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Polícia é condenada por caso Jean Charles
Scotland Yard pagará multa equivalente a R$ 630 mil por erros que levaram à morte do eletricista brasileiro em 2005
Júri conclui que operação pôs em risco a segurança da população, mas avalia que fracasso foi "institucional"; chefes são isentos de culpa
PEDRO DIAS LEITE
DE LONDRES
A polícia britânica foi condenada ontem a pagar uma multa
de 175 mil libras (R$ 630 mil)
por erros que levaram ao assassinato, por engano, do brasileiro Jean Charles de Menezes no
metrô de Londres em 22 de julho de 2005.
Além da multa, a polícia também terá de pagar os custos do
processo, de 385 mil libras (R$
1,4 milhão), o que eleva o valor
total para mais de R$ 2 milhões.
Apesar da condenação do
ponto de vista institucional,
mais uma vez os policiais envolvidos na operação foram
mantidos fora do julgamento, o
que funcionou, de certa forma,
como uma absolvição.
Os 12 jurados, em decisão
unânime, consideraram que a
polícia britânica colocou a população em risco na operação.
Jean Charles foi assassinado já
dentro do vagão do metrô, na
estação de Stockwell, meia hora depois de deixar sua casa,
confundido com o terrorista
Hussein Osman.
Mas, num movimento pouco
comum, o júri decidiu deixar
explícito na sua decisão que a
comandante da operação naquele dia, Cressida Dick, não
deveria ser considerada pessoalmente culpada pelas falhas.
Segundo o próprio juiz, foi um
"fracasso institucional, não
pessoal".
O julgamento durou um mês.
A multa sairá do orçamento da
polícia londrina e vai para os
cofres públicos. O valor podia
ser "ilimitado", mas o juiz disse
que fixou a quantia tendo em
conta que uma multa muito alta afetaria o trabalho de cada
policial nas ruas. Logo após a
decisão, ainda não havia nenhuma decisão oficial da defesa
sobre recorrer ou não, mas a
promotoria considerava essa
alternativa pouco provável.
Indenização
"Pela primeira vez em dois
anos, a gente está um pouquinho feliz. Mas condenaram
uma instituição. Quem matou
não foi a instituição, foram pessoas", disse Patricia Armani,
prima de Jean Charles.
A família do eletricista nunca
recebeu indenização pela morte. Em 2005, a polícia chegou a
oferecer uma compensação financeira para cobrir despesas,
de 15 mil libras (cerca de R$ 55
mil), que foi recusada. O enterro, no entanto, foi pago pelo governo britânico.
Com o encerramento ontem
desse processo, a família vai
pressionar pela abertura de um
inquérito público, o primeiro
passo para o inquérito criminal. Este inquérito pode culminar em indenização.
"Ninguém aqui está pensando nisso. Minha preocupação é
com os pais do meu primo. Vai
deixar os velhos a ver navios?
Eu não vou receber nada", disse
Patrícia.
Em nota, o Itamaraty manifestou solidariedade à família e
prometeu continuar acompanhando o caso e prestando assistência. "Embora sem singularizar os indivíduos responsáveis pela tragédia, a decisão reconhece a responsabilidade da
Polícia Metropolitana no caso e
abre caminho para novas iniciativas em favor da família daquele inocente cidadão brasileiro", diz o texto.
Exposição a riscos
A promotora do caso, Clare
Montgomery, deixou claro desde o primeiro dia que a polícia
havia desrespeitado a Lei de
Saúde e Segurança no Trabalho, de 1974, que, em linhas gerais, estabelece que os cidadãos
não podem ser expostos a riscos a sua segurança ou saúde
durante o trabalho de agentes
do governo.
A argumentação colocava a
polícia num beco sem saída: se
Jean Charles fosse de fato um
terrorista suicida, a polícia jamais deveria tê-lo deixado entrar no metrô, o que colocou a
população em risco. Se não fosse, como de fato não era, a polícia matou um inocente, o que
também fere a lei. Pelas duas
óticas, houve o que Montgomery chamou de "um erro chocante e catastrófico".
Osman, o terrorista com
quem Jean Charles foi confundido, integrava um grupo que
tentou, no dia anterior, fazer
novos atentados em Londres,
duas semanas depois de ataques suicidas num ônibus e em
três estações do metrô que deixaram 52 mortos. O brasileiro
morava no mesmo conjunto de
prédios que o terrorista.
O resultado do julgamento
volta a colocar pressão sobre o
chefe da polícia britânica, Ian
Blair, para que renuncie. Antes
do início do julgamento, Blair
havia dito que uma eventual
condenação teria um impacto
"profundo" na polícia do Reino
Unido. Ontem ele afirmou em
nota que "sente profundamente" pela morte de Jean Charles.
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