São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2008

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GEOPOLÍTICA DO DINHEIRO

Bush lega poder econômico menor

Fernando Canzian, enviado especial a Nova York


China e demais emergentes tendem a ganhar peso relativo, mas dólar mantém força de atração

Em artigo para a última edição da revista "Newsweek", o prefeito independente (sem partido) de Nova York, o bilionário Michael Bloomberg, extravasa a maior preocupação dos principais estrategistas americanos a partir dos efeitos da atual crise financeira.
"Nos últimos dez anos, nosso status de superpotência econômica tem sido desafiado como nunca. Mas, como um campeão que se tornou muito complacente e abandonou os treinos, o governo federal permitiu que a América perdesse a sua melhor forma para essa briga. Voltar a recuperá-la não será fácil e vai doer, mas a alternativa -ceder terreno para China, Índia, Coréia, Japão, países europeus, entre outros- simplesmente não é uma opção."
O texto de Bloomberg foi publicado em forma de "memorando oficial" para o próximo presidente dos EUA. Ironicamente, o mais prepotente líder americano dos últimos tempos, George W. Bush, acabará entregando o país na sua posição mais vulnerável, em termos econômicos, perante nações "concorrentes".
Na geopolítica global, essa talvez seja a principal herança negativa de Bush para os americanos. Os EUA ainda são de longe a economia com maior peso individual no planeta. No ano passado, o país contribuiu com 21,3% do crescimento mundial. Mas a China já é o segundo maior motor global. Sua parcela no crescimento do mundo em 2007 foi de 10,8%.
Recentemente, o diretor-gerente do FMI (Fundo Monetário Internacional), o francês Dominique Strauss-Kahn, afirmou ser "inevitável" que os desdobramentos da atual crise, com epicentro nos EUA, provoquem "mudança de poderes relativos" dos países. Um exercício simples: se de fato os EUA tiverem crescimento negativo nos próximos trimestres e desacelerarem para muito perto de zero em 2009 e parte de 2010, a participação relativa da China aumentará.

A China tem crescido acima de 10% ao ano, e é provável que desacelere para cerca de 7% ou 8% nos próximos dois anos. Mas, com US$ 2 trilhões em reservas, superávit fiscal nas suas transações com o resto do mundo, e com um sistema financeiro pouco contaminado pela crise, o país tem chances de sair dela melhor e mais rapidamente do que muitos outros.
O mesmo ocorrerá com uma constelação de emergentes. Em 2007, os países em desenvolvimento responderam por 43,7% do crescimento mundial. Pelas previsões do FMI, 2008 e 2009 serão os dois primeiros anos da história moderna em que eles vão puxar, na média, esse crescimento -estimado pelo Fundo em 3,9% neste ano e em 3% no próximo.
Para o economista Jared Bernstein, do Economic Policy Institute, de Washington, é "bastante possível que de fato ocorra uma mudança relativa de poder econômico", em razão da atual crise. "Mas, se olharmos para todos os fundamentos, a economia americana continuará tendo muita força. Com tudo o que vem ocorrendo no país, o dólar segue se valorizando e os investidores internacionais passaram a se refugiar nos títulos do Tesouro americano."
Segundo Bernstein, embora sua participação relativa tenda a diminuir, a economia americana é a mais flexível no mundo, a de maior produtividade e onde está o principal mercado de capitais do planeta -representado na Bolsa de Nova York.
"O que temos de aprender com essa crise é como regular o mercado de forma que algo semelhante não volte a ocorrer."
Uma nova regulamentação para os mercados financeiros tende a ser o principal tema da reunião marcada para o próximo dia 15, em Washington. O encontro reunirá os países do G8 (EUA, Alemanha, França, Canadá, Reino Unido, Itália, Japão e Rússia) e os do G20 financeiro (grupo do qual Brasil, China e Índia fazem parte).
Embora a reunião venha sendo chamada de "Bretton Woods 2", em referência ao encontro em New Hampshire, em julho de 1944, que acabou por criar o FMI e o Banco Mundial, poucos acreditam que os EUA aceitem se submeter a regras multilaterais nas finanças.

1% DOS AMERICANOS DETÊM HOJE 23% DA RENDA NACIONAL
A distribuição de renda é praticamente igual à de 1928, às vésperas do "crash" em Wall Street, quando 1% detinha 24% da renda


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