México e escreveu o clássico "Distant Neighbours" (vizinhos distantes).

Mais confiança
"AMLO não vai querer irritar os Estados Unidos mais do que o necessário para demonstrar que não está no bolso dos americanos. A questão é saber se o governo mexicano poderá faturar com a mobilização dos mexicanos e hispânicos nos EUA."
Para o economista Javier Mancera, da consultoria CMM, uma das mais reconhecidas do país, o fato de as bolsas de valores não terem caído, nem o risco-país (que mede a expectativa dos investidores de que o país saldará suas dívidas) disparado, comprova que há mais confiança no México. "Muitos acham que o radicalismo do AMLO foi coisa de campanha; ele não é Chávez. Nosso Banco Central é autônomo, e seu presidente continuará no cargo pelos próximos seis anos. A economia do país não está nas mãos do governo", diz.
Apesar da polarização, há nuances. O governo "amigo de Bush" de Fox votou contra a invasão do Iraque quando ocupava um assento no Conselho de Segurança da ONU.
E o esquerdista AMLO já falou várias vezes que não é Chávez, defende uma política externa "sem protagonismo" (ele não disfarça seu desinteresse por assuntos internacionais), já avisou que vai manter boas relações com os EUA e que não é "inimigo dos empresários".

Pelo consenso
A campanha eleitoral foi marcada pela publicidade negativa e por ataques dos dois lados. Como é provável que o Congresso fique dividido em três grandes blocos (os conservadores, os esquerdistas e o PRI, ainda forte nas zonas rurais), quem vencer terá a difícil missão de construir consensos. Como a posse só ocorre em dezembro, o vitorioso terá vários meses para buscar alianças.
As estatísticas mexicanas revelam que o país não vai tão mal quanto diz a campanha de AMLO, mas que a exuberância defendida pelo governo Fox não chegou à maior parte da população. Promover mais crescimento e distribuição de renda são os dois grandes desafios. Com desemprego, é impossível conter a sangria de imigrantes mexicanos rumo aos EUA.
"Quando os EUA espirram, nós pegamos gripe. A recessão americana de 2001, o 11 de Setembro e a competição pela indústria manufatureira com a China e a Índia nos afetaram", diz Mancera. "Mas o balanço é de que o Nafta foi bom. Há uma classe média vibrante, contente com os rumos do país. Se o México estivesse um desastre, AMLO teria de ganhar fácil."


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