São Paulo, sábado, 02 de outubro de 2004

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SOCIEDADE

Homens de Pitcairn, no Pacífico, alegam que sexo com meninas de 11 anos era um costume local sem violência

Pedofilia leva Justiça britânica a ilhota

DA REDAÇÃO

Pitcairn é uma pequena ilha no Pacífico Sul, que fica na metade do caminho entre a Nova Zelândia e o Peru. Ali vivem 47 pessoas, descendentes de marinheiros ingleses que se amotinaram em 1790. A isolada ilha virou foco da atenção do mundo em razão de um escândalo sexual. A Justiça britânica deu início ao julgamento de sete homens, ou metade da população masculina da ilha, por crimes sexuais. Entre as 55 acusações estão pedofilia e estupro. Alguns dos crimes teriam acontecido há 40 anos.
O julgamento em Pitcairn (pronuncia-se Pitquern), com juízes britânicos vestindo as tradicionais becas negras, começou anteontem e deve durar cerca de seis semanas. Todos os acusados, incluindo o prefeito, se declararam inocentes. Eles alegam que manter relações com menores de idade era um costume local e que não havia violência. A defesa argumenta ainda que a ilha não está sob o controle das leis inglesas.
O relato das primeiras supostas vítimas, porém, pode revelar uma história sinistra. Em testemunho por vídeo, gravado na Nova Zelândia, mulheres contaram, às vezes chorando, as suas versões dos fatos. Ao todo, oito mulheres fizeram acusações. Todas já deixaram a ilha.
"As meninas eram tratadas como objetos sexuais. Os homens faziam o que queriam com elas", disse uma das mulheres que, de acordo com as leis britânicas, não pode ser identificada. Ela teria sido violentada quatro vezes, a primeira quando tinha 11 anos. "Não havia ninguém naquela ilha com quem pudesse contar", afirmou. Segundo ela, ao chegar de um ataque e contar para seu pai o que tinha acontecido, ela apanhou porque iria se atrasar para a igreja.
Outros vídeos foram apresentados para uma platéia quase vazia. O prefeito, Steve Christian, foi acusado de violentar uma menina de 11 anos, enquanto outros dois amigos seguravam seus braços e suas pernas. Uma mulher disse que foi obrigada a fazer sexo oral com o motorista do trator da ilha, Dave Brown, quando tinha 5 anos de idade. Outra acusou o mesmo homem de tê-la estuprado aos 7 anos, dentro da igreja local.

Costume
Mulheres, irmãs e mães dos acusados protestaram contra as acusações e disseram que nunca foram obrigadas a manter relações sexuais. "Eu fiz sexo aos 12. Sentia-me uma mulher e queria isso", disse Darralyn Griffiths, 26. "Nunca houve um estupro nesta ilha. Eu fui uma dessas meninas e tive relações aos 13. Sabia muito bem o que estava fazendo e não fui forçada", afirmou Carol Warren. Elas dizem também que as mulheres que fazem as acusações teriam sido compradas.
A população assegura que, se os acusados forem condenados, não haverá mais gente capaz de navegar os barcos que buscam suprimentos com os navios de cruzeiro que passam nos arredores da ilha. Com isso, todos serão obrigados a deixar o local.
Mesmo algumas das supostas vítimas dizem que não querem que os acusados sejam presos. Elas esperam que eles estejam conscientes de seus crimes e que isso não volte a ocorrer.

Direito de desvirginar
Segundo relato de um habitante ouvido pelo diário britânico "Independent", uma das razões para as agressões seria uma disputa de poder. De acordo com essa versão, o prefeito, Christian, acreditava que tinha o direito de desvirginar as meninas. Ele teria despertado a inveja de outros homens da ilha que passaram a ter relações com meninas virgens, cada vez mais novas. Muitas vezes esses ataques se repetiram por anos e as mulheres engravidaram e depois acabaram se casando com esses mesmos homens.
A denúncia contra os habitantes de Pitcairn foi feita em 1999 por uma policial feminina que visitou a ilha. Outros seis homens que não vivem mais no local devem ser julgados.
A lei britânica considera crime ter relações sexuais com menores de 16 anos. Os habitantes da ilha afirmam, porém, que não estão mais sob as leis do Reino Unido, pois cortaram os laços com o país quando seus antepassados fizeram uma revolta em um barco e chegaram ao local, em 1790.
Em Pitcairn, que tem apenas 42 km2, a luz elétrica dura dez horas por dia. Não há rede de esgoto, nem ruas asfaltadas. Cartas demoram meses para chegar e o isolamento foi rompido há poucos meses com a chegada da internet. Os habitantes da ilha ganham dinheiro vendendo artesanato, mel e selos para turistas eventuais.


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