São Paulo, sexta-feira, 02 de novembro de 2007

Próximo Texto | Índice

Polícia é condenada por caso Jean Charles

Scotland Yard pagará multa equivalente a R$ 630 mil por erros que levaram à morte do eletricista brasileiro em 2005

Júri conclui que operação pôs em risco a segurança da população, mas avalia que fracasso foi "institucional"; chefes são isentos de culpa

PEDRO DIAS LEITE
DE LONDRES

A polícia britânica foi condenada ontem a pagar uma multa de 175 mil libras (R$ 630 mil) por erros que levaram ao assassinato, por engano, do brasileiro Jean Charles de Menezes no metrô de Londres em 22 de julho de 2005.
Além da multa, a polícia também terá de pagar os custos do processo, de 385 mil libras (R$ 1,4 milhão), o que eleva o valor total para mais de R$ 2 milhões.
Apesar da condenação do ponto de vista institucional, mais uma vez os policiais envolvidos na operação foram mantidos fora do julgamento, o que funcionou, de certa forma, como uma absolvição.
Os 12 jurados, em decisão unânime, consideraram que a polícia britânica colocou a população em risco na operação. Jean Charles foi assassinado já dentro do vagão do metrô, na estação de Stockwell, meia hora depois de deixar sua casa, confundido com o terrorista Hussein Osman.
Mas, num movimento pouco comum, o júri decidiu deixar explícito na sua decisão que a comandante da operação naquele dia, Cressida Dick, não deveria ser considerada pessoalmente culpada pelas falhas. Segundo o próprio juiz, foi um "fracasso institucional, não pessoal".
O julgamento durou um mês. A multa sairá do orçamento da polícia londrina e vai para os cofres públicos. O valor podia ser "ilimitado", mas o juiz disse que fixou a quantia tendo em conta que uma multa muito alta afetaria o trabalho de cada policial nas ruas. Logo após a decisão, ainda não havia nenhuma decisão oficial da defesa sobre recorrer ou não, mas a promotoria considerava essa alternativa pouco provável.

Indenização
"Pela primeira vez em dois anos, a gente está um pouquinho feliz. Mas condenaram uma instituição. Quem matou não foi a instituição, foram pessoas", disse Patricia Armani, prima de Jean Charles.
A família do eletricista nunca recebeu indenização pela morte. Em 2005, a polícia chegou a oferecer uma compensação financeira para cobrir despesas, de 15 mil libras (cerca de R$ 55 mil), que foi recusada. O enterro, no entanto, foi pago pelo governo britânico.
Com o encerramento ontem desse processo, a família vai pressionar pela abertura de um inquérito público, o primeiro passo para o inquérito criminal. Este inquérito pode culminar em indenização.
"Ninguém aqui está pensando nisso. Minha preocupação é com os pais do meu primo. Vai deixar os velhos a ver navios? Eu não vou receber nada", disse Patrícia.
Em nota, o Itamaraty manifestou solidariedade à família e prometeu continuar acompanhando o caso e prestando assistência. "Embora sem singularizar os indivíduos responsáveis pela tragédia, a decisão reconhece a responsabilidade da Polícia Metropolitana no caso e abre caminho para novas iniciativas em favor da família daquele inocente cidadão brasileiro", diz o texto.

Exposição a riscos
A promotora do caso, Clare Montgomery, deixou claro desde o primeiro dia que a polícia havia desrespeitado a Lei de Saúde e Segurança no Trabalho, de 1974, que, em linhas gerais, estabelece que os cidadãos não podem ser expostos a riscos a sua segurança ou saúde durante o trabalho de agentes do governo.
A argumentação colocava a polícia num beco sem saída: se Jean Charles fosse de fato um terrorista suicida, a polícia jamais deveria tê-lo deixado entrar no metrô, o que colocou a população em risco. Se não fosse, como de fato não era, a polícia matou um inocente, o que também fere a lei. Pelas duas óticas, houve o que Montgomery chamou de "um erro chocante e catastrófico".
Osman, o terrorista com quem Jean Charles foi confundido, integrava um grupo que tentou, no dia anterior, fazer novos atentados em Londres, duas semanas depois de ataques suicidas num ônibus e em três estações do metrô que deixaram 52 mortos. O brasileiro morava no mesmo conjunto de prédios que o terrorista.
O resultado do julgamento volta a colocar pressão sobre o chefe da polícia britânica, Ian Blair, para que renuncie. Antes do início do julgamento, Blair havia dito que uma eventual condenação teria um impacto "profundo" na polícia do Reino Unido. Ontem ele afirmou em nota que "sente profundamente" pela morte de Jean Charles.


Próximo Texto: "Órfãos de Darfur" têm família, conclui a ONU
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.