São Paulo, domingo, 02 de dezembro de 2001

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CABUL

LIVRE MERCADO

Bons negócios florescem na capital afegã

Com a saída do Taleban, explodem oportunidades represadas pelas rigorosas proibições da milícia

IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A CABUL

Poucas semanas após a saída do Taleban de Cabul, alguns negócios estão virando minas de ouro para seus proprietários devido às mudanças nas regras comportamentais na capital afegã.
""É uma ótima oportunidade, mas na verdade ainda tenho um pouco de receio de fazer mais propaganda", disse Reza Hamid, 28, dono de uma barbearia convertida em um dos primeiros salões de beleza feminino na era pós-Taleban.
O salão não tem nome ainda -mas nenhuma barbearia o tem em Cabul. A primeira cliente, diz Hamid, foi uma prima sua que veio cortar o cabelo ao estilo ondulado da estrela de cinema indiana Sharuka. O corte foi feito no dia 15, dois dias depois da chegada da Aliança do Norte.
A prima, porém, saiu e entrou de burga. ""É muito cedo ainda", diz. O custo por corte é de 15 mil afeganis, algo como US$ 4 pelo flutuante câmbio afegão.
O salão não tem, porém, apetrechos de manicure ou pedicuro ainda.
""Preciso contratar mulheres, mas não sei onde", afirmou Hamid. O mesmo problema atinge um outro ramo que vai tentar decolar, o das comunicações.

"Experiência"
A Afghan Wireless Company, uma empresa de telefonia celular com escritórios em Cabul e Candahar montada por dois afegãos e um norte-americano, anunciou na Rádio Afeganistão vaga para 15 telefonistas.
Os requisitos eram curso técnico completo e uma piada: experiência de cinco anos, exatamente o tempo em que o Taleban ficou no cidade, vetando o trabalho feminino. ""Estamos reconsiderando", afirmou um secretário à porta da empresa.
No salão de Hamid, uma mulher chegou, de burga, enquanto a Folha esteve no local. Não quis conversa. Era a primeira do dia: a média é de duas, por enquanto. ""Tudo vai ficar mais fácil depois do mês sagrado do Ramadã, quando alguns hábitos ficam mais liberais."
O salão de Hamid fica na avenida conhecida com Zarinab, batizada informalmente em homenagem ao cinema que deu lugar agora a um hotel de terceira categoria, no bairro de Sharina, entre uma loja de flores e um mercadinho de frutas.
Mais visibilidade têm as barbearias, um negócio que floresce na capital afegã após a queda do Taleban.

Movimento
A milícia, em édito publicado em dezembro de 1996, afirmava que a ""barba deve ser mantida grande, e quem desafiar a lei deverá ser preso até que a barba cresça o suficiente".
""Eu aumentei meu faturamento. Há dias em que atendo até três vezes mais fregueses do que antes. Estou bem contente com tudo isso", afirmou Mehrullah Abdullah, um barbeiro de 49 anos que há 14 trabalha em uma espécie de contêiner numa loja comercial do bairro Makrorian 2.
Abdullah atende hoje a cerca de 20 pessoas por dia. ""Foram cerca de 50 no dia em que o Taleban se foi."
Quando a reportagem chegou, as três cadeiras de barbeiro estavam ocupadas e havia uma fila de quatro outras pessoas na espera.
Pilotando as cadeiras, Abdullah e seus filhos Nurallah, 20, e Zabiullah, 18.
""Sempre quis trabalhar com meu pai, mas não dava porque não tinha gente suficiente", contou o caçula, ainda sem barba suficiente para fazer sozinho.

Capitalismo
A única vez em que Zabiullah havia trabalhado, antes da saída da milícia, foi quando a Marouf (polícia religiosa do Taleban) trouxe dez pessoas para cortar o cabelo.
""Disseram que o cabelo abaixo do ombro era pecado", afirmou. Resultado: todos tiveram os cabelos cortados rente, e tiveram de pagar a conta de 5.000 afeganis cada.
O incipiente capitalismo pós-Taleban mudou algo mais do que a frequência do salão. Agora, com a procura, o preço do corte no salão de Mehrullah já subiu para 10 mil afeganis.


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