São Paulo, sábado, 02 de agosto de 2008

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Corte eleitoral muda referendo, mas governo Morales discorda

Consulta que pode tirar presidente e governadores de cargos está prevista para próximo domingo; para ex-presidente Mesa, Bolívia passa por crise do Estado

DA REDAÇÃO

A Corte Nacional Eleitoral (CNE) da Bolívia decidiu mudar as regras para o referendo revogatório dos mandatos do presidente, vice e governadores, mas o governo Evo Morales afirmou ontem que a alteração tem de passar pelo Congresso.
A divergência aprofunda as incertezas jurídicas e políticas em torno da consulta, marcada para o próximo dia 10.
Na madrugada de anteontem, a CNE, junto com 7 das 9 cortes eleitorais departamentais, estabeleceu que o presidente Evo Morales, seu vice e os governadores só perderão os cargos se duas condições simultâneas ocorrerem: a) o voto pelo "não" for equivalente a mais de 50% dos votos válidos; b) a porcentagem de "não" superar a votação recebida quando os políticos foram eleitos.
A corte nacional, cujo presidente foi indicado por Morales, buscou uma solução conciliatória, já que a alteração estabelece o piso de maioria simples para a perda de mandato, demanda dos governadores, e mantém vantagem para Morales.
Na lei do referendo proposta pelo Executivo e aprovada no Congresso em maio, só existia o item b), o que beneficiava o presidente, único eleito com mais de 50% dos votos (53,7%).
Mas Morales questionou a validade da mudança. E seu vice, Álvaro García Linera, disse que, para valer, a alteração tem de passar pelo Congresso (a Câmara é dominada pelo governo; o Senado, pela oposição).
E a divergência não é o único obstáculo para a consulta, proposta como saída para a grave crise política causada pelo impasse entre o governo esquerdista e a oposição liderada pelos governadores.
A Corte Eleitoral de Santa Cruz, rico bastião dos oposicionistas, questiona a constitucionalidade do referendo, num momento em que a corte máxima boliviana, o Tribunal Constitucional (TC), está paralisada pela renúncia de 4 de seus 5 membros. A única magistrada do TC, Sílvia Salame, insistiu, em duas decisões, que a consulta é inconstitucional.
Além do impasse, Morales enfrenta ainda protestos da Central Operária Boliviana (COB), que, liderada por mineiros, cobra uma reforma no sistema previdenciário. As manifestações cortam vias de acesso a La Paz e ruas da capital.

Caos e futuro
"A sociedade boliviana segue farta do caos. Mas o que vemos não é uma crise de um governo, mas a crise do Estado boliviano que se arrasta há oito anos", afirma o ex-presidente da Bolívia, Carlos Mesa, ele próprio obrigado a renunciar em meio a protestos nas ruas em 2003.
Em Campinas, onde participou ontem do encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, o historiador Mesa criticou duramente Morales, mas quis distanciar-se dos governadores oposicionistas. Disse à Folha que aspira voltar ao cenário no papel de "terceira via": "Não se trata de ir ao centro político, mas de recuperar o eixo político perdido".
Fez um diagnóstico sombrio da situação pós-referendo, que considera inconstitucional.
"García Linera disse em 2006 que Morales tinha acabado com o empate catastrófico. Temos o mesmo empate, só que mais catastrófico", disse ele, para quem, enquanto La Paz acreditar que pode derrotar as elites das regiões e vice-versa, não haverá espaço para mediação como a ensaiada por Brasil, Argentina e Colômbia.
Para o ex-presidente, os referendos só moverão o impasse boliviano se Morales obtiver "um triunfo contundente".
Neste caso, o presidente teria estatura para forçar uma negociação com a oposição em torno do texto constitucional aprovado em 2007, e que tem de passar por referendo.
A Carta -que amplia direitos indígenas, formaliza as mudanças em matéria de gás e petróleo e limita o tamanho de propriedades rurais- é a principal bandeira do presidente e o principal motivo de resistência dos oposicionistas. "O erro de Morales foi ficar contra as autonomias. Aglutinou a oposição e deu a ela uma bandeira legítima, onde ela esconde bandeiras ilegítimas", disse. (FLÁVIA MARREIRO)


Com agências internacionais


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